Momentos económicos… e não só

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Guião da reforma do Estado (25)

Voltando às IPSS, é dito que “Só a contratualização com as IPSS permitirá uma gestão de proximidade, tecnicamente habilitada, e ajustadas às circunstâncias especificas das famílias”. Esta afirmação carece de demonstração cuidada. Por exemplo, pretende-se com esta afirmação garantir que a gestão das IPSS assegura a não discriminação e a igualdade de tratamento de todos os cidadãos? É possível que sim, mas é preciso que os cidadãos não tenham dúvidas quanto a isso; de outro modo, a afirmação baseia-se em “achismo” (eu acho, tu achas, ele acha…) ou conhecimento de casos particulares. Note-se que o conhecimento local e o distanciamento da ética da burocracia pública poderá levar a uma maior utilização de “cunhas” e de favorecimento, ou até mesmo de utilização da posição numa IPSS para projecção pessoal. E bastará um ou dois casos para mancharem a imagem de todo um sector. Como serão estes aspectos acautelados? Fica realmente mais eficiente que usar alternativas, nomeadamente intervenção pública directa? Não sei, e estou disponível para qualquer solução desde que ancorada em evidência clara.

Da mesma forma, “a concessão de equipamentos sociais que [o Estado] não tem competências para gerir” tem que ser completada com definição do que é o que Estado não tem competência para gerir e porquê. E se faz contrato de gestão, como assegurar que não fica refém de uma entidade privada e como assegurar que no contrato não vão estar envolvidas “rendas excessivas”? Além da questão da gestão política do sucesso e do insucesso.

Se a concessão for bem sucedida, a entidade privada gerará excedentes e o Governo será acusado de dar “rendas” aos privados; se for mal sucedida, será acusado de ter feito um erro.


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Guião da reforma do Estado (24)

Sobre o apoio no situação de desemprego (e registo que se evitou, e bem, a expressão subsídio de desemprego!), uma ideia para debate é de colocar entidades privadas na colocação de desempregados. Embora compreenda a intenção, não é claro porque há vantagem nisso. Ou havendo vantagem porque é que o próprio mercado privado não desenvolveu essa solução. Se uma entidade privada for mais eficiente que o IEFP a colocar desempregados de novo no mercado de trabalho, e os desempregados estiverem dispostos a pagar alguma coisa por essa solução, então essa solução deveria ter sido já usada. Por exemplo, se cada desempregado pagasse ao longo de seis meses uma pequena percentagem do seu ordenado à empresa privada que o colocou, seria uma solução meramente privada.

Se admitirmos que os desempregados não querem ser empregues mais rapidamente, então não adianta ser uma empresa privada a tratar do assunto.

Assim, a solução só será relevante se o desempregado estiver genuinamente interessado em sair da situação em que está, e nesse caso é preciso perceber porque a entidade privada será mais eficiente que o IEFP.

Ou seja, onde está a falha de mercado que justifica uma intervenção pública de apoio a que entidades privadas desenvolvam esta actividade?

Também a proposta de novo incentivo às empresas que contratem desempregados (receber o que falta de apoio à situação de desemprego a ser pago pelo Estado) faz com que o custo do episódio de desemprego seja sempre assumido completamente pelo Estado, e assume que a principal barreira a que se encontrem colocações para desempregados está nas empresas e não nas decisões do desempregado. A questão que se coloca é como poderá este novo sistema de incentivo ser eventualmente abusado pelas empresas, e se haverá formas de obter o mesmo resultado de incentivo sem ter que assumir custos tão elevados por parte do Estado. Certamente é uma proposta a merecer discussão.

Por fim, a proposta de “reforçar a prioridade de estimular a colocação de desempregados nas empresas que prestam serviços contratualizados com o Estado”. Porquê? Qual o custo de distorcer as decisões de emprego das empresas privadas? Noutros lados do guião fala-se em simplificar a vida das empresas, mas depois quer-se influir nas suas políticas de contratação. Isto ainda antes de se fazer a reflexão de como verificar esta política. Não haverá aqui uma necessidade de monitorização que não será possível de cumprir na prática, ou que terá custos elevados de ser feita? E mesmo que seja feita, se aumentar os custos das empresas, estas irão reflectir esse aumento de custos nos preços que praticam ou então ficam em desvantagem competitiva face às que não trabalham com o Estado. E será modulado de acordo com o nível de vendas? E ajustado para o nível de utilização de trabalho humano no sector que fornece o serviço ao Estado, pois não será o mesmo contratar mais uma pessoa numa empresa com poucos empregados por estar fortemente automatizada ou numa empresa que tem pouco equipamento e baseia-se sobretudo em trabalho humano?


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Guião da reforma do Estado (23)

Sobre as diversas prestações sociais, a simplificação dos apoios existentes é provavelmente necessário, tal como revisitar os mecanismos de atribuição e as possibilidades de abuso e fraude que existem.

No seguimento deste aspecto, não entendo completamente o alcance da referência à economia social.  Qual é o aspecto de vantagem que lhe está associada, que não existe de outra forma e que justifica a intervenção pública através desta forma? (sim, são as minhas perguntas habituais desde o início desta discussão; questionar o que é apresentado como verdade absoluta, para que haja conforto colectivo com a decisão).


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Guião da reforma do Estado (22)

Tempo de retomar a leitura comentada do guião da reforma do Estado (ainda alguém se lembra dele?)

Na área da segurança social, há muitas ideias ao mesmo tempo; uma vez mais sem grande preocupação de distinção entre o que é conceptual e o que é operacional. Entre o que é função do Estado (e porquê) e o que é operacionalização da função do Estado.

a)    Misericórdias – entra na componente de operacionalização, mas aparenta partir de uma premissa que necessita de evidência – com tantas Misericórdias espalhadas pelo país, a sua capacidade de gestão será certamente desigual, e estatisticamente falando seria uma grande surpresa se todas fosse muito eficientes e isenta de problemas. A opção pelas Misericórdias é ideológica ou baseada em evidência; será feita de qualquer forma ou exige uma demonstração da capacidade de fazer melhor que o sector público?

b)   Qual o papel de cada tipo de intervenção social que é desejada e qual a sua justificação? Redistribuição? Riscos que a actividade privada não consegue cobrir? Falhas de mercado associadas com percepções de risco e capacidade de planear o futuro por parte dos cidadãos?

A importância de responder a estas questões deverá ser clara. A componente de redistribuição nunca poder ser de capitalização, pois envolve transferências entre agentes económicos (poderá colocar-se a transferência num sistema de capitalização, mas depois de realizada a redistribuição). Há uma necessidade de clarificação de conceitos.

Há também a distinção crucial de saber se os elementos de seguro são entre agentes no mesmo momento do tempo, em que os afectados adversamente recebem uma transferência dos que não são, isto é, mecanismos de seguro tradicionais, ou se há uma visão de seguro intertemporal dentro dos rendimentos presentes e futuros da mesma pessoa. Este aspecto influenciará a forma de ver o apoio em situação de desemprego por exemplo.

c)    Sobre as pensões em concreto, há que ter a noção de que é um problema económico de repartição da riqueza produzida em cada momento e não é apenas uma questão financeira. A forma financeira de montar a pensão pode ter alguma influência sobre o crescimento económico (ou pelo menos essa é uma questão debatida, mas sem evidência totalmente conclusiva), mas redução do crescimento económico afecta as pensões quer se esteja num sistema de capitalização ou de repartição (pay-as-you-go). A resposta que o sistema dá é que é diferente.

Uma eventual reforma do sistema de segurança social é remetida para um futuro condicional a um crescimento (real?) do PIB de 2%. Mas enquanto esse valor não for atingido não será má ideia preparar-se a base de informação necessária e os princípios para fazer essa mudança.

Em vez de nomear uma Comissão de Reforma da Segurança Social (onde certamente irão figurar os “suspeitos do costume”), porque não colocar a concurso internacional um projecto de reforma, da mesma forma quase como se faria um concurso de ideias para uma ponte, ou para uma qualquer outra obra de engenharia de grande dimensão. E contratem/nomeiem estes “especialistas e peritos de destacado mérito” para fazerem a avaliação e acompanhamento do projecto. Uma solução destas dará solidez técnica, escrutínio público e procurará captar o melhor talento internacional para discutir propostas de solução. Obriga também a que seja definido um caderno de encargos para reflexão, que poderia emanar de uma negociação em sede de Assembleia da República. Depois de ter os termos de referência, o projecto decorreria num nível técnico, regressando mais tarde à esfera da decisão política. As propostas alternativas não seriam resultantes de um processo político e sim técnico, e a decisão política seria depois baseada em trabalho técnico de qualidade.

Num outro plano, a proposta de plafonamento das pensões (pensão de valor fixo, e contribuições ajustadas de acordo com essa necessidade de financiamento; valores adicionais ficam à decisão privada, com ou sem obrigatoriedade de alguma poupança privada). De alguma forma avançar esta proposta parece ser um pouco contraditório com a proposta anterior, o que poderá ser resolvido incluindo estudar-se esta proposta dentro dos termos de referência do estudo global.

A proposta de plafonamento merece ser discutida e deve ser enquadrada nas características da população portuguesa. Como discuti a propósito do relatório do FMI, a capacidade financeira e de conhecimento para a população portuguesa fazer os investimentos financeiros para complementar esta mínimo de pensão pública terá de ser aumentada (ver aqui). Haverá também a necessidade de ter instrumentos de poupança diversificados e com diferentes níveis de remuneração, liquidez e risco, para que se possa satisfazer a procura que surgirá nos mercados financeiros. O trabalho de transição de um sistema para outro terá que ser bastante mais profundos, e até conjecturo que a sua definição dará mais trabalho do que a própria definição do sistema em si.


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sector farmacêutico e MoU

No passado dia 6 participei nas 35as. Jornadas de Economia da Saúde França , com o tema do impacto da austeridade / memorando de entendimento no sector do medicamento em Portugal. Fiquei a saber que muito do que cá se fez por lá se pensa vir a fazer, mesmo fora de um quadro de resgate financeiro das contas públicas. Na apresentação que fiz, recolhi e actualizei algum do acompanhamento que tenho vindo a fazer. Aqui fica a apresentação para conhecimento, comentários e sugestões que a permitam completar. Na apresentação propriamente dita referi rapidamente os valores agregados de poupança da despesa pública associados com o medicamento e sua comparação com a poupança global de despesa pública.

Se em França, e noutros países, quiserem avançar com algumas das medidas, será curioso ver como aproveitam, ou não, a experiência nacional.


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noticias diversas

Na semana que passou houve um par de boas notícias e um par de riscos directamente associados com essas mesmas noticias.

A primeira boa noticia foi a troca de dívida pública, que transferiu para mais à frente o reembolso da dívida pública que em vez de ter picos em 2014 e 2015 passou a ter em 2017 e 2018. Dado que 2014 e 2015 serão ainda anos de pouco crescimento económico, esta estratégia será vantajosa se 2017 e 2018 vierem a ser melhores. O risco subjacente é o que sucederá se afinal não forem, pois até houve um aumento dos juros a pagar (reflectindo o alongamento do prazo de pagamento). Esta operação vai obrigar também a uma gestão financeira cuidada para evitar problemas no futuro. Aposta na capacidade de a economia começar a crescer em breve e manter esse crescimento nos anos seguintes. Alivia alguma da preocupação com o financiamento dos próximos dois anos, o que deve ser entendido como um espaço para ganhar credibilidade para o futuro. A restrição na desapareceu, recebeu apenas um pequeno voto de confiança.

A outra boa noticia veio dos resultados de comparação internacional de testes no ensino secundário, em que a OCDE refere até Portugal como um bom exemplo de progresso (de progresso – ainda temos que progredir mais). No entanto, a posição nos rankings é menos importante que a evolução em valor absoluto (se os outros países baixarem o seu nível absoluto não há razão para ficar satisfeito com a mudança no ranking). E a este respeito o ano de 2012 foi pior que 2009 em “leitura” e “ciências”, manteve-se igual em “matemática”. Em qualquer caso, os resultados são melhores que em 2006. Apesar de ser globalmente positiva a avaliação de 2012 em comparação com a de 2009, há dois riscos: os resultados corresponderem a programas curriculares que procuram levar a melhorias no ranking apenas (e não é claro que seja sempre a melhor estratégica “trabalhar para o ranking”), mas até posso admitir que não tenha estado presente esse espirito, e, segundo risco, a instabilidade curricular e do corpo docente nos tempos mais próximos voltar a alterar esta situação. Apesar das cautelas, não deixa de ser positivo o resultado obtido nos testes de educação de comparação internacional.

(com imagem roubada ao “Economist”:)

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a avaliação da troika (8ª+9ª) – 3

Neste terceiro e último post sobre a avaliação 8+9 da troika, apenas algumas notas soltas de leitura, relacionadas com o sector da saúde:

a) sobre as receitas das taxas moderadoras, é referido que a receita ficou aquém do que estava estimado, mas que tal poderá estar associado com menor despesa global por menor uso dos serviços de urgência, nomeadamente em casos em que não se justifica esse uso. A este respeito não era dificil prever o resultado pois se houver realmente um papel moderador da procura exercido pelas taxas moderadoras, o efeito sobre a receita seria proporcionalmente menor que a variação percentual na taxa moderadora. Não se insiste na necessidade de uma receita que é apenas uma pequena parte do financiamento do sistema e que a verificar-se seria sinal de que as taxas moderadoras não estariam a exercer papel disciplinador de procura desnecessária e nesse caso dariam razão a quem pede que sejam abolidas.

b) para o consumo de medicamentos em meio hospitalar, é referido o valor de 930M€ em 2012, o que permite finalmente acalentar a esperança que o Infarmed publique os dados referentes ao mês de Dezembro de 2012, um buraco negro nos relatórios mensais de acompanhamento do mercado (pelo menos na consulta a 05 de Dezembro de 2013 ainda não estava disponível). Os 930M€ são depois da devolução, creio, pelo que o importante é conhecer o valor antes de devolução.

c) Quanto aos cuidados de saúde primários, são referidos os progressos na criação de novas USF, assegurar que toda a população tem acesso a um médico de família e que é implementado o registo electrónico. Mas não há metas quantitativas alcançadas ou a alcançar que sejam especificadas.

d) Relativamente aos hospitais, é mencionado que a reorganização deverá gerar poupanças de 400M€ no melhor cenário. E reorganização tem aqui o sentido de fusões, restruturações, encerramento ou redistribuição de departamentos. É provável que com um plano apresentado desta forma as resistências venham a ser elevadas e não será surpresa se as poupanças esperadas não se materializarem. A forma de apresentar estas mudanças será crucial para ganhar a participação dos principais intervenientes como aliados e não como adversários dessa mudança. A ver vamos.


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a avaliação da troika (8ª+9ª) – 2

Continuando nesta mais recente avaliação da troika, ainda antes de regressar ao guião da reforma do estado, na análise da execução orçamental realizada há uma referência ao crescimento das dívidas dos hospitais, que resultam em pagamentos em atraso. É dito (p.13) que os hospitais acumulam em dívida em atraso 34M€ por mês, o que compara com 75M€ por mês do ano anterior (2012, suponho eu). É referido que esta redução é importante mas insuficiente e que haverá uma missão de assistência técnica liderada pelo FMI no final do ano de 2013 para avaliar o cumprimento e funcionamento da lei dos compromissos em geral, e em particular nos hospitais do SNS.

Este problema da criação da dívida hospitalar é o principal risco nos ganhos de eficiência nos hospitais do SNS, pois permite uma “porta” de fuga para ineficiências de funcionamento que existam, e que num contexto de eventual subfinanciamento das instituições não permite distinguir entre ineficiência e necessidade. Apesar do tom optimista do relatório, a utilização de informação pública da APIFARMA quanto às dívidas aos seus associados por parte dos hospitais indica que o crescimento será de 32M€ por mês, e se adicionarmos outros fornecedores, farmacêuticas não incluídas na APIFARMA e/ou fornecedores de dispositivos médicos, por exemplo, o ritmo poderá ser perto dos 40M€ por mês. A parte mais interessante é que o ritmo de evolução antes e depois dos meses de regularização não aparenta ser diferente, ao contrário do que é dito no relatório da troika, pelo que é importante conhecer qual a fonte da série usada e o que está nela incluído.

A respeito das dívidas, é ainda mencionado o valor de 1900 milhões de euros de stock de dívida paga no final de 2013, e um stock de 500M€ de dívida ainda a ser regularizada. Dado que a estimativa em documentos oficiais e declarações reproduzidas na imprensa de responsáveis do Ministério da Saúde colocavam a dívida em 3000 a 3250 M€ no final de 2011, há cerca de 850M€ (3250 – 1900 – 500), ou no melhor do casos 600M€, que não estão incluídos nestas contas e que são um valor demasiado elevado para ter sido “perdoado” pelos credores (fornecedores do SNS). Se acrescentarmos nova dívida ao ritmo de 34M€ / mês (aceitando o valor do relatório de avaliação, que me parece subestimado como referi), em 24 meses são mais 816M€, o que no final de 2013 dará uma dívida total de 500M€ (a referida na avaliação) + 600 M€ (os que não encontro referidos, e que podem ser até 850M€) + 800 M€ (pelo menos, de nova dívida) = 1900 milhões € no final de 2013. Posso estar a fazer alguma conta errada, pelo que estas contas estão sujeitas a correcção.

Sobre o futuro próximo, o efeito “harmónio” das reduções salariais (as que são repostas por via das decisões do Tribunal Constitucional) irá colocar pressão sobre a despesa do SNS e sobre o stock de dívidas em atraso se as unidades do SNS preferirem não pagar a fornecedores a ter salários em atraso.

A solução apresentada pela troika é intensificar reformas em curso, nomeadamente compras centralizadas e a reforma hospitalar, bem como um novo acordo com a indústria farmacêutica para conter a despesa com medicamentos. Acordos que não alterem a dinâmica subjacente serão sempre um adiar. Há que procurar a criação de acordos de natureza diferente, que não se limitem a devolver despesa, e que mudem realmente a dinâmica de crescimento para valores comportáveis. Sobre compras centralizadas, a dúvida é quanto realmente se pode ainda ganhar, sabendo-se que a grande despesa dos hospitais é em primeiro lugar nos recursos humanos, e que a despesa com medicamentos ficará dentro do tal acordo sugerido.


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a avaliação da troika (8ª+9ª) – 1

estando agora a começar a próxima avaliação da troika do progresso do programa de ajustamento, foi disponibilizado o relatório da avaliação anterior que juntou as 8ª e 9ª avaliações (a 8ª não feita à conta da crise política que foi criada no final da Primavera/início do Verão de 2013).

Esta avaliação da troika começa com um aspecto positivo, a referência a uns primeiro sinais de recuperação económica e a consideração de que o programa de ajustamento está globalmente a ser aplicado.

Como sinal negativo, a desconfiança gerada pela crise política de Julho de 2013, da inteira responsabilidade interna do Governo e que por isso mesmo abalou a capacidade do Governo em continuar o processo de ajustamento num contexto de adversidade dado pelas decisões do Tribunal Constitucional. Isto é, para fora, é necessário voltar a convencer quem nos empresta dinheiro que continua a existir determinação em cumprir os compromissos assumidos. O problema está no efeito cumulativo dos dois eventos, não na actuação do Tribunal Constitucional, que concordando-se ou não com o sentido das suas decisões está a fazer o seu papel.

É ainda na parte pública que são feitas nesta avaliação outras considerações sobre os riscos existentes. A “reforma do Estado” implícita na avaliação é essencialmente uma reforma de funcionamento do Estado, não dos limites de actuação do Estado.  Os aspectos visados são: a) reforço da gestão financeira do Estado; b) melhoria da administração fiscal com reforço do combate à evasão fiscal; c) melhoria dos processos da administração pública; d) necessidade de estancar o sorvedouro de fundos que são as empresas pública (embora não seja dito desta forma); e) melhorar a eficiência do sector da saúde; e f) reduzir os custos das parcerias público – privadas.

Ou seja, não há aqui uma agenda além da melhoria do funcionamento do Estado – capacidade do Estado controlar e saber quanto gasta, recolher os impostos devidos e não impor custos excessivos à sociedade no que faz.

 

Sobre o sector da saúde, é útil ver o que a avaliação de progresso refere no Anexo 1.

1) implementação de medidas de contingência para a despesa pública com medicamentos, incluindo reduções administrativas de preços – avaliação da troika: em curso, indicando a troika o acordo estabelecido com a indústria farmacêutica para 2013 como sendo suficiente, não havendo necessidade de aplicação destas medidas. Comentário: Há aqui o afastar desta redução de preços, apesar de figurar na nova versão do Memorando de Entendimento. O acordo entre o Governo e a APIFARMA garante que o objectivo de despesa para 2013 é cumprido. Mas o risco para 2014 é a dinâmica de crescimento que foi contida artificialmente mas não alterada na sua raiz voltar em força, com um crescimento acelerado da despesa pública com medicamentos. Estando o objectivo de 2013 garantido, é necessário preparar o que se passará depois.

2) introduzir no sistema electrónico de prescrição um primeiro conjunto de orientações clínicas – avaliação da troika: está em curso, referindo-se que as autoridades estão a auditar e monitorizar. Comentário: Não havendo motivo para duvidar, será interessante saber se haverá alguma informação que venha a ser publicamente disponibilidade para se avaliar externamente este progresso.

3) produzir um relatório detalhado avaliando a legislação destinada a remover as barreiras à entrada de medicamentos genéricos – avaliação da troika: diz que foi observado, baseado na redução do número de casos em litígio (tribunal ou arbitragem) e entradas de novos medicamentos genéricos no mercado. Comentário: a medida mais “pura” não é fácil de observar e seria o número de casos de medicamentos que não entraram no mercado porque existem barreiras, mas pode-se pelo menos pensar que houve um progresso mesmo que não se tenha alcançado a situação ideal. Note-se que apenas reduzir o número de queixas pode ser apenas resultado de o mercado ser menos interessante para os genéricos depois das descidas de preços que houve nos últimos anos ou de um aumento dos custos de litigância face às margens que a actividade dá. Qualquer um destes factores também geraria o primeiro facto mas não o segundo.

4) ter um portal de internet com informação pública disponível – avaliação da troika: foi cumprido, estando o portal disponível em http://benchmarking.acss.min-saude.pt. Comentário: ok, feito e funcionar. É até interessante de explorar.

5) Definir os serviços a prestar pelos hospitais do SNS e ter planos estratégicos detalhados a 3 anos – avaliação da troika: em curso e parcialmente observado. Comentário: há documentos produzidos pela ACSS para ajudar os hospitais a criar os seus planos estratégicos. Será um processo moroso e o essencial é saber se os hospitais internariam no seu processo de decisão e planeamento esse instrumento. Tendo havido há pouco tempo a ideia de ter uma ordem dos administradores hospitalares, um primeiro passo para que se possa ficar convencido da utilidade desse organismo (e não estou pessoalmente convencido dessa utilidade) seria ter um documento avaliando a qualidade de gestão e administração hospitalar em Portugal, tratando quantitativamente e qualitativamente diferentes dimensões dessa gestão, por parte de quem defende a utilidade dessa Ordem.

6) Preparar relatórios anuais sobre pessoal no SNS – avaliação da troika: observado e em curso, referindo a entrega de um relatório a ser actualizado. Comentário: uns entregam, outros recebem, mas como não consegui encontrar o que possa ser esse relatório (provavelmente por falha minha na busca, admito), deixo como inconclusivo.

7) Finalizar a implementação do novo manual de procedimentos de controlo interno – avaliação da troika: adiado, estando em curso. Comentário: sem comentários, por puro desconhecimento meu.


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Guião da reforma do Estado (21)

A cultura é tratada na secção 3.10, neste campo nada mais me oferece comentar que as perguntas tradicionais: onde é que está a motivação para intervenção pública? Que alternativas existem? É uma visão de cultura como bem público (no sentido económico do termos de cada um dele poder beneficiar sem com isso retirar possibilidade dos outros também possam beneficiar), que deixado à iniciativa privada terá subprovisão? Pretende-se que haja capacidade de tornar esse conhecimento de cultura numa actividade económica? As expressões genéricas usadas não permitem retirar grande informação sobre o que se pretende realmente (ou então é a minha falha em entender o jargão da área).