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Progressividade nos impostos e o próximo Orçamento do Estado – preparemos a parte técnica da discussão

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Para o próximo Orçamento do Estado, o Primeiro-Ministro introduziu o tema da revisão dos escalões do IRS com o objetivo de introduzir maior progressividade. 

Qualquer alteração que venha a ocorrer deverá ser avaliada em duas dimensões distintas – o grau de progressividade e o nível médio de tributação. Estas duas dimensões não são equivalentes. 

Progressividade significa que a taxa média de imposto pago é maior para rendimentos mais elevados. 

Este efeito pode ser conseguido com taxas médias de imposto mais, ou menos, elevadas, e de diferentes formas (incluindo a versão de ter uma isenção inicial elevada de pagamento de imposto, e depois uma única taxa).

É necessário que as mudanças no IRS que venham a ser propostas pelo Governo (no próximo orçamento do estado) sejam discutidas com rigor técnico.

O primeiro critério de avaliação de qualquer proposta que venha a surgir será o efeito sobre a progressividade da tributação dos rendimentos do trabalho – para isso convém que se tenha um indicador claro do que significa essa progressividade.

É possível usar, em complementaridade às informações de quem eventualmente beneficia e de quem eventualmente perde (sugiro a leitura de um excelente artigo da Susana Peralta, aqui), o que se pode chamar de indicador estrutural, olhando apenas para a estrutura do imposto. 

Quando se separa um escalão de IRS em dois, com taxas de imposto dentro de cada escalão diferente (o que se denomina de taxas marginais de imposto diferentes), está-se a alterar a estrutura do imposto.

Se o resultado será mais ou menos imposto recolhido dependerá das taxas de imposto de cada escalão e do número de pessoas nos respetivos escalões de rendimento. Alterando ao mesmo tempo limites dos escalões, taxas aplicáveis e número de escalões, a própria discussão da progressividade estrutural torna-se mais complexa.

Para compreender melhor essas várias alterações, vou considerar um indicador sumário, calculado da seguinte forma. Primeiro passo, calcular para cada nível de rendimento o imposto que será pago segundo as regras de cada ano (para simplicidade, considero o caso de uma pessoa, sem benefícios fiscais e sem outras fontes de rendimento). Com este “imposto aproximado”, calcula-se a taxa média de imposto para cada nível de rendimento. O segundo passo consiste em pressupor que a relação entre a taxa média de imposto e o nível de rendimento que lhe dá origem, dada a estrutura do sistema de escalões, é razoavelmente aproximada por tm = a0 rendimentob, em que “a” e “b” são valores de caracterização do sistema de impostos.

O valor de “b” sumaria então a informação sobre a progressividade estrutural do sistema fiscal. Se a taxa média de imposto for sempre a mesma, qualquer que seja o rendimento da pessoa, então b=1. Se as pessoas com maior rendimento pagarem proporcionalmente mais imposto, então b > 1. O terceiro passo utiliza um modelo de regressão simples para obter uma estimativa do valor de “b”. Este valor “b” é representativo apenas da estrutura do sistema fiscal, não dando informação sobre quem ganha e quem perde com alterações que sejam realizadas. Permite apenas responder à pergunta se um conjunto de valores para escalões e taxas de imposto por escalão de rendimento é mais ou menos progressivo do que outro (nota técnica: o cálculo realizado tem em conta a existência de deduções especificas automáticas e de condições em que uma pessoa não paga qualquer imposto para baixos níveis de rendimento). 

Usando, com algumas reservas quanto à total comparabilidade entre países, os dados disponibilizados pela OCDE para os sistemas fiscais de diversos países, os cálculos para os anos de 2010, 2015 e 2020 para este  valor “b”, indicador de progressividade da tributação são fáceis de realizar. O quadro 1 apresenta essas estimativas.

 201020152020
Bélgica0,480,520,62
Eslovénia0,480,490,63
Polónia0,480,480,84
Itália0,160,160,16
Países Baixos0,760,901,02
Alemanha0,450,490,50
França0,690,630,68
Espanha0,720,920,89
Portugal0,400,380,43

Os valores de Portugal estão em situação intermédia no conjunto dos países para os quais se realizou o cálculo. 

Também se pode calcular a taxa média de imposto que é paga para cada nível de rendimento nominal. Como o poder de compra é diferente em cada país é necessário ajustar para isso; 100€ na Bélgica compram menos do que 100€ em Portugal, logo o rendimento equivalente de 100€ belgas é menor do que 100€ em Portugal, e a taxa média de imposto que é paga na Bélgica tem como referência no gráfico o equivalente de rendimento nominal ajustado destas diferenças de poder de compra. (as paridades de poder de compra referentes a 2020 foram consultadas na base de dados da OCDE)

Figura: taxa média de imposto para cada nível de rendimento nominal (ajustado para paridade de poder de compra)

Além da progressividade do sistema fiscal, é relevante olhar também para o valor absoluto da taxa média de imposto para cada nível de rendimento. Ao fazê-lo, traduzindo essa comparação numa figura, constata-se que Portugal é o país onde, para qualquer nível de rendimento, se tem a maior, ou segunda maior, taxa média de imposto (em termos nominais, ajustando para paridade de poder de compra). Ou seja, para o mesmo rendimento em termos de poder de compra de um cabaz de bens comum, em Portugal é onde o imposto pago é mais elevado, ou seja, onde o rendimento depois de imposto é mais baixo. 

As comparações internacionais têm alguma imprecisão, pois o nível de tributação sobre o rendimento também depende de escolhas de cada sociedade quanto ao modo de financiamento de vários serviços (um exemplo típico é o que se passa na saúde, em que a opção de ter um Serviço Nacional de Saúde faz com que a tributação média sobre o rendimento tenha diferente valor – o que num país requere fundos via impostos, noutro é uma contribuição com base no rendimento, que não é contabilizada como parte do imposto sobre o rendimento.

Mesmo tendo em conta essas diferenças, não deixa de ser relevante avaliar qualquer proposta de alteração na estrutura do IRS nos seus efeitos sobre a taxa média de imposto, para diferentes níveis de rendimento. Daqui a poucos dias saberemos o que o Governo e os vários partidos políticos pensam sobre o tema. Comecemos a preparar e a exigir uma discussão que seja rigorosa.

Para referência:

As taxas de IRS atuais (a taxa normal aplica-se dentro de cada escalão)

Autor: Pedro Pita Barros, professor na Nova SBE

Professor de Economia da Universidade Nova de Lisboa.

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