Saiu antes do Verão o Relatório de Primavera 2017, realizado pelo Observatório Português de Sistemas de Saúde. É uma leitura regular de há vários anos, e vale a pena, com tempo que vá além da notícia do dia, comentar as análises aí produzidas. Assim, os próximos posts serão uma leitura comentada do Relatório de Primavera 2017.
O Relatório de Primavera 2017 continua uma evolução no sentido de uma análise mais técnica. Ganha-se em objectividade, embora haja alguma perda em termos de abrangência de análise do processo político, mais presente em anos anteriores.
Um importante ponto geral na avaliação da governação é reconhecer que publicar medidas não é o mesmo que mudar o Serviço Nacional de Saúde, ou mudar o sistema de saúde. A passagem para um registo mais técnico do Relatório permite avançar numa lógica de avaliar os resultados das medidas de política de saúde, e não apenas a sua existência ou às vezes apenas o seu anúncio.
Alguns dos comentários de avaliação produzidos pelo Relatório de Primavera 2017 no seu capítulo inicial sugerem que aumentar o número de camas no sistema voltou a ser sinal de se fazer algo no Serviço Nacional de Saúde. Essa visão é inadequada nos dias de hoje por dois motivos: a) foca no hospital, uma vez que apenas estes têm camas; b) não tem em consideração que cada vez mais há actividade hospitalar que não requere internamento, logo não exige a presença de camas.
O capítulo 2 do Relatório de Primavera 2017 acaba por ter pouca novidade, uma vez que se centra na produção de um resumo dos dados publicados pela OCDE. Não é claro se há alguma visão diferente dos mesmos números, se há alguma análise adicional de dados ou se se limita a uma seleção de temas do relatório original. Seria desejável que, adoptando-se esta abordagem, tivesse ocorrido uma maior ligação entre o diagnóstico dado pelos números da OCDE e o texto produzido.
Na discussão sobre o que as pessoas, as famílias, pagam para cuidados de saúde, há um rigor na terminologia que deveria ser adoptado. Sendo os fluxos do exterior no campo da saúde bastante limitados, na verdade todas as despesas em saúde são pagas pelos residentes em Portugal. Pagam através de impostos (que depois permitem que o Orçamento do Estado transfira verbas para o Serviço Nacional de Saúde), pagam através das contribuições para os subsistemas, pagam através dos planos de seguro que decidem subscrever, e pagam através de pagamentos directos no momento de utilização de cuidados de saúde. A atenção dada é a este último elemento, pagamentos directos, que é mais elevado em Portugal do que na maioria dos outros países europeus e que corresponde a falta de protecção contra as consequências financeiras da doença.
Estes pagamentos directos podem resultar, potencialmente, de três elementos, que correspondem às três grandes dimensões enfatizadas pela Organização Mundial de Saúde: universalidade (quem é que está coberto), generalidade (que serviços são incluídos) e protecção financeira (que parte é paga pelo cidadão no momento de necessidade). Falhas em cada uma destas dimensões podem dar lugar a pagamentos das famílias no momento de utilização. No caso dos pagamentos directos em Portugal, como todos os residentes são cobertos pelo Serviço Nacional de Saúde, e como uma esmagadora maioria dos serviços relevantes está incluída, conceptualmente e operacionalmente, no Serviço Nacional de Saúde, os pagamentos directos resultam de decisões de cobertura financeira, em grande medida do próprio Serviço Nacional de Saúde, e em muito menor parte de relações directas entre os cidadãos que procuram cuidados de saúde directamente nos prestadores privados. Um elemento de informação relevante que se deveria conhecer é qual a parte dos pagamentos directos que resulta de decisões do Serviço Nacional de Saúde quanto à comparticipação financeira dos cidadãos. A componente de taxas moderadoras é modesta, não sendo mais do 2% dos fluxos financeiros totais no sistema de saúde. Dos inquéritos às despesas das famílias, sabemos que os medicamentos têm um peso importante no passado. Mas (ainda) não é possível fazer essa divisão.
Há a consideração da eficiência do sistema de saúde, numa perspectiva agregada, como elemento prévio à sustentabilidade financeira. É uma visão, em geral, correcta mas que no caso dos últimos anos necessita de ser vista com uma lente um pouco mais forte, sobretudo porque se olha apenas para despesa face a resultados. A despesa envolve preço e quantidade, e a variação de preços (de factores produtivos, em jargão económico) nos últimos anos foi bastante significativa. Os anos da troika foram anos de “aumento de eficiência” por via dos cortes salariais, tal como os anos de 2016 e seguintes serão de menor eficiência por reposição desses cortes, quando se olha para medidas baseadas em despesa.
(continua)
11 \11\+00:00 Setembro \11\+00:00 2017 às 15:45
Boa tarde Prof. Pita Barros,
Na realidade em que estou inserido no SNS, apesar da recuperação de vencimento prévio ao período da TROIKA, não constato redução da eficiência na produtividade das consultas (tempo médio para primeira consulta inferior a 60 dias), com aumento consequente do tempo médio em lista de espera para cirurgia de 8 meses (alguns doentes chegam a receber 2 vales cirurgia). Por outras palavras, continua-se a trabalhar a todo o vapor e na capacidade máxima instalada, resultante dos vícios herdados da governação da saúde prévia. No contexto da qualidade do que se faz e na capacidade formativa dos médicos internos observo um compromisso negativo que a médio-longo prazo poderá significar maior despesa/custos para o SNS.
Cumprimentos,
João Rodrigues
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11 \11\+00:00 Setembro \11\+00:00 2017 às 22:39
Caro João Rodrigues, obrigado pelo seu comentário. Há uma diferença entre medidas de produtividade medidas em unidades físicas (tempo médio para primeira consulta inferior a 60 dias, por exemplo). Continuando a “trabalhar a todo o vapor e na capacidade máxima instalada”, significa que a reposição de salários leva a mais despesa para o mesmo volume de trabalho. Logo medidas de produtividade em termos monetários, como despesa por consulta realizada terá um maior valor, logo menor eficiência. Assim, medir a variação de produtividade ou de eficiência em unidades monetárias ou em unidades físicas fará diferença. É essa a minha chamada de atenção – as medidas monetárias vão ser influenciadas fortemente pelas variações salariais, não reflectindo a capacidade física de atendimento e tratamento.
Cumprimentos,
Pedro
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