O recente caso ocorrido no Hospital de S. José, com a morte por falta de pronto atendimento à situação crítica de um doente, criou comoção geral, e muitas reacções. É evidente que o Serviço Nacional de Saúde falhou, e aparentemente poderá não ter sido apenas desta vez. Daqui à acusação geral de ser por causa dos cortes na saúde foi um rápido passo.
Uma das reacções mais sensatas, a meu ver, foi do novo Ministro da Saúde, falando em problemas de organização, e não apenas na herança de cortes no passado. No ano passado houve também por esta altura do ano problemas nas urgências. E igualmente nesses casos, problemas de organização estiveram presentes.
Simplesmente “gritar” que a culpa é da austeridade é contribuir para que a raiz destes problemas não seja tocada. É fácil dizer que se coloca mais dinheiro no sistema de equipas em prevenção na neurocirurgia, ou noutra especialidade, mas isso não impede que daqui a um ano (ou dois, ou seis meses) surja outro problema, devido novamente a falhas de organização, noutro ponto do Serviço Nacional de Saúde.
Daí que a preocupação do Ministro da Saúde em promover diferentes formas de organização dos cuidados de emergência na zona da cidade de Lisboa seja uma resposta mais inteligente que simplesmente anunciar mais uns milhões para resolver esta situação num hospital.
Mas podemos e devemos ir um pouco mais longe. Há vários aspectos de funcionamento dos sistemas de saúde, e de Serviços Nacionais de Saúde, que requerem atenção. Não é sequer uma especificidade nacional. O caso concreto que esteve na base da actual discussão é um exemplo dramático do que tem sido chamado “efeito de fim de semana”. Tomando a situação em Inglaterra, o “weekend effect” está presente na imprensa e na discussão política sobre o SNS inglês. Mas não é problema apenas dos países com Serviço Nacional de Saúde. Uma rápida busca revelou um recente trabalho sobre os Estados Unidos, normalmente criticados pela falta de cobertura mas não pela falta de qualidade dos cuidados prestados ou pela falta de meios tecnológicos, onde se concluiu “The weekend effect is seen across many medical and surgical conditions. We have illustrated this effect for ruptured aortic aneurysms in a nationally representative population in the United States.” (ver aqui o trabalho original) E há mesmo evidência para outros países da presença deste efeito (ver aqui). Nem sequer é um efeito recente (um artigo de 2001 no New England Journal of Medicine já referenciava confirmações deste efeito). Mesmo para Portugal, um trabalho de 2014 realizado na Escola Nacional de Saúde Pública indicava a presença deste efeito de maior mortalidade ao fim de semana (ver aqui). (e uma revisão de literatura mais profunda certamente irá encontrar mais documentação do efeito de fim de semana)
Obviamente, saber que os outros países e sistemas de saúde diversos apresentam o mesmo tipo de resultados em termos de mortalidade que não deveria ter ocorrido em condições de adequado funcionamento dos sistema de saúde não resolve o problema. Mas obriga a procurar outras causas e outras soluções.
E se a resposta estará em olhar para a organização do Serviço Nacional de Saúde e como funciona versus como deveria funcionar, então aproveite-se para colocar na agenda outros aspectos similares, como a variação de prática clínica – não só existe um efeito de fim de semana adverso como existe um efeito de local onde se é atendido. E resolver estes problemas, olhando para a qualidade dos cuidados de saúde prestados, não é uma questão de deitar mais dinheiro no Serviço Nacional de Saúde.
30 \30\+00:00 Dezembro \30\+00:00 2015 às 19:32
Boa tarde,
A variação clínica a que se refere, resultante da heterogeneidade e especificidade da qualidade assistencial das diferentes instituições do SNS, não se resolve com (mais) “guidelines” ou linhas de orientação, pela natureza da sua definição e pelas idiossincrasias loco-regionais (curiosamente no Norte é raro aquele tipo de situações).
No caso a que se refere, nem tão pouco se pode aplicar: não existem condições humanas e materiais para a constituição de equipas de Neurocirugia/Neuroradiologia na grande maioria dos hospitais suburbanos, periféricos e distritais (Nota: evitar atividades radicais, por exemplo, em Porto Santo).
A capacidade de resposta dos serviços centrais destas especialidades necessita de reorganização intra e inter-hospitalar, extensível a tantas outras áreas da Medicina portuguesa estranguladas pela “orçamentação interna” e mentalidade de silo, dificilmente alcançável sem os devidos incentivos, pois não basta boa vontade para contornar o “weekend effect” e o “portuguese way of health thinking” tão dependente dos modelos estrangeiros. Há que ir para fora, cá dentro!
Cumprimentos e bom ano de 2016, com continuação da inteligente crítica construtiva sobre o SSP que produz neste weblog.
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30 \30\+00:00 Dezembro \30\+00:00 2015 às 21:15
Caro João Rodrigues,
obrigado pelo comentário. Só uma clarificação – quando refiro variações de prática clínica estou a alargar as preocupações a outras intervenções. Votos de Bom Ano de 2016.
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Pingback: Efeito fim de semana nos hospitais | O Insurgente
3 \03\+00:00 Janeiro \03\+00:00 2016 às 12:30
Recebidos via facebook:
[1] Como sempre excelente artigo.Finalmente alguém diz e assume publicamente que a gestão das organizações de saúde tem muito impacto na prestação de cuidados aos doentes…E preciso que publicamente se conheça e se assuma esse facto.É uma mudança de paradigma indispensável para manter o SNS equilibrado e saudável!
[2] Planeamento, antecipação dos problemas, diálogo e interajuda interpares e demais profissionais e entidades, melhor organização… e ação! Um erro não deve ser usado para denegrir mas, tão só, para nos ajudar a reflectir, tomar consciência das nossas fragilidades e nos ajudar a não voltar ao mesmo, à inércia ou conformismo.
Belo texto! Parabéns!
[3] Está mais do que comprovado que com o actual desennvolvimento em saúde que são necessários maiores gastos para se conseguir pequenos ganhos em saúde, continuamos a investir no tratamento quando deveríamos fazer na prevenção.
Na discordando do que diz, considero que um maior investimento trará um melhor desempenho, no entanto, isto só acontece num modelo de gestão diferente do que temos.
[4] Para alem da organizacao, fim de semana, existe um outro problema, a complexidade da cirurgia q teria de ser feita. Pode a urgencia ter uma equipa de neurocirurgioes, mas nenhum deles estar preparado p realizar uma cirurgia com um grau de exigencia e mass critica q requer!
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