tendo sido convidado a participar na discussão do livro da Maria João Valente Rosa sobre envelhecimento, decidi preparar o improviso, que fica aqui para discussão de quem quiser.
Uma importante distinção é traçada no livro entre envelhecimento individual e envelhecimento colectivo. Além de cada um de nós viver mais, em média, do que os nossos avós, também se nasce menos. Não só vivemos mais, como haverá mais pessoas de idade avançada. Embora gostasse de ver se numa perspectiva a 100 anos a actual tendência voltará a mudar a forma das pirâmides etárias: actualmente de pirâmide a cogumelo e depois novamente a pirâmide mas com menos população.
Uma pergunta natural é saber se o envelhecimento é bom? Individualmente, claro que sim.
Socialmente, lança desafios diferentes dos que existiram no passado recente para a organização social.
Um dos aspectos centrais, focado no livro por outras palavras próximas, é evitar o desperdício da inactividade. Mas fazê-lo significa que a relação entre o idoso e a sociedade que o rodeia se modifique – não pode ser uma questão de aumentar administrativamente a idade da reforma. Tem que haver abertura de espirito para procurar outros mecanismos de organização da sociedade neste campo.
Mais uma pergunta usual: vai haver reformas garantidas?
A resposta é que tudo depende do que o país produzir em cada ano – as reformas pagas são uma repartição da riqueza que é gerada (qualquer que seja o mecanismo financeiro que lhe esteja subjacente); as reformas são promessas que talvez seja possível manter, ou não.
Os bloqueios identificados para uma nova forma de encarar o envelhecimento na sociedade resultado do significado social atribuído à idade, mas há também barreiras legais (como a idade de reforma obrigatória). Uma discussão a ter é precisamente que significado social a idade tem, como se pode mudar, ou se irá mudar por si, consoante o número de idosos aumenta.
A pressão “económica” do envelhecimento sobre a sociedade actual vem das reformas, em grande medida, como já referi acima, e da saúde. No caso da saúde, há algum cuidado a ter. Conforme refere a Maria João no livro, há “mais necessidades” mas a meu ver há sobretudo “diferentes necessidades”. Por exemplo, as doenças crónicas não transmissíveis, não têm uma necessidade tão frequente de cuidados de alta tecnologia hospitalar, e requerem sim mais cuidados de acompanhamento e auto-gestão da doença. Doenças como a demência serão de maior complexidade de gestão que operações cirúrgicas, mesmo que não sejam tão utilizadoras de recursos.
E que restrições de outra natureza podemos identificar? como conciliar jovens e seniores no mercado de trabalho? faz sentido “reformar cedo” para deixar emprego aos jovens? (há uma cadeia de substituição profissional que seja melhor do que um aumento da população activa a médio e longo prazo?)
A Maria João Valente Rosa defende um “modelo de interligação” – um modelo mais fluído de relações laborais – com interrupções da actividade se for caso disso, para entrar noutras carreiras e noutras áreas de interesse e actividade.
E neste campo avança com duas ideias chave:
– conhecimento como factor de competitividade
– meritocracia
O desafio fundamental lançado pelo livro: – “a população continuará a envelhecer e perceber que o problema da sociedade portuguesa não é o do envelhecimento da sua população mas antes o da incapacidade de pensarmos de forma diferente perante uma estrutura populacional que envelhece”
Este é um desafio que tem também de ser respondido pela população dita idosa, que não deve ficar à espera da solução que lhe seja apresentada pelo resto da sociedade (poderemos falar de empreendedorismo senior).
Significa que os mecanismos de protecção do Estado Social terão que vir a reflectir estas mudanças.
Por exemplo, se, como sugere a Maria João, for interrompida a actividade laboral para estudar e mudar de rumo profissional, como se processa o cálculo do período e do valor da reforma por idade? É possível antecipar algum desse valor/direito sobre o futuro para pagar esses estudos? em que moldes e limites?
Abandona-se completamente a lógica de repartição, em que os trabalhadores de hoje pagam as reformas dos trabalhadores de ontem (reformados de hoje), já que a distinção entre reformado e trabalhador poderá fazer muito menos sentido?
Teremos a capacidade de fazer evoluir as instituições das actuais sociedades de forma suave, ou são necessárias rupturas claras? tem que ser por intervenção normativa do Estado ou pode emergir naturalmente da sociedade?
Deve-se obrigar todos a mudar de regime, ou dar opções para que os cidadãos escolham?
É bom no final da leitura de um livro ter mais perguntas por responder do que ter as mesmas velhas respostas de sempre para as perguntas de sempre!