O programa do Governo contém dois blocos de medidas e/ou intenções relacionados com informação “melhorar a informação e o conhecimento do sistema de saúde” e “melhorar a transparência da informação em saúde”.
À semelhança de outros ponto do programa do Governo, a minha arrumação pessoal das medidas e intenções é distinta da adoptada. Desde logo parece-me útil separar instrumentos de objectivos.
Em instrumentos, temos:
– criação de um sistema de informação integrado (será desta que acontece? há mais de 10 anos que se fala da necessidade de um sistema informático a sério, mas normalmente é caro no momento inicial, e no contexto actual, pode-se ter dúvidas se sairá do papel).
– cartão (mais um?) e desenvolvimento do Registo de Saúde Electrónico (vai ter alguma relação com alguns dos cartões que já temos?)
– generalizar a prescrição electrónica de medicamentos e de meios de diagnóstico e terapêutica.
– desmaterialização crescente de todos os processos administrativos das entidades prestadoras de cuidados
Em objectivos, temos:
– informação de gestão para as unidades prestadoras de cuidados de saúde
– informação útil para a gestão do Serviço Nacional de Saúde
– informação útil para o cidadão
Caso o Governo consiga ser bem sucedido neste campo (e a dúvida é legítima, dados os diversos anúncios que foram sendo realizados nos últimos dez a quinze anos quanto a sistemas informáticos e transparência da informação), será produzido um “dilúvio” de informação que não deve ficar fechada e propriedade privada de um ou outro gabinete.
A tentação de o fazer será grande, para que se possa transmitir apenas as “boas notícias”, por um lado, mas também pela dificuldade que vai ser tratar de forma inteligente todo a informação que será gerada.
O que se vai fazer com a informação tem que ser pensado ao mesmo tempo que se tratam dos aspectos operacionais de gerar essa informação.
Quanto à transparência e informação ao cidadão, a leitura do parágrafo existente sugere que este último pouco ou nada beneficiará. Ao afirmar-se que ” a transparência na saúde enquadra-se no dever que o Estado assume de informar os cidadãos acerca dos serviços que prestam cuidados de saúde com qualidade e segurança, incluindo a prestação pública de contas, bem como de divulgação de informação simples, objectiva e descodificada”, o que se pretende? Deve-se ler que só será dada ao cidadão a informação que se acha que ele entende, ou seja, quase nenhuma, não vá o cidadão ter ideias de compreender ou analisar o sistema de saúde, e o serviço nacional de saúde em particular. Aliás, fornecer informação relevante é a melhor forma de promover a liberdade de escolha. Espero que nas decisões que venham a ser tomadas se tenha em conta a potencial contradição entre um objectivo geral de promover a liberdade de escolha e o pouco detalhe que é dado ao elemento fundamental para o cidadão fazer escolhas – informação.
No campo da produção de informação de gestão e sua utilização para de facto se gerir o sistema, devo dizer que me revejo mais no que a troika escreveu do que no programa do Governo. Transcrevendo directamente da “Tradução do Conteúdo do Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades da Política Económica”:
“3.57 Melhorar o sistema de monitorização da prescrição de medicamentos e meios de diagnóstico e pôr em prática uma avaliação sistemática de cada médico em termos de volume e valor (…). Será prestada periodicamente informação a cada médico sobre o processo (por trimestre, por exemplo), em particular sobre a prescrição os medicamentos mais caros e mais usados, com início no T4-2011. (…) Sanções e penalizações serão previstas e aplicadas no seguimento da avaliação [T3-2011].”
Diz que informação recolher, o que fazer com ela e que consequências deve ter. E calendariza quando tem de acontecer.
Neste contexto de transparência e informação ao cidadão, este também deveria ser informado dos resultados deste seguimento, mantendo-se naturalmente o anonimato quanto à identidade e localização dos médicos. A evidência pública de situações anómalas de prescrição é um dever de informação.
A análise da sua adequação tem que ser feita pelos pares, que detêm o conhecimento adequado para avaliar desvios excessivos. O conhecimento público da existência desses desvios obriga à sua análise, motiva a acção e pode mesmo exercer um efeito dissuasor de abuso do sistema.
Outro exemplo:
“3.75 Criar um sistema que permita a comparação do desempenho hospitalar (benchmarking) com base num conjunto abrangente de indicadores e elaborar relatórios anuais regulares, sendo o primeiro publicado no final de 2012. [T1-2012]”
O sistema tem que estar pronto no primeiro trimestre de 2012, para que os valores dos indicadores possam ser recolhidos ao longo do ano. Aqui, a solução mais natural será utilizar indicadores que já se encontram especificados nos contratos das parcerias público – privadas. Há várias boas razões para isso:
– tratar de forma igual todos os hospitais do Serviço Nacional de Saúde
– são indicadores úteis, de outro modo não teriam sido introduzidos nos contratos das parcerias
– são indicadores passíveis de ser calculados de forma regular, ou uma vez mais não teriam sido introduzidos nos contratos das parcerias
– permitem comparar todos os hospitais, já que a comparação com grupos de referência relevantes também é uma preocupação dos contratos das parcerias público privadas.
Gostar disto:
Gostar Carregando...