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Barreiras de acesso ao SNS (3)

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O INE publicou, a propósito do dia internacional da erradicação da pobreza, um destaque associado com os resultados definitivos do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento (EU-SILC) realizado em 2014, sobre rendimentos de 2013, cobrindo pessoas com 16 ou mais anos.

Sobre a parte de barreiras de acesso a cuidados de saúde, o destaque refere:

As dificuldades financeiras foram a principal razão para a não satisfação dos cuidados de saúde

O acesso aos cuidados de saúde constitui uma variável importante para a avaliação da inclusão social e bem-estar das pessoas. Em 2014, 5,5% da população com 16 ou mais anos referiu que, em pelo menos uma ocasião, necessitou de cuidados médicos e não os recebeu, e 18,8% necessitou de cuidados dentários e não os recebeu.

A falta de disponibilidade financeira foi a principal razão apontada para a não realização dos exames e tratamentos médicos (53,5%) ou dentários (82,5%) necessários.

Ou seja, das pessoas que tiveram necessidade de cuidados médicos e não os receberam, apenas 2,94% são devido às condições financeiras dos inquiridos (2,94=53,5%*5,5).

No caso dos exames e tratamentos médicos (de acordo com a pergunta do inquérito, é realmente necessidade de ver um médico), os 2,94% da população referidos no destaque no INE correspondem, no inquérito realizado em 2015 que tenho vindo a analisar, às perguntas “Não foi a uma urgência ou a uma consulta por falta de dinheiro” e “Deixou de ir à urgência ou a uma consulta pelo preço do transporte”, que têm uma resposta de existência de dificuldades financeiras por parte de 8,94% e 6,76% da população. A junção das duas categorias de resposta dá um total de 10,68% em 2015 (há pessoas que apresentam ambos os motivos, pelo que o total não é a soma das duas percentagens anteriores). Os valores para 2013 nas mesmas perguntas, o ano do inquérito de base ao destaque do INE, são 8,68% para ida a consultas/urgências, 5,05% para dificuldades com custos de transporte e 10,47% no agregado das duas. Ou seja, um valor superior ao que foi encontrado pelo INE.

Tal poderá dever-se à forma como a pergunta é feita, “durante os últimos 12 meses necessitou realmente de consultar um médico?”, que é mais forte do que “se sentiu limitado por questões financeiras”, mas menos restrito do que perguntar sobre a última vez que se sentiu doente (que pode ter sido ou não afectada pela limitação financeira).

Usando a última situação em que as pessoas inquiridas referem ter-se sentido doente, terem optado por não ir ao sistema de saúde nessa ocasião e referido que não iniciaram esse contacto com o sistema de saúde por causa das taxas moderadoras e custos de transporte, surge um valor de 2,03% para as dificuldades financeiras (condicional a ter-se sentido doente), dividido entre “não valia pagar a taxa moderadora” (3% dos que se tendo sentido doentes não contactaram o sistema de saúde), “não tinha capacidade de pagar a taxa moderadora” (2,04% dos que se tendo sentido doentes não contactaram o sistema de saúde)  e “não tinha capacidade de pagar o custo de transporte” (0%).

Completamente distinta é a situação dos cuidados de saúde oral, a recurso aos dentistas, que são tradicionalmente uma actividade sobretudo privada (normalmente, acima dos 95%). É uma área que claramente necessita de uma outra atenção. As informações disponíveis sobre despesas das famílias (o último inquérito disponível refere-se a 2010/2011) revelam que as despesas com dentistas surgem sobretudo nos níveis de rendimento mais elevado, não estando presente nos grupos de rendimento mais baixos. Admitindo que esta situação não se tenha alterado substancialmente, mesmo com a existência do chamado “cheque dentista”, significa que haverá necessidades não satisfeitas neste campo com uma relevância maior do que no acesso a cuidados de saúde / médicos de forma mais geral.

Para o caso de querer responder às perguntas do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento associadas a estes aspectos, vá aqui.

Concluindo, os resultados do inquérito utilizado pelo INE e referente a 2013 (realizado em 2014), com um maior número de observações, são grosso modo consistentes com os que encontramos, e as diferenças são provavelmente devidas à forma mais ou menos ampla como se faz a pergunta.

Autor: Pedro Pita Barros, professor na Nova SBE

Professor de Economia da Universidade Nova de Lisboa.

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