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sobre “Uma década para Portugal” (2)

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Entrando agora no texto do relatório, secção a secção, o Sumário Executivo é demasiado genérico, e sobretudo não há uma clarificação dos tempos de intervenção – fala-se de uma década para Portugal, mas dá a sensação de as propostas serem para tomar medidas nos primeiros dois anos e nos outro oito esperar que resultem. E não vai acontecer assim, de certeza. Há uma urgência permanente dos Governos e das oposições “mostrarem serviço” com a aplicação sucessiva de medidas, e à falta de melhores ideias basta procurar o contrário do que outros fizeram antes. Este aspecto do tempo político de intervenção merecia também ele uma reflexão no relatório, e no sumário executivo, que reúne os aspectos mais relevantes do documento.

Na verdade, este sumário executivo fica muito aquém do interesse que algumas das propostas depois revelam.

A primeira secção, “1 Princípios de governação económica pela confiança no futuro” traz considerações gerais e preocupações à luz das quais deve ser lido o resto do relatório. São apontados princípios gerais com os quais é fácil ter concordância. E são introduzidos aspectos que melhor ficariam na secção seguinte dedicada ao diagnóstico, pois deles deveria-se retirar implicações mais fortes do que realmente sucede nas propostas apresentadas.

Uma frase importante, que destaco “Face a um problema de oferta, que poderia ser resolvido com uma adequada reafectação dos factores produtivos, gerou-se uma crise de procura (…)”. Significa que há na economia portuguesa um problema de longo prazo na oferta, e do qual os autores retiram que houve uma crise da procura. Mas não é nada claro que resolvendo a “crise da procura” se resolva o problema da oferta. Não há uma clarificação do que entendem os autores do relatório por crise da oferta. A meu ver, essa crise de oferta está na baixa produtividade das actividades económicas em Portugal e da incapacidade que houve nos últimos 30 anos em alterar a forma como a maior produtividade é conseguida de forma sistemática e generalizada – os ganhos de produtividade obtidos depois da adesão às Comunidades Europeias resultaram sobretudo de redução da utilização de trabalhadores em lugar de aumentar o valor acrescentado do que é produzido, e essa forma de aumentar a produtividade tem limites naturais, e em grande medida foi isso que travou em substancial medida o crescimento económico desde o início do século. Além desse aspecto, do ponto de vista geral da economia, uma forma de aumentar a produtividade média é fazer crescer as actividades económicas com maior produtividade reduzindo o peso das que apresentam menor produtividade, ou seja, como é correctamente identificado pelos autores do relatório “uma adequada reafectação dos fatores produtivos”. É por isso de esperar que as propostas procurem solucionar estes dois aspectos do lado da oferta.

Quanto à “crise da procura”, o termo seria inevitável no relatório dadas as posições públicas de economistas ligados ao PS, contudo é importante distinguir entre o que é crise de procura por ser falta de procura que deveria existir hoje, e crise de procura que corresponde a um excesso de procura injustificado no passado. A distinção é crucial para saber se se pretende uma “procura adequada à capacidade produtiva do país” ou uma “procura igual à que já tivemos”, independentemente da capacidade de gerar riqueza nacional.

As prioridades de actuação governativa são organizadas em seis eixos, que podem ainda ser sumariados (a meu ver) em quatro ideias base:

a) recursos produtivos: investimento que gere produtividade; reforço do capital humano dos recursos humanos e inovação (no que são as três componentes da “contabilidade do crescimento”)

b) protecção social

c) melhor funcionamento das instituições (incluindo o “mercado” como forma de organização da actividade económica)

d) sustentabilidade das finanças públicas

A estabilidade do quadro institucional é vista como importante para ter investimento, mas não é claro como é possível assegurar essa estabilidade. Por exemplo, seria interessante saber quais os aspectos do actual quadro fiscal que sugerem não ser alterado – isto é, que fique estável tal como está; pois focando apenas no que se pretende mudar, sem explicitar qual o pensamento quanto ao que não é mencionado deixa a incerteza sobre se será mudado também mais tarde ou não; não basta dizer que a estabilidade do quadro institucional é importante, é necessário mostrá-lo com compromissos.

Um outro ponto de reflexão que teria lugar na discussão desta secção é a importância relativa dos diferentes objectivos traçados, relevante para saber que caminhos poderão ser seguidos quando houver medidas que impliquem custos num objectivo para obter benefícios noutro objectivo. Basta pensar nos objectivos de sustentabilidade das contas públicas e as propostas de intervenção que envolvem mais despesas públicas.

Interessante também que neste capítulo não seja feita qualquer referência à segurança social, que depois surge como uma das partes com maior peso e mais interessantes do relatório.

(pode ser que depois haja uma versão 2.0 do relatório, por isso aqui irão surgir elementos de uma “lista de desejos” para uma eventual revisão do documento)

Autor: Pedro Pita Barros, professor na Nova SBE

Professor de Economia da Universidade Nova de Lisboa.

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