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o mundos dos modelos – vivendo com o coronavirus (14)

3 comentários

Duas considerações no dia de hoje, ligadas ao mesmo tema, de muita conversa nos dias que correm: os modelos matemáticos.

O que deve ter um bom modelo matemático neste contexto de pandemia? a) parcimónia – um modelo é como um mapa, não consegue ter todos os detalhes; b) ter uma representação razoável da realidade – prever evoluções impossíveis do ponto de vista biológico não faz muito sentido; c) ter capacidade preditiva – conseguir prever o que se pretende.

Os objetivos que temos também condicionam o tipo de modelo que queremos utilizar – prever o valor para o dia seguinte versus prever o número total de pessoas que terá sido infetada no final da pandemia, ou prever o momento em que se começa a abrandar o crescimento de novos casos, ou prever a máxima pressão que será colocada nas unidades de cuidados intensivos.

Um modelo útil para prever o valor de novos casos confirmados no dia seguinte pode ser inútil para prever daqui a 3 semanas. Prever o número total de pessoas que terão nalgum momento o novo coronavírus é diferente de prever quantas pessoas necessitarão de acompanhamento médico, e dentro destes quantos poderão ter necessidade de internamento numa UCI.

A mesma evolução numa fase inicial, como a que estamos, pode ser compatível com diversas evoluções posteriores, dependendo das hipóteses que se coloquem nos modelos.

Os modelos matemáticos requerem a introdução de valores para a simulação e previsão da realidade, sendo que esses exercícios levam a decisões que alteram a evolução inicialmente prevista – espera-se que as previsões falhem precisamente porque reagimos de forma a evitar as consequências mais negativas.

Estudar o impacto das medidas que são ou foram recentemente adoptadas implica estar a rever constantemente os parâmetros introduzidos nos modelos.

O que vamos sabendo atualmente (e que pode ser revisto cada vez que são conhecidos mais dados)? nem todos os casos apresentam sintomas e problemas sérios, e estes parecem ser uma parte substancial das situações; os números de casos confirmados são sobretudo os casos mais sérios, pelo que haverá um número maior de pessoas que tiveram a infeção COVID-19 (e que já ultrapassaram essa infeção. A única forma de vir a conhecer de forma precisa (e não por estimativa indirecta) será testando um número substancial de pessoas, com ou sem sintomas.

Quando os casos confirmados são isolados (e tratados) e param o contágio, mas permanecem em circulação os casos não identificados, que continuam a produzir algum contágio no contacto com as outras pessoas (e daí a importância das medidas de não contacto – distanciamento social – geográfico, para reduzir o efeito dessas pessoas sem sintomas mas que podem contagiar em circulação).

Um dos desafios destes modelos é como incluir de forma adequada as diferentes possibilidades de comportamento humano de forma simples para que o resultado agregado seja uma indicação razoável do que se passará na realidade.

Os modelos epidemiológicos, com a dinâmica de contágio incorporada, que vão sendo disponibilizados, reportam previsões que dependem da adesão às medidas de contenção. Poderemos vir a ter, no total acumulado no final da pandemia, 20% ou mais da população a ter tido COVID-19 segundo algumas versões; mas em versões mais favoráveis, com maior adesão e consequentemente melhores resultados das medidas, pode ficar bastante abaixo (das quais apenas uma pequena parte terá tido necessidade de tratamento hospitalar). Mesmo assim, estas últimas situações, de internamento hospitalar, serão potencialmente um número elevado, que se não for distribuído ao longo do tempo, colocará um forte teste aos limites do Serviço Nacional de Saúde.

O recente artigo de Graciela Gomes no Público ilustra porque é importante sabermos que modelização está a ser seguida pela DGS, uma vez que dará indicação de se estar a procurar seguir uma estratégia que implica mais custos agora ou uma (potencial) segunda vaga provavelmente no Outono, conforme as ilustrações que apresenta.

Mas por vezes, o que se chama modelos matemáticos é análise estatística, sem pretender replicar ou prever comportamento das populações. Como exemplo, um trabalho recente, em progresso, realizado nos Estados Unidos olhava para a mortalidade, com o resultado inesperado de a mortalidade por outras causas que não o COVID-19 estar aparentemente a reduzir-se ao mesmo tempo que a mortalidade devida ao COVID-19 aumenta.

É uma pergunta curiosa, saber se as medidas de contenção acabam por reduzir a mortalidade, por haver menos mobilidade das pessoas, ou se até podem fazer subir, por haver outros problemas de saúde que não são tratados convenientemente. Os dados portugueses permitem fazer exactamente o mesmo acompanhamento (embora com apenas um mês de COVID-19 – o mês de março – não se possa fazer mais do que olhar para os dados). A figura seguinte mostra a mortalidade por semana, nas primeiras 14 semanas de cada um dos 5 anos de 2015 a 2019, a cinzento, depois a mortalidade em 2020, a roxo, e a vermelho a mortalidade depois de deduzidos os óbitos devidos à COVID-19 (usando para os efeitos os valores publicados pela DGS). Ao contrário dos Estados Unidos, a mortalidade em Portugal subiu no último mês, sendo a mais alta desde 2015, e retirando os valores devidos à COVID-19, a linha a vermelho, continua em a ser um valor na parte superior do que sucedeu nos últimos anos. Se assim continuar, sem subir mais, não haverá, por aqui, números que permitam falar em maior mortalidade noutras áreas. Assunto a ir revendo nas próximas semanas, para perceber se os custos da COVID-19 se alargam potencialmente para mortalidade noutras áreas (claro que será preciso mais do que este gráfico para estabelecer causalidade, em breve veremos se é algo a que deva dar atenção ou não).

figura1

Nota: a referência do trabalho para os Estados Unidos é: “COVID-19: Unintended Consequences?, March 29 2020, (Preliminary and Incomplete), autores Prasanthi Ramakrishnan, Siddhartha Sanghi, David Schwartzman, Hayley Wabiszewski”. O paper já não se encontra disponível, retirado por os dados do CDC americano que estavam a usar não serem completos, e de só se tornarem definitivos daqui a uns meses – significando que há sub-reporte de mortalidade. Aqui, os dados portugueses também indicam a possibilidade de revisão, mas o sistema parece ser mais robusto do que o usado pelo CDC americano.

 

Autor: Pedro Pita Barros, professor na Nova SBE

Professor de Economia da Universidade Nova de Lisboa.

3 thoughts on “o mundos dos modelos – vivendo com o coronavirus (14)

  1. Olá, gostava de perceber exactamente a ideia subjacente a esta frase:
    “A única forma de vir a conhecer de forma precisa (e não por estimativa indirecta) será testando um número substancial de pessoas, com ou sem sintomas.”
    Genericamente, parece-me que muita gente (sobretudo a que está habituada a lidar com modelos matemáticas) considera que “não se testa o suficiente”. Até agora, a pressão tem sido para que se aumente o número de testes que a DGS tem feito, ou seja, testes PCR que, dentro duma certa janela temporal em que há particulas de vírus em número suficiente no hospedeiro, dizem se a pessoa está infectada ou não. Foi nesse sentido que eu interpretei a sua frase e que eu considerei que labora num erro muito comum: os assintomáticos dão normalmente resultados negativos (que, naturalmente, podem tornar-se positivos 2 ou 3 dias depois se eles forem “pré-sintomáticos”). Desse ponto de vista, os testes negativos são bastante inúteis, porque seria preciso repeti-los o tempo todo para ter informação sobre a população (Devo dizer que sou bióloga mas de modo nenhum virologista ou epidemiologista, portanto não sou de todo uma autoridade no assunto).
    Mas alguém me diz que o Pedro pode estar a referir-se a testes serológicos, que dariam indicações sobre a imunidade adquirida, ou seja, qual a percentagem real da população que foi infectada pelo vírus. Gostava de saber a que testes se refere com essa sua frase.
    Obrigada, desde já!
    Isabel

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    • sim, a minha ideia era testes serologicos – que permitam perceber numa amostra representativa que tem imunidade, quem tem covid-19 nesse momento e quem não tem. O teste de ver se tem ou não naquele momento é bastante inútil na ausência de suspeita. Aliás, algures, já não sei onde, referi que não se pode testar toda a gente todas as semanas. Divido os testes a fazer consoante um de dois objectivos: conhecer a extensão dos não detetados e conhecer se um caso especifico está ou não infetado (para retirar de circulação e colocar em isolamento). Eu também sou “treinador de bancada” no assunto, tento usar apenas, na medida do possível, pensamento económico – neste caso, que informação quero retirar de cada tipo de indicação de teste, e estou sempre disposto a ser corrigido e a aprender, incluindo quando não sou preciso na linguagem por não ser a comum da minha área.

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      • Então é exactamente a minha ideia também. Mas como até agora só se tem usado o segundo tipo, porque é a tarefa mais urgente (e, se calhar, porque os do primeiro tipo não são suficientemente precisos), mas as pessoas estão deseperadas para serem testadas para saberem se têm o bicho (digo eu!), fiquei na dúvida e, sobretudo, pareceu-me que podia estar a ajudar ao clamor “mais testes, mais testes!”, indiscriminadamente 🙂

        Já agora, gosto muito do seu blogue, que é claro e útil!

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