Há dois dias tive a oportunidade de participar num debate da TVI24 sobre austeridade e saúde. Como é habitual nestas situações, a preparação das sessões raramente tem correspondência na discussão que tem lugar. O debate pode ser visto aqui (a partir do minuto 29:00, ou então via MeoKanal).
A estrutura de uma discussão deste tipo deverá a) distinguir entre efeitos sobre a saúde e a procura de cuidados de saúde pela população, por um lado, e efeitos sobre os serviços de saúde e o seu modo de funcionamento, por outro lado.
No campo dos efeitos sobre a saúde das pessoas, os aspectos mais relevantes a serem medidos são vários: 1) o desemprego potencia situações de menor saúde e o aumento do desemprego em Portugal foi grande, pelo que será de seguir o que se passa com este grupo populacional; 2) os acidentes de viação e de trabalho tendem a ser menores, pelo que indicadores agregados de mortalidade podem não traduzir impactos sobre subpopulações; 3) os suicídios e os problemas de saúde mental tendem a aumentar; no caso dos suicídios a evolução verificada em Portugal não foi o aumento que seria esperado face ao aumento de desemprego à luz de estimativas internacionais desses efeitos.
Nos efeitos sobre os serviços de saúde, a ver qual o efeito em termos de falta de recursos e falta de investimento, qual o impacto da redução de remunerações. Houve uma redução de custos que incidiu sobre “preços” e não sobre “quantidades” em grande medida (reduções de salários e reduções de preços de medicamentos são efeitos “preço”), mas sabemos pouco sobre o que se passou em termos de “quantidades”.
A redução da despesa pública em saúde pode ser decomposta em três elementos: alteração de “preços”, alteração de “quantidades” e alteração da “parte paga pelo Estado”. Também aqui sabemos pouco sobre a importância relativa de cada factor.
O que sabemos então? do lado da procura, não houve um disparar da procura de cuidados de saúde, apesar de pressão acrescida nalgumas áreas; ocorreram mais casos extremos que têm recebido atenção recente na comunicação social; houve capacidade de resposta do serviço nacional de saúde, apesar dos cortes ocorridos; resta saber se é uma capacidade de resposta permanente ou não; a notável resiliência dos profissionais de saúde face aos cortes salariais (que foi parte substancial da capacidade de resposta) poderá ou não manter-se; a capacidade de “sobrevivência e ajustamento” no sector do medicamento está a ser colocada à prova (cobrindo indústria farmacêutica, distribuição grossista e farmácias)
No debate acabou-se por andar à volta de questões que devem merecer a nossa atenção, seja em tempos de austeridade ou fora deles. Com a distância de dois dias, e capitalizando noutras sessões deste tipo, a acrescentar algo ao debate será introduzir o reconhecimento da importância de mecanismos que forcem à acção, como o fez o memorando de entendimento em várias medidas com uma componente substancial de produção de documentos normativos. E a necessidade imperiosa de encontrar os mecanismos que garantam uma mudança no funcionamento das instituições, que não se realiza apenas por normas, leis ou circulares normativas.
16 \16\+00:00 Janeiro \16\+00:00 2014 às 09:40
bom dia Caro professor, antes de comentar, importa ver. Dai a minha pergunta ingenue qual o meu canal ou em que dia foi a transmission para eu fazer rewind à programacao dos 7 Dias? Obrigado
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16 \16\+00:00 Janeiro \16\+00:00 2014 às 10:32
Tem uma visão muito clara e, a meu ver muito acertada, da realidade do SNS.
1. O que lhe posso dizer baseado no que se passa no Algarve é que existem ovos para fazer omeletes. Existe é falta de organização na administração.
2. No caso Algarvio, acho que os dados que gostaria de conhecer (tempos de espera, dívidas, etc.) estão públicos no relatório de contas. Um economista, que eu não conheço, Luís Coelho, fez um apanhado desses números: http://www.sulinformacao.pt/2014/01/saude-hospitalar-publica-no-algarve-uma-breve-reflexao/.
Abraço,
Jorge
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17 \17\+00:00 Janeiro \17\+00:00 2014 às 08:03
@Angelo – foi na terça-feira à noite, na TVI24 depois do comentário do Augusto Santos Silva.
@Jorge – obrigado pelo link, esses são alguns dos ovos mas não todos; normalmente os dados disponíveis reflectem um misto de factores de procura e de oferta, e separar os ovos é o desafio.
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