pode-se gostar ou não gostar do António Nogueira Leite, não se lhe pode negar a coragem de falar o que pensa, e concordando-se ou não, reflectir sobre o que afirma na entrevista ao dinheirovivo.pt.
Não é uma entrevista política, nem tem as frases mais fortes que por vezes António Nogueira Leite (ANL) usa, e por isso, mesmo não nos distrai do essencial.
Dois pontos de destaque, para reflexão:
Primeiro, o papel da Caixa Geral de Depósitos no sistema financeiro português – ANL defende a sua manutenção como banco público, apesar da tradicional “permeabilidade às pessoas da política” que o banco tem. Mesmo que actualmente essa permeabilidade seja menor, como ele afirma e eu não tenho forma de confirmar ou infirmar, não há qualquer mecanismo conhecido que impeça essa permeabilidade de voltar, ou que simplesmente “ela” tenha adoptado outras formas menos visíveis. Havendo um banco de fomento (e concordo com ANL em que ainda sabemos pouco sobre o que é essa proposta e que papel vai ter), irá também nele colocar-se esta mesma questão. Curioso é a “permeabilidade” ser referida não como vindo dos “principais ministérios”, o que a coloca noutros níveis, talvez de projectos privados de quem está próximo do poder de decisão público? Na dúvida, e apesar de entender as vantagens atribuídas a ter-se um banco público, ter a CGD privada poderá ser uma melhor forma de defender o cidadão pequeno depositante, o cidadão contribuinte, o cidadão, o sistema bancário e a economia. A discutir com calma.
ps. fora deste contexto português, muito interessante o trabalho do New York Times sobre a tributação nos Estados Unidos, segundo os vários tipos de impostos (cortesia do facebook de Ricardo Reis)
Segundo, a reforma do Estado. Não se realiza em três meses. Não se pensa nem se faz tendo em mente poupanças orçamentais. Essas devem ser resultado de um objectivo mais vasto e da estruturação do Estado para servir o país num horizonte alargado. Deve ser o resultado de uma vontade colectiva, em que as vantagens e desvantagens das várias opções são analisadas. Não o fruto de uma corrida contra o tempo, mesmo que haja etapas intermédias temporais a cumprir. O ónus de conseguir fazer essa reforma, ou de preparar os seus princípios, pertence em primeiro lugar ao Governo, que tem de encontrar o equilíbrio entre celeridade (ficar paralisado nestas discussões é o mais fácil) e fazer de forma apressada. Mas também recai sobre a oposição política, na medida em que a atitude mais imediata e de vantagem política é a de bloquear sem alternativas, a defesa do status quo é sempre mais fácil, nomeadamente se em épocas de incerteza se acenar com dúvidas e mais incerteza. Os actores políticos devem ao país uma discussão séria, consequente e rápida (mas não entre três meses) sobre o assunto. Não sendo os problemas simples, terá de haver esclarecimento e não apenas combate político baseado na melhor frase do dia para a televisão, rádio ou jornal.