Momentos económicos… e não só

About economics in general, health economics most of the time

Genéricos, quota de mercado e como olhar para os números

Deixe um comentário

O Infarmed disponibilizou um comunicado (aqui) onde se refere o aumento da quota de mercado dos genéricos para 47,8% (suponho que em número de embalagens vendidas) e o objectivo de chegar aos 50%.

Esta informação, em si mesma, com o tempo de existência de genéricos em Portugal, necessita de ser completada com outras peças de informação. A quota de mercado de genéricos deixa, a partir de certa altura de maturidade do mercado, de ser completamente informativa. Por exemplo, se todos os medicamentos de um determinado grupo (medicamento original e genéricos respectivos) tiverem o mesmo preço, então aumentar ou não a quota de medicamentos genéricos é irrelevante e não traz poupança adicional – com preço igual, alterações de quota de mercado são apenas mudanças na companhia farmacêutica que vende mais ou menos.

Por outro lado, a quota de mercado de medicamentos genéricos no contexto global do Serviço Nacional de Saúde depende também dos medicamentos sob patente que estejam presentes e sejam incluídos na cobertura do SNS.

Logo, a quota de mercado de genéricos pode evoluir por várias razões, e para os efeitos de poupança que possam gerar há que ter o cuidado de distinguir vários efeitos.

O seguinte exemplo ficticio (mas que pode ser calculado com dados reais para quem a eles tiver acesso) ilustra o papel de efeitos directos e efeitos indirectos.

Tomemos um medicamento que estando ainda em período de patente tem um preço de 100 e consumo de 1000 unidades. A despesa toda é de 100 000. Expira entretanto a patente e passa a existir concorrência de genéricos, que originam um preço de 25 para o(s) genérico(s), um preço de 50 no medicamento original e um consumo global de 1200 unidades, das quais 400 são consumo de genéricos (quota de mercado neste medicamento de 33%).

Qual a poupança atribuível à presença de genéricos?

Há vários efeitos cumulativos e supondo que o aumento de consumo é em genéricos, tem-se: (a) 800 unidades de consumo do medicamento original passam a ter um preço de 50 em vez de um preço de 100, resultando numa poupança de 40 000; (b) 200 unidades anteriormente consumidas a um preço de 100 passam a ser consumidas a um preço de 25, por ser usado genérico. Esta poupança tem um efeito directo de 15 000; (c) 200 unidades são agora adicionalmente consumidas ao preço de 25, com um aumento de despesa de 5000.

A despesa total é agora 50 000. Baixou par metade mas com mais consumo (e presumivelmente mais benefício para a população). Houve efeitos directos e indirectos. A quota de mercado dos genéricos não capta o efeito indirecto do medicamento original baixar o seu preço, e o efeito indirecto de aumento de uso do medicamento por ter preço mais baixo significa que maior quota de mercado está associada a maior despesa e não menor despesa (e aqui focar na despesa ou na poupança não reflete os benefícios que possam advir de maior acesso a este medicamento).

Numa versão mais extrema, se o preço do medicamento original baixar para o valor 25, igual ao preço do medicamento genérico, a quota de mercado do genérico será irrelevante como medida do ganho alcançado pela existência de medicamentos genéricos. Há, pois, que definir de forma mais clara os vários efeitos, o que dá mais trabalho e mais complicado de comunicar do que falar apenas da quota de mercado.

A divisão de eventuais poupanças entre utentes (no pagamento directo que fazem) e Serviço Nacional de Saúde depende essencialmente da política de comparticipação, e tem pouco a ver com o funcionamento do mercado do medicamento em si mesmo.

O elemento seguinte no comunicado de atribuir a medidas de política económica a evolução observada é, com a informação fornecida, impossível de avaliar, até porque se fala em medidas com efeitos simultâneos – informação e sensibilização dos utentes, estimulo à dispensa de genéricos pelas farmácias. Caso haja uma avaliação quantitativa feita, o documento técnico subjacente deverá esclarecer a metodologia e como são identificados os vários efeitos presentes que levam ao resultado observado de maior quota de mercado (mesmo sendo que esse não será provavelmente o indicador mais interessante no atual estado de maturidade do mercado).

 

(Leitura complementar: alguns dos aspectos focados aqui foram discutidos em maior detalhe no texto com Filipe Correia, “Medicamentos genéricos: crescimento e efeitos”, cap 10 no volume “Políticas Públicas em Saúde: 2011 – 2014, Avaliação do Impacto”, publicado pelo Secretaria-Geral do Ministério da Saúde e também disponível numa versão pré-final aqui).

Autor: Pedro Pita Barros, professor na Nova SBE

Professor de Economia da Universidade Nova de Lisboa.

Deixe um momento económico para discussão...

Preencha os seus detalhes abaixo ou clique num ícone para iniciar sessão:

Logótipo da WordPress.com

Está a comentar usando a sua conta WordPress.com Terminar Sessão /  Alterar )

Facebook photo

Está a comentar usando a sua conta Facebook Terminar Sessão /  Alterar )

Connecting to %s