Embora os títulos dos trabalhos nos levem para os processos de inovação e o crescimento económico como gerado por essa inovação e não apenas crescimento económico resultante de acumulação de investimento, há lições mais profundas que resultam do trabalho que realizaram.
Estas lições são especialmente significativas no contexto mundial atual, uma vez que tocam em dois aspetos centrais dos últimos tempos: a inteligência artificial como tecnologia transformadora da atividade económica e as guerras tarifárias e tendências protecionistas nas políticas económicas.
De Joel Mokyr, a justificação da distinção com o prémio Nobel foca na distinção entre tipos de conhecimento, fazendo sobressair a importância de “fazer as coisas funcionar” e, num nível mais fundo do funcionamento das sociedades, na tolerância com a diferença e com encontrar mecanismos sociais que permitam a transição para o funcionamento com novas tecnologias, protegendo quem possa eventualmente perder nessa mudança. Os receios dos efeitos da revolução da inteligência artificial retomam receios passados de outras transformações tecnológicas.
Encontrar as mecanismos institucionais para fazer as mudanças, obter os ganhos e repartir esses benefícios na sociedade é certamente um assunto que irá estar presente da discussão pública e na intervenção pública. Implicitamente, há a defesa da liberdade e da tolerância como elementos de construção de mecanismos sociais para se aproveitarem as oportunidades tecnológicas.
De Philippe Aghion e de Peter Howitt, o grande assunto subjacente aos seus trabalhos é como o funcionamento das atividades económicas em contexto de mercado pode gerar crescimento económico sustentado, e de que forma a decisão pública pode contribuir para esse efeito. Dois elementos centrais resultam das análises destes dois autores. Sem grande surpresa, a dimensão do mercado é relevante – um maior mercado onde se possam comercializar e vender inovações é naturalmente um mercado que dá maior retorno ao investimento feito e como tal fomenta a inovação.
No contexto atual, fechar mercados através de tarifas mutuamente impostas entre grandes blocos económicos terá efeitos sobre a taxa de inovação. O funcionamento da economia de mercado como mecanismo descentralizado de ter inovação e crescimento sustentado está no centro dos modelos desenvolvidos, sendo que as políticas públicas devem procurar suportar esses esforços de inovação e não apenas a acumulação de investimento (equipamento). Até aqui, nada de particularmente novo ou surpreendente. Contudo, o trabalho de Aghion e Howitt também sugere que se deve procurar evitar extremos no funcionamento do mercado.
Empresas monopolistas tendem a ficar acomodadas à sua situação, e a terem menos inovação. A abertura ao comércio internacional é uma forma de evitar monopólios nacionais. Os sectores de atividade económica mais expostos ao ambiente internacional tendem a ser mais inovadores. E para pequenas economias, fechar ao exterior é uma forma de acabar com a inovação. Para Portugal significa que estar na União Europeia é essencial para que se possa ter crescimento económico (e melhores níveis de vida) baseado na inovação.
Por outro lado, demasiada concorrência entre empresas significa que não há lucros, ainda que temporários, para conseguir a remuneração do investimento em investigação, que depois gere inovação.
Ou seja, para se ter crescimento económico sustentado em inovação, é necessário ter um nível intermédio de concorrência. Daqui decorre que é necessário existirem mecanismos de apropriação dos ganhos de inovação, seja através de patentes ou de prémios, ou de outras formas que sejam criadas para que o investimento em investigação e em inovação seja recompensado.
Também do trabalho destes dois autores se retira a importância de ter boas instituições em várias áreas, de forma a mitigar efeitos negativos de transição entre tecnologias. A centralização da decisão económica pode limitar a inovação, mas é necessário atingir uma dimensão mínima de atividade para se conseguir ter inovação. Surge daqui um papel importante das políticas de defesa da concorrência, combinadas com maior integração de mercados. As políticas públicas têm de se adaptar à própria evolução da tecnologia e do que esta vai exigindo.
O trabalho dos laureados do Prémio Nobel de 2025 sugere, em termos de decisão pública, a necessidade de políticas que apoiem as transformações que a tecnologia implica, incluindo os mecanismos sociais que levem as sociedades a aceitar as mudanças associadas com as novas tecnologias.
Aproxima-se a data de entrega, na Assembleia da República, da proposta de Orçamento do Estado para 2026 (OE). E com ela começa o habitual período de notícias e debates sobre a forma como o Estado intervém no setor da saúde.
O primeiro foco de atenção recai, de forma inevitável, sobre o volume global de fundos atribuídos ao Serviço Nacional de Saúde (SNS). Em segundo plano, como ponto de interesse, surge o texto que enuncia as prioridades do Governo para o setor. No entanto, na última década, esta parte do documento tem evoluído para ter uma componente de crescente de exercício de autoelogio, em vez de uma reflexão crítica: sobre o que foi alcançado, o que ainda falta concretizar e quais devem ser os novos objetivos das políticas públicas na saúde.
A ausência de um verdadeiro “orçamento do SNS”
Falta-nos, desde sempre, um documento que possa ser visto como o Orçamento do SNS, isto é, um documento que esclareça que verbas são atribuídas a quem e com que objetivo de política pública. Naturalmente, garantir o funcionamento normal das entidades do SNS que prestam cuidados à população é uma função central e permanente.
É verdade que há a publicação uma nota explicativa após a divulgação da proposta do OE. Essa nota é útil, mas está longe de ser uma versão do que poderíamos chamar de orçamento do SNS.
Em 2017, o Conselho Nacional de Saúde produziu um mapa de fluxos financeiros no SNS, um instrumento de grande utilidade que permitiria acompanhar o debate orçamental, caso fosse atualizado anualmente. Mas apenas os organismos oficiais dispõem da informação necessária para o fazer.
O problema recorrente dos pagamentos em atraso
Como é habitual, multiplicar-se-ão comentários, estudos e análises sobre o tema. Aliás, o ritmo a que surgem documentos e notícias sobre o setor da saúde é elevado, e continuará a sê-lo muito provavelmente.
No caso do OE para 2026, tenho especial curiosidade em perceber como o Governo pretende lidar com o problema dos pagamentos em atraso no SNS, uma aliança perversa entre orçamentos insuficientes e problemas de gestão.
Apesar dos reforços orçamentais iniciais nos últimos anos, e das injeções financeiras extraordinárias a meio e no final do ano (algo que acontece praticamente desde que existem dados regulares), o problema mantém-se.
Em 2025, a “pacificação” da relação com os profissionais de saúde e o aumento da despesa associada a revisões e aumentos salariais serão, provavelmente, a justificação apresentada. Contudo, se assim for, a questão central permanece: por que razão essa despesa não foi já prevista no orçamento inicial? Perceber a origem desta persistência nos pagamentos em atraso é essencial para avaliar a proposta orçamental de 2026.
O ciclo que se repete
Os dados até agosto de 2025 mostram o padrão habitual: um reforço de verbas durante o verão, que reduz temporariamente o stock de pagamentos em atraso, mas cujo efeito desaparece rapidamente. É quase certo que haverá um novo reforço em novembro, de forma a apresentar, no final do ano, um valor politicamente aceitável.
Assim, repete-se a narrativa: “os pagamentos em atraso estão baixos”. Mas esta é apenas uma ilusão de fim de ano. O problema estrutural, a incapacidade de evitar a acumulação recorrente dessas dívidas, continua disfarçado.
Enquanto as questões de gestão que estão na base dessa situação não forem resolvidas, mais verbas para o SNS significarão apenas mais despesa, sem garantias de melhoria efetiva.
Os números mais recentes são claros. O gráfico habitual mostra a evolução dos pagamentos em atraso e o quadro resume a estimativa do seu crescimento médio mensal, isolando o efeito das transferências extraordinárias: para o ano de 2025, foi de cerca de 85 milhões de euros de acréscimo por mês.
Durante 2025, o ritmo de crescimento mensal dos pagamentos em atraso atingiu um dos valores mais elevados da última década e manteve-se assim durante mais tempo do que em anos anteriores.
Em resumo, as dificuldades de que tanto se fala em público têm uma tradução financeira evidente. Encontrar uma solução continua a ser uma necessidade. Infelizmente, continua também a escapar aos esforços do Ministério da Saúde.
O final do Verão não trouxe calma ao Serviço Nacional de Saúde(SNS), com os problemas de falta de médicos a terem grande visibilidade. O fecho do serviço de urgência no Hospital Garcia de Orta (Almada) por médicos prestadores de serviços contratados não terem aparecido foi o elemento mais marcante das duas últimas semanas.
Não conhecendo os detalhes da situação, o ter acontecido e a discussão de possíveis medidas de resposta gera a necessidade de reflexão sobre os fundamentos menos óbvios do atual contexto, e sobre as soluções.
É importante perceber que parte substancial dos problemas, tensões e “surpresas”, e até várias das posições que têm sido expressas, resultam de se estar na presença de um “choque” entre uma visão hierárquica do funcionamento do SNS e das suas organizações (a ideia de que tudo depende da vontade de um governante descer ao longo da “cadeia de comando” até ser executada) e um mercado descentralizado – a prestação de serviços médicos -, onde as decisões são tomadas de acordo com a vontade de cada médico, individualmente ou no quadro de uma empresa de prestação de serviços com que colabore.
Neste quadro, a tutela quer reduzir dependência e mudar regras de acesso ao trabalho à tarefa, até permitindo exceções remuneratórias para cobrir buracos críticos. A Ordem dos Médicos discorda da via restritiva e põe medidas para fixar profissionais; os sindicatos mantêm o foco na carreira. Os utentes querem previsibilidade — urgências abertas. Conseguir um consenso para o caminho a seguir requere em primeiro lugar que se tenha um entendimento sobre o que são os fundamentos do problema.
No caso do fecho da urgência no Hospital Garcia de Orta por falta dos médicos em prestação de serviços que eram esperados, poderá, ou não, ter havido concertação de decisões. Independentemente da resposta a essa pergunta, o quadro mais geral é o de se estar na presença de decisões que não diretamente controladas por qualquer hierarquia do SNS (seja do hospital, da Unidade Local de Saúde, da Direção-Executiva do SNS ou do Ministério da Saúde).
Para debater o que está em causa, é necessário relembrar alguns conceitos básicos, que ajudam na compreensão dos atuais problemas e na procura de soluções, incluindo regras que o Governo tem em análise, segundo o que circula na comunicação social. Facilmente poderão surgir resultados inesperados e divergentes da intenção de quem cria ou sugere essas medidas.
O primeiro conceito central é perceber porque existem organizações que estabelecem contratos de trabalho com os profissionais que nelas exercem atividade, por contraponto com todos os dias fazerem uma contratação do trabalho que é necessário para esse dia. Estamos tão habituados à existência de empresas e de instituições organizadas em torno de contratos de trabalho (sem termo) e de hierarquias internas a essas organizações que não questionamos o porquê da sua prevalência como unidades centrais na prestação de cuidados de saúde. Ora, creio que é simples perceber que que contratação dia-a-dia tem custos, sobretudo em termos de trabalho especializado. Não é apenas a previsibilidade para ambos os lados, trabalhador e entidade contratante, que está em causa. É também a capacidade de organizar funções, garantir continuidade de atividades, conhecimento e cultura da atividade desenvolvida (não ter de explicar todos os dias o que é preciso realizar), etc.
Contratar para trabalho pontual é útil quando se trata de dar resposta a necessidades inesperadas e momentâneas de atividade (momentos de elevada procura, ou de falha imprevista de capacidade de oferta) mas não quando se trata de satisfazer necessidades previstas, previsíveis e conhecidas.
Do ponto de vista de quem contrata, é melhor ter relações de longo prazo para dar resposta às necessidades de garantir atividades recorrentes, seja na prestação de cuidados de saúde seja em qualquer outro sector.
Do ponto de vista de quem é contratado, há naturalmente vantagens de previsibilidade e de segurança financeira nessas relações contratuais de longo prazo.
Assim, as atuais circunstâncias de recurso à prestação de serviços médicos com base em mecanismos de mercado imediato, isto é, contratação “à tarefa”, é uma disfuncionalidade no funcionamento do SNS.
E este tipo de disfuncionalidades resulta geralmente em menor capacidade assistencial (as falhas em assegurar urgências hospitalares abertas é elemento mais visível para a opinião pública, suspeito que não serão o único custo de funcionamento). Apesar de num dia ou numa semana particular esse recurso à prestação de serviços resolver a falha, o não ser ter o quadro de profissionais suficiente para a atividade normal a desenvolver aumenta a possibilidade de falhas ao longo do ano. Tem também mais custos financeiros para quem paga, e maior incerteza de rendimento para quem recebe. Leva também a maior frustração profissional para todas as pessoas envolvidas (incluindo doentes, médicos que trabalham como prestadores de serviços, médicos contratados permanentemente que têm de enquadrar no que fazem os que fazem prestação de serviços, gestores das unidades, dirigentes de topo do SNS).
Falta, em geral, conhecimento e informação sobre o lado da oferta (empresas e médicos prestadores de serviços). A reportagem de Rita Nunes (na revista Sábado) reporta informação obtido junto do lado da “oferta”, sobre as empresas, maiores ou simplesmente unipessoais, que atuam neste mercado de prestação de serviços médicos, incluindo a tentação de conluio (cartelização) que possam ter para fazer subir os preços (os valores pagos por estes serviços). É também uma boa ilustração de um velho ditado da área da economia da saúde, “a ineficiência do sistema de saúde é rendimento de alguém”, que naturalmente faz com que haja oposição a que se altere a situação.
Deste modo, para pensar em soluções, será útil usar o velho modelo de análise económico de procura e oferta num mercado (confesso, é hábito de economista) em vez de pensar apenas em formas legislativas, de publicação de restrições e regras que não são imunes às decisões individuais de aceitar contratos de trabalho ou de preferir manter uma atividade de prestação de serviços pontual, onde e quando for mais bem remunerada.
O quadro legal tem de induzir decisões individuais, tomadas em liberdade, o que gera a necessidade de antecipar comportamentos dos agentes económicos envolvidos. O desafio é como enquadrar as medidas propostas pelos vários intervenientes nesta lógica de procura e oferta.
Numa primeira abordagem, reduzir a procura de serviços médicos no mercado de contratação “à tarefa”, através da constituição de maior capacidade interna, fazendo com que só situações imprevistas de excesso de procura e de falta de resposta interna levem à participação nesse mercado, é o melhor caminho. O que significa recrutamento de médicos, conforme tem sido defendido por muitos intervenientes e comentadores.
Reduzir a oferta da prestação, através de (eventuais) proibições de participação na atividade de prestação de serviços, como aparentemente terá sido considerado, terá um de dois efeitos: ou os profissionais afetados vão procurar ser contratados pelo SNS, e reduz-se a necessidade (procura) no mercado de serviços médicos, ou optam por outra alternativa profissional. E neste último caso, a redução da oferta vai levar a um aumento dos valores praticados (ou falhas na prestação, com mais serviços encerrados). A primeira será certamente a opção preferida pela gestão do SNS. Não há é a certeza de ser esse o resultado (pelo menos com base no que se conhece sobre o funcionamento do mercado de prestação de serviços médicos).
A ideia de ser possível ao Ministério da Saíde determinar de forma completa o que é a procura e a oferta no mercado de serviços médicos é uma ilusão, dado que não se consegue forçar profissionais de saúde a trabalhar no SNS se estes não o quiserem fazer. E impedir de trabalhar para o SNS em algumas condições para “forçar” a que se queira ser contratado pelo SNS só resulta se ser contratado pelo SNS for melhor que as alternativas (que incluem trabalhar no sector privado, exercendo medicina ou não, emigrar num contexto de procura internacional de profissionais de saúde).
A redução da procura no mercado de prestação de serviços médicos deverá ser o foco da atuação da gestão do SNS, que se não o consegue fazer a nível da Unidade Local de Saúde terá de passar para o nível da Direção Executiva do SNS, e dada a visibilidade pública, logo política, do tema, acabará no Ministério da Saúde.
A principal lição os últimos anos é que as forças de mercado funcionam neste caso, e é melhor reconhecer que tal sucede do que pretender regular normativamente decisões livres do lado da oferta (trabalhar ou não no SNS).
As consequências de medidas que reduzam a oferta sem conseguirem reduzir a procura da prestação de serviços “à tarefa” acabam por ser ou um aumento do preço (o que é pago pelo SNS cresce) ou interrupção da prestação de serviços (fecho de urgências).
Como o quadro legal não é irrelevante, é então preciso identificar a melhor forma de modificar as regras atuais de modo a reduzir a procura de serviços médicos no mercado.
Vejo, no atual contexto, duas formas diferentes, que não são mutuamente exclusivas, de avançar.
A primeira, que tanto quanto se conhece publicamente estará em desenvolvimento, consiste em alterar processos de funcionamento. Isto é, atualizar a dimensão e a forma de funcionamento (tipologia) das equipas de urgência. É uma decisão técnica a ser tomada com base na melhor prática conhecida, atendendo ao que tem sido a evolução do conhecimento médico. Esta redefinição técnica poderá ser acompanhada por mecanismos de pagamento diferentes, modelos de remuneração de equipas e de pagamento aos prestadores de serviços, que internalizem nestes últimos os custos de falhas e a necessidade de substituição. A definição concreta do melhor modelo de pagamento depende de informação que não possuo, embora a Direção Executiva do SNS tenha a capacidade técnica e a informação (recolhida ou com possibilidades de recolher) necessárias.
A segunda forma, focando na gestão, também tem sido falada – ter a afetação de profissionais de saúde (médicos, sobretudo) a serviços de urgência gerida de forma regional, mesmo que seja preciso criar para o efeito uma nova entidade pública de prestação desse serviço, de forma que os profissionais de uma instituição (Unidade Local de Saúde) possam prestar serviço noutra. Ou, numa formulação mais geral, o contrato de vários profissionais de saúde seja estabelecido com uma organização cujo âmbito geográfico é mais amplo que a Unidade Local de Saúde. A criação de mecanismos organizacionais distintos para enquadrar a flexibilidade do local de trabalho é uma solução. Gerou polémica pública a notícia de poder vir a existir “mobilidade forçada” a Sul do Tejo (península de Setúbal). Se a partilha de profissionais de saúde entre várias Unidades Locais de Saúde na mesma região tem obstáculos formais, então há que formalizar de outra forma por via contratual, seja por os contratos passarem a prever essa mobilidade numa zona geográfica mais ampla do que uma ULS seja pela criação de uma entidade dentro do SNS que tenha a afiliação de profissionais com essa mobilidade a fazer parte da relação contratual (ou seja, os profissionais de saúde terem dupla afiliação, por exemplo). Há certamente soluções que é possível criar para ter a flexibilidade necessária de forma voluntária.
O recurso ao mercado de serviços médicos (procura) deve ser limitado a situações claras de picos de necessidade (maior procura, falta de capacidade por absentismo) e ter um orçamento trimestral publicado (acordado internamente no SNS, com a Direção-Executiva do SNS), para que a transparência de gestão seja efectiva. Os problemas não são simples, resultam de mais de uma década de acumulação de maus hábitos de gestão (macro) do SNS e de funcionamento. Qualquer solução que se pretenda duradoura terá de resolver as tensões de base e não apenas responder ao fecho eventual de um serviço neste ou naquele fim de semana. Qualquer solução terá de antecipar as reações de quem é afetado, terá de antecipar os comportamentos que serão mais prováveis de resposta à solução (e que facilmente serão diferentes face ao pretendido porque quem propõe a solução). Qualquer solução, na sua componente política, irá enfrentar oposição. Haverá a necessidade de encontrar mais aliados do que opositores. Ainda que as soluções encontradas e propostas sejam válidas, não é suficiente para que sejam colocadas em prática se o enquadramento legal e económico não estiver devidamente alinhado com as medidas e os prováveis comportamentos de ajustamento.
A investigação realizada por um meio de comunicação social sobre os pagamentos de produção adicional (pagamentos SIGIC – Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia) no serviço de dermatologia do Hospital (Unidade Local de Saúde) de Santa Maria foi importante. Apesar de terem passado várias semanas, não há ainda total clareza sobre o caso, nem é evidente que conclusões e lições se vão retirar.
A meu ver, há diversas “camadas” de questões destapadas por este caso, e a pressa de encontrar uma solução para o que possa ser visto como “o” problema poderá acabar por gerar a prazo outras complicações. Afinal, o que é “o” problema?
A ideia inicial que presidiu à criação do SIGIC era e é boa – evitar tempos excessivos de espera, através da utilização de capacidade livre onde estiver disponível, dentro do SNS. É colocar em prática o famoso “funcionar em rede” frequentemente falado, remunerando quem ajudar a solucionar o problema de tempos de espera excessivos. E foi criado há duas décadas.
Como nasce o SIGIC: teve como origem garantir acesso a intervenções onde havesse capacidade disponível, sendo que o hospital de origem não tinha capacidade de respeitar os tempos de resposta que se pretendiam / pretendem garantir.
A lógica inicial implicava a emissão de vale cirurgia pelo SNS quando se excede o tempo de espera pré-determinado, para que o doente possa ir a outro local. Esta é uma opção melhor do que programas especiais de recuperação de listas de espera, a medida de política mais popular antes da criação do SIGIC.
Assim, o ponto de partida era o de doentes de um hospital que não tivesse capacidade de resolver a respetiva situação no tempo máximo garantido teriam a oportunidade de ir a outro hospital, que seria então remunerado por essa atividade. Contudo, a dada altura, passou-se a permitir que os profissionais de saúde do próprio hospital passassem a poder fazer esta recuperação de listas de espera, criadas pela sua incapacidade de tratarem os doentes em atividade no período normal de funcionamento. Naturalmente, esta possibilidade cria incentivos perversos (isto é, contrários ao objetivo inicial de reduzir os tempos de espera, pois criar lista de espera e maiores tempo de espera na atividade normal leva a que seja necessário recuperar essa lista de espera por atividade adicional). Reconhecendo esta possibilidade, passou-se a requerer que a atividade em funcionamento normal tivesse uma relação com a atividade possível em recuperação de lista de espera. Contudo, as regras não especificam condições relacionadas com a complexidade dos casos. E mesmo assim torna recompensador aumentar a atividade em funcionamento normal mantendo sempre uma possibilidade de depois fazer atividade adicional. Além do que pode contribuir para desorganizar o próprio trabalho interno dos serviços (quem pode fazer atividade adicional? Como é distribuída?). E com o tempo o SIGIC fica transformado em fonte de rendimento adicional, quase vista como permanente. Em lugar de ser uma solução para o doente ser intervencionado a tempo e horas torna-se uma forma de remuneração para um hospital reter profissionais de saúde dando-lhes melhor remuneração, mesmo que implicitamente e mesmo que não seja assumido que está a ter esse papel.
No caso do SIGIC, o valor da intervenção (preço pago) é definido pela complexidade do caso. Dado que o preço está fixado, a forma de aumentar o que se recebe é dizer que a complexidade é elevada (dentro da margem possível), ou então artificialmente exagerar essa complexidade. Daqui decorre também a possibilidade de se definir o preço que se recebe se o mesmo médico estiver a codificar a complexidade e realizar as intervenções. Como provavelmente há sempre um certo grau de discricionariedade na avaliação dos casos, em caso de incerteza a tendência para classificar melhor estará presente e com o passar do tempo passa a prática habitual, sem ser questionada. É preciso mecanismos de controle interno, e auditorias (no sentido de regularmente verificar como se está a codificar, e procurar retificar e melhorar processos).
Estes problemas decorrem apenas da rotina e do não questionamento do que é feito, com pequenos ajustamentos sucessivos de funcionamento que individualmente poderão não ter efeito visível mas cumulativamente ao final de vários anos se tornam fonte de ineficiência.
Adicionalmente, e para casos extremos, deverá haver uma análise regular de possíveis situações de fraude – é possível e deve ser feita (existe/existia uma unidade anti-fraude) – mais do que auditoria quando há alerta. Prevenir a fraude, tendo mecanismos de deteção que sejam dissuasores deve ser parte do sistema global.
Assim, podemos ter simultaneamente falhas do sistema SIGIC, falhas da organização e falhas individuais envolvidas neste caso. Os inquéritos em curso deverão ser realizados de forma a separar o que é cada um destes elementos.
Onde identificar o que possa ter falhado,e que foi colocado em evidência?
1) O desenho global do SIGIC – falha do Serviço Nacional de Saúde, nomeadamente do Ministério da Saúde quando definiu, redefiniu e alterou as regras, ao longo do tempo.
2) A possibilidade de conflito de interesses na classificação – falha da organização, ao permitir que quem beneficia seja também quem defina o pagamento que recebe, mesmo que indiretamente.
3) Decisão individual, de aproveitar para gerar atividade para si próprio, racionalizando-a como necessária e com a definição de preço a receber via codificação da complexidade.
4) Controlo e monitorização com verificação automática de erros e de problemas de classificação, por parte da organização.
Qualquer solução futura que tenha o mesmo objetivo do SIGIC atual tem de a) incluir mecanismos automáticos de alerta, b) evitar conflitos de interesse – em concreto, considerar voltar ao início do sistema em que um hospital (Unidade Local de Saúde atualmente) não pode recuperar a sua própria lista de espera e também quando a atividade regular da unidade está abaixo do naturalmente esperado, perder orçamento ou mesmo fechar serviços, c) ter regras que reduzam as oportunidades de abuso, através de análise regular do funcionamento do sistema (com as atuais possibilidades de análise digital, tal poderá ser feito quase em tempo real), incluindo codificação de complexidade de casos e auditorias aleatórias.
Uma avaliação do funcionamento de duas décadas do SIGIC deve ser feita, estabelecendo claramente os efeitos que estiveram associados com as alterações de regras, ou com alterações que se tenham registado internamente aos hospitais. Esta avaliação do SIGIC tem que passar forçosamente por uma avaliação da produtividade de cada serviço em cada hospital, de como essa produtividade influenciou a atividade normal e a atividade adicional, incluindo como influenciou o trabalho das equipas envolvidas. É um trabalho que vai levar o seu tempo, mas sem o fazer creio ser complicado definir um novo sistema alternativo ao SIGIC.
Sendo os elevados tempos de espera para intervenção cirúrgica um problema, a utilização interna ao Serviço Nacional de Saúde usando capacidade onde estiver disponível em cada momento, e tendo um sistema de preços (pagamento adicional) envolvido, tem de ser pensada adequadamente, procurando-se perceber todos os efeitos que possa ter, mesmo os inesperados.
A Exigo promoveu e organizou há cerca de um mês uma conferência sobre os 10 anos do SiNATS – Sistema Nacional de Avaliação de Tecnologias de Saúde – com base em análise própria, colocada à discussão geral.
A Exigo fez um esforço meritório de perceber os efeitos do SiNATS, usando dados públicos apenas, permitindo total replicabilidade da análise (o que é um elemento importante da credibilidade do trabalho realizado).
Há um dificuldade metodológica base (usual): conseguir definir o que teria sucedido na ausência do SiNATS. A comparação antes/depois pode não ser suficiente, sobretudo na presença de tendências, que podem mudar ou não, e em que mesmo não se alterando levam a médias diferentes antes e depois da introdução do SiNATS.
O estudo considera 7 áreas de análise (corresponde aos 7 objetivos do SiNATS): ganhos em saúde, uso eficiente de recursos públicos, sustentabilidade financeira do SNS, reduzir desperdício, promover inovação relevante, promover equidade e monitorizar efetividade das tecnologias
As várias áreas cruzam-se, olhemos para o que a Exigo consegue tratar.
Sobre cada área:
Ganhos em saúde
Utilizam-se indicadores agregados: Esperança de vida – seria importante ter os anos antes do SiNATS, admitir a possibilidade de ter rendimentos marginais decrescentes, ter a possibilidade de a tendência se ter alterado, ou ser um salto num momento, ou até ter comparação com um país sem SiNATS. Estes elementos permitiriam dar mais conteúdo à análise.
É dificil argumentar que possa ter um efeito visível na série estatística, apesar da visão positiva que possa existir.
Como os efeitos sobre a mortalidade podem demorar a produzir-se, havendo também muitos outros canais de influência sobre a mortalidade, caso houvesse informação, a utilização de anos de vida ajustados pela incapacidade, para doentes de cada patologia associada com medicamentos introduzidos (ou em que tenha sido recusada a introdução) no âmbito do SNS, face ao que seria a decisão no sistema de aprovação que existiria na ausência do SiNATS, estaria mais perto de uma avaliação mais precisa. Contudo, há aqui demasiados “se” para que seja possível concretizar hoje em dia esta avaliação.
Sustentabilidade financeira do SNS
Seria adequado uma abordagem similar à descrita no ponto anterior, em procurar olhar para evolução de série estatística. Mas aqui o contexto antes/depois da criação do SiNATS é bastante diferente.
É expressa uma visão positiva baseada em estabilidade do rácio despesa em medicamentos face ao total da despesa pública.
Na lógica de perceber o contrafactual da decisão de criar o SiNATS, teria sido possível “estimar” para alguns casos a decisão de preços que teria ocorrido para o caso de novos medicamentos (inovadores ou não), na ausência do SiNATS?
No caso da despesa pública em saúde, quer no período pré- quer no período com SiNATS há demasiados eventos simultâneos, desde logo o período de resgate internacional de Portugal antes do SiNATS e a pandemia depois do SiNATS. Torna complicado extrair muita informação sobre o SiNATS a partir de séries agregadas de despesa em saúde.
Em qualquer caso, é dificil antecipar que o efeito da criação do SiNATS pudesse ser negativo, não sendo evidente qual o mecanismo pelo qual isso pudesse ter lugar.
Utilização de recursos públicos
Este objetivo poderia ser facilmente junto com a noção de desperdício.
O documento Exigo toma uma visão baseada no tempo médio de aprovação de decisões. Aqui teria sido útil condicionar de alguma forma no número de pedidos de decisão remetidos à CATS (tempo médio dependente do número de pedidos entrados).
Seria igualmente útil ter um elemento de qualidade da decisão, que só pudesse ser realizada com intensa utilização de recursos (tempo e pessoas), ainda que pudesse ser por amostragem (e não todas as decisões).
De um ponto de vista geral, com efeitos de aprendizagem, os processos associados ao SiNATS deveriam ter melhorado ao longo do tempo, com rotação dos peritos usados.
A eficiência do SiNATS é vista como sendo o resultado de uma “produção” face aos recursos usados para a produzir. Numa visão mais detalhada, é importante considerar efeitos de economias de escala e de economias de aprendizagem, bem como a qualidade das decisões.
Efetividade das tecnologias
Há uma abordagem baseada numa revisão sistemática da literatura.
Não há um esforço sistemático de sector público em perceber a efetividade das tecnologias aprovadas, como resultado dessa revisão sistemática da literatura. Esta conclusão é baseada no baixo volume de documentos que o processo de revisão sistemática da literatura produziu para análise. É um tema “desaparecido em combate”.
De um ponto de vista pessoal, conjecturo que não fosse diferente se não houvesse SiNATS. Dada a falta de recursos humanos para realizar esta monitorização, provavelmente não seriam redirecionados esforços para esta monitorização de outras áreas de atuação caso não estivesse em vigor o SiNATS (só sucederia caso o SiNATS absorva muito mais recursos do que um sistema alternativo que pudesse ser usado, o que podendo suceder não surge como plausível).
Reduzir o desperdício
Há decisões negativas justificadas e foram retirados do mercado produtos de baixo valor.
Ainda assim, há referência a um aumento do desperdício, com aprovação a preços elevados de medicamentos de baixo ou nenhum valor terapêutico acrescentado. O mesmo pode ser dito para dispositivos médicos.
A opção de análise da Exigo incidiu sobre a velocidade das decisões de financiamento público.
A conclusão é a de se observar uma maior velocidade antes do SiNATS. Mas a pergunta (a fazer neste contexto) é se na ausência do SiNATS teria sido diferente. Idealmente devia-se ter também em conta os recursos disponíveis para apoiar a decisão.
Do ponto de vista de pressão para a negociação, as pressões orçamentais não teriam sido diferentes se o SiNATS não tivesse sido criado.
A avaliação feita deve ser complementada com elementos adicionais, ou pelo menos referidos esses elementos, caso não estejam publicamente disponíveis.
Promover inovação relevante
Portugal é irrelevante para as linhas de inovação internacional.
Este objetivo é visto como acesso a inovação por parte dos doentes. Há um tempo mais rápido de decisão em caso de medicamentos inovadores, mas não é suficiente distinto (em termos estatísticos, indicando que a variabilidade é considerável).
Mas também se poderia olhar para ver se o preço é maior para medicamentos mais inovadores.
Continua a fazer falta a perspectiva de contrafactual adequado, face ao papel da EMA, que também se pode ter modificado ao longo do período.
A conclusão é que não houve grande diferença em termos de maior rapidez de aprovação de medicamentos inovadores depois da criação do SiNATS. Não é um resultado que surpreenda, e daí a importância de olhar para os preços.
Acesso equitativo
A equidade é vista entre grupos de medicamentos e dentro de cada grupo de medicamentos. É uma boa forma de identificar potenciais diferentes efeitos.
É usado um único indicador associado ao tempo de decisão.
Partilha os aspectos metodológicos já referidos anteriormente.
Seria interessante saber se houve grupos de doentes que ficaram de fora, falta de acesso, em consequência das decisões tomadas. Se tal não foi o caso, o tempo de acesso fica como a dimensão mais relevante a ser desenvolvida na análise.
Há uma conclusão global ambígua, amplificada pela ausência de uma análise contrafactual (que tipo de resultados teria gerado o processo usado em alternativa ao SiNATS?)
Das intervenções do painel, alguns aspectos que retive, sem ordem específica:
1 Destacada a importância da consistência dos dados para conhecer o real estado de saúde da população, antes e depois do SiNATS.
2 A possibilidade de usar comparação internacional para perceber as desigualdades de acesso a novos medicamentos entre países.
3 Tendo-se focado várias vezes no tempo de aprovação, há um elemento que seria bom conhecer – qual o tempo óptimo de decisão, dado que se tem de encontrar um equilíbrio entre uma decisão fundamentada e sem erros (requere mais tempo) e uma decisão que dê acesso mais rápido (requere menos tempo)? O “erro” de falhar no tempo de acesso não tempo o mesmo peso do “erro” de aprovar uma tecnologia que não o deveria ser. Não era algo a que estudo devesse responder. É uma ideia para discussão futura, de forma a enquadrar a avaliação dos tempos de decisão.
4 Parte do tempo de atraso no acesso em Portugal depende da decisão das companhias na submissão dos pedidos (que variam entre 1 semana e quase 2 anos, desde que o produto é aprovado pela EMA, segundo comentário feito no período de debate).
5 Como é usual, é referida a necessidade de recursos (mais contratações e disponibilidade de peritos), bem como problemas na informação submetida pelas empresas, havendo espaço para haver mais clareza quanto ao volume de informação adequado a fornecer para uma avaliação de novos medicamentos (e o tratamento dessa informação afeta naturalmente os tempos de decisão). Sendo “fácil” apelar a ter mais recursos, é preciso evitar que esse argumento substitua completamente a possibilidade de revisitar processos para os melhorar. Em geral, e não apenas neste contexto, ao longo do tempo vão-se adicionando “frições” (regras adicionais), muitas vezes justificadas pontualmente por problemas que foi preciso resolver, mas que com o pena se tornam penalizadoras e desnecessárias.
6 Sobre mecanismos de pagamento / reembolso dos novos medicamentos, há ainda muito espaço para melhoria. Sobretudo têm de ser pensados com cuidado, em termos do problema que procuram resolver e das infraestruturas de informação que são necessárias para os resolver. Por exemplo, em acordos de partilha de risco, com preço condicional a desempenho, está-se a querer resolver problemas de informação sobre a qualidade do produto? Com ou sem informação assimétrica (a empresa conhecer mais ou o mesmo que o pagador)? Ou é incerteza sobre o volume de procura, e o que se pretende é “segurança orçamental” do pagador? São dois problemas económicos distintos que podem pedir resposta diferentes.
7 Sobre eventual revisão do SiNATS, assusta-me sempre ter alterações casuísticas e pouco pensadas, apenas para dar resposta a pressão pública. O tempo de reflexão necessário para que haja pensamento e discussão não é compatível com o tempo mediático. Mas é necessário que exista esse tempo de pensamento para evitar alterações que tenham resultados inesperados e para que todos os efeitos possam ser antecipados e ponderados. Mesmo atendendo a que a discussão alargada que houve quando se criou o SiNATS gerou expectativas que depois a legislação produzida não refletiu, convém ver com atenção que novas expectativas e possibilidades se criam com uma revisão do SiNATS. Rever com calma (e rapidez compatível com ponderação) deverá ser o caminho dessa eventual revisão.
8 Sobre estruturas de dados, há que ultrapassar o ter estruturas de dados do século XX se queremos aproveitar plenamente as vantagens do espaço europeu de dados em saúde (e para isso é igualmente preciso ultrapassar a mentalidade medieval do “meu castelo de dados”).
9 É relevante estabelecer e agilizar mecanismos de avaliação de novos medicamentos em vida real. Os resultados podem ser substancialmente distintos do que sucede em ensaios clinicos (e não por causa da falta de qualidade dos ensaios clinicos, há muitos elementos que não devem estar nos ensaios clinicos para estes produzirem a informação que é necessária, e que depois influenciam a forma como se produzem efeitos na utilização real, basta pensar nas muitas combinações de doenças crónicas que as pessoas possam ter e/ou nos comportamentos individuais e a forma como eventualmente interferem na eficácia dos medicamentos). Essa informação de “vida real” será cada vez maior, e é preciso construir a forma de a utilizar de modo útil fazendo e melhorando. Há uma aprendizagem que só se consegue pela prática.
(imagem criada com recurso a IA, com base em fotografia)
A month ago, I had the pleasure to participate in a roundtable at the 3rd Health Economics Conference at Toulouse School of Economics. It as a pleasure to discuss with Tina Taube (EFPIA), Jean Tirole (TSE, CEPR) and Adrian Towse (OHE UK). Here is a summary of my participation:
Setting up the stage:
Pharmaceutical innovation is a global activity, with three major blocks competing with each other: US, Europe and China. Each block has a different ecosystem of innovation. Each block wants to attract investment and lead in innovation.
A quick characterisation, as I see it:
US: leader in early innovation stages (science, capital, regulatory flexibility, patient engagement), excellent integration between academia, biotech, and finance.
Europe: strong scientific base and regulatory credibility; more attention to patient rights, and equitable access (this can gain relevance when dealing with gene editing technologies, use of AI in drug discovery, setting targets for personalized medicine. Fragmentation remains its main weakness.
China: powerful in industrial scale-up, manufacturing, and state-led coordination. Strong state investments in biotech platforms and strategic autonomy. Limited scientific culture of open debate.
There is an increasing role of industrial policy to promote innovation in pharmaceutical markets, as reflected in the European Union initiatives and revision of legislation. Industrial policy interacts with reimbursement / financial protection policies.
There are several tensions to solve
A European pharmaceutical innovation policy has to solve simultaneously several tensions:
a) Multiple objetives: promote innovation “that matters” (focus on unmet needs), provide quick access to innovation while financially protecting patients, and affordability of health systems (in many countries, public payers face budget pressures)
b) Double fragmentation in policies – different policies are in place and national policies differ across border; there is a need to have a fair distribution of gains
c) What models to use to reward innovation – a balance between decentralized innovation – patent system, and centralized – based on unmet need identification and targeted invesment (push and pull, instruments include: subsidies, investment on fundamental research, advance purchase agreements, joint procurement for innovation, prizes)
d) Philosophical approach – address market failures as in Blanchard-Tirole report versus sovereigty of europe as in Draghi report, the proposal for a Critical Medicines Act seems to be closer to the Draghi report spirit, though sharing some of the principles of the Blanchard-Tirole report.
How to find a path for European innovation?
Policies need to take seriously the importance of measures that contribute to the cohesion of the European Union. A focus on supply chains with parts of the chain located in different regions (countries) and a geographically decentralized R&D of advanced therapy medicinal products – medicines for human use based on genes, tissues or cells- can help to share the gains.
Also a European policy needs to be … European – overcome fragmentation of policies and reaching critical size in efforts (no single country of the EU, on its own, can match the efforts of US or China)
The focus should be in eliminating fragmentation, which is different than centralization – take advantage of size versus wanting to direct everything.
The concentration in US and China have a different context in each country, so EU needs to follow a different strategy to create the “cement” for larger innovation hubs.
What means defragmenting?
Common set of rules – joint clinical assessment is feasible; equal prices is harder (countries may legitimately have different valuations of innovation)
Common pool of venture capital to fund development – Capital Markets Union, to help on “from idea to market”. Outside the pharma and the health sector, but quite relevant.
Common policies – pool funds to promote high risk – high reward contests (example of Warp Speed program in the US for covid-19 vaccines, with different technologies competiting and with competition within each technology)
Common policies – set the rules for use of data for research purposes
Common policies – on business environment, set harmonised legislation concerning corporate law and insolvency
Common policies – joint advance purchase agreements – not only provides some certainty to companies, it may also help to distribute the gains across countries (again, covid-19 vaccines were a good example, there was no country complaining).
Common policies – quicker decisions at EU level – the need for a reshaped governance model, with also decluttering bureaucracy (as advocated in the Draghi report). Good European governance (and trust) is also required for resilience in face of future health threats – the question, in my view, is not to have joint stockpiles (we do not know what and when will be needed), the question is quick decisions regarding the ability to mobilise resources (including production and distribution) that will become essential in an unforeseen health crisis.
Questions for which I would like to have an answer:
How is AI used in pharma R&D and can Europe leapfrog both US and China in this new field? Or, at least, close the innovation gap in advanced technologies, as stated in the Draghi report. AI developmens may go from the R&D (the molecule) to the consumer (the patient bedside).
How can Europe have a dynamic landscape for business, meaning, challengers surpassing incumbents? (how to avoid the trap of selecting national champions). A particular note on competition policy and the health sector: agencies shy away from intervention in the health sector – it is complex, full of national policies, very different health systems, and many ways in which the model of “demand and supply” works differently.
How to progress, a large number of small steps or a small number of large steps? (many small initiatives so that each country seems something in it, or a large effort, with redistribution of gains later on).
How to deal with geo-strategic uncertainties? Partnerships in tiers can be an option: EU, Norway, UK, Switzerland; then, Japan, South Korea, Canada, Australia (industrial and R&D partners in different geographic markets). Unsure of where to place the relationship with the US.
Playing with European strengths: some action points
1. Make EHDS work – set the standards for health data, start when a minimum feasible number of countries joins effectively the EHDS – allow for staggered participation. In the process, solve the legacy data inclusion for all countries (this should be a technical issue, do not leave it for country-level funding, take it as an economic public good, that will be under-funded if left to each country Is decision). Europe has a large and diverse health data ecosystem (rich population-level health data registries in Scandinavia, France, Germany, UK, Netherlands, Estonia). GDPR, despite its complexity, offers a privacy framework that, if properly managed, creates patient trust for secondary data use. This initiative shows the advantage of collaboration and shares the gains. All countries, all firms, small and large can benefit from it.
2. From the Critical Medicines Act, the use more sophisticated award criteria in public tenders must be done in clever ways: avoid ambiguities that may trigger fears (or claims) of protection of some players, acknowledge that some trade-offs between criteria may not be linear (as it is often included in the rules of tenders). a question is how to bring in the new considerations supply security on top of low cost – instead of adding more criteria in tendering, should we go for more competition also as a result of procurement procedures? Play with asymmetric lots, ensure that more bidders than lots exist. Use economic theory to help design of new public procurement procedures.
3. A question that is not asked in reports which I find relevant in the health sector, and therefore relevant in pharma, is how local innovation ecosystems can contribute and participate in larger innovation ecosystems, My point is that generation of ideas and research opportunities can be identified at local level, and use local conditions as test beds, and then, when proving its worth, move the stage to the European level to grow. Going for hardcore manufacturing (perhaps too much for my taste): set an European Manufacturing Accelerator for Biopharmaceuticals (EMAB) – build large-scale EU investment in advanced manufacturing capabilities, that can provide scale to processes and ideas developed at smaller units around Europe, with a focus on biologics, Active Pharmaceutical Ingridients, cell & gene therapies – manufacturing that is highly skilled and capital intensive; set an affiliation mechanism to allow use of it; fund with EU public money, matching private funds (?) and have a system of repayment of use by successful cases. Use economics to set the governance principles and to get the public investment repaid.
4. One of the European strong points is education and training. Use it for patient expert integration into research, an underutilized resource. Patient experts are trained individuals with lived experience of disease. Patient experts can contribute with crucial insights at multiple stages of the pharma innovation cycle: priority setting, trials design, and early R&D screening. Create an European Patient Expert Academy (EPEA) for professional training and certification (discuss whether it is needed to formalize training, ethics standards, and quality control for patient involvement). Recognise that timings of patient participation are different according to conditions (chronic vs high mortality in short periods, Parkinson and variations vs pancreatic cancer) . Move away from just supporting patient organisations, bring professionalism to the activity while retaining the motivation that patients (and people close to them) have. Require patient involvement in EU-funded R&D projects and public-private partnerships. Build independent capacity of patient organizations with stable EU funding and avoid fragmentation by national borders. The US are already ahead on this, but in an unstructured way. There is the opportunity to leapfrog. Rationale: take the mission-oriented approach. Patients can bring “demand-side” signals, by active involvement in the definition of priorities, also gives more legitimacy to use of public funds for R&D, can avoid “me-too” innovation.
5. EU joint procurement for innovation addressing unmet needs that are consensual with “coalitions of the willing” (do not try to include everyone). May include advance purchase agreements. The procurement for innovation acts as launch customers by purchasing in goods or services that are new to the market, and address isues not taken up by decentralized innovation efforts. Learn from the Mellody project (platform in the context of European Innovative Medicines Initiative – creation of a global federated model for drug discovery without sharing the confidential data sets of the individual partners, It brought together 10 major pharmaceutical companies, academic institutions, and tech partners to collaboratively train predictive models on over 2.6 billion confidential data points without sharing proprietary datasets). Learn from value-based procurement initiatives (example: the Catalonia’s medtech experiences). There are already intentions for joint procurement (with variable number of countries). Just take one step further, to include procurement of innovation.
Main principles to adopt:
Industrial policy initiatives should be designed to correct market failures
There should be efficient design of public-private incentives
We should see patient expert integration in research as efficiency-enhancing, as a contribution for more relevant outcomes to be used, as a way to define governance for coherence and legitimacy (this should have international coordination, at EU level at least).
From the roundtable discussion
It was consensual that the European market needs to remain competitive in the globe, with future investments also coming to Europe. For this, the European pharmaceutical strategy needs to have a new impetus, which implies the need to have a new governance model or then using with flexibility what exists. The key point is to modernize and accelerate decisions.
On the access issue (earliest possible access of patients to new therapeutic options), the definition of access prices needs to avoid the “one-size-fits-all” approach.
Globally, Europe should act as an effective purchaser, which is hard as there is no such thing as a EU health system, and it is not going to exist, as different preferences, different traditions, and diverse ability to pay across countries will render very difficult (impossible?) to create a EU health system.
The access to market should not be seen as the formal ability to pay but rather as patients using the available products, which will likely need price differentiation across countries. Forcing price convergence of list prices will likely have less innovation and less access. Thus, confidential discounts are needed (ora similar process to generate price differentiation), which clashes with calls for “price transparency”.
The European Health Data Space (EHDS) is crucial to keep European attractiveness for investment and introduction of products, and should be at the center of European strategies. Thus, industrial policy aimed at pharmaceutical innovation in Europe has several lines of development to pursue.
O primeiro comentário ao documento “Evolução do desempenho do Serviço Nacional de Saúde em 2024” é reconhecer a relevância do Conselho das Finanças Públicas (CFP) fazer periodicamente uma apreciação do funcionamento do SNS, e colocar publicamente disponível essa apreciação. Permite-se desta forma a sua discussão, que deveria ir além das notícias do dia.
O sector da saúde não tem falta de escrutínio, seja a partir de entidades oficiais seja a partir de entidades e associações resultantes da organização da sociedade civil.
Um exercício interessante, que deixo para futuro, é a realização de uma agregação dos contributos dos vários relatórios, estudos e documentos que são produzidos sobre o SNS e sobre o sistema de saúde num ano, para criar uma fotografia consolidada. Cada um desses documentos acaba por ter um ângulo próprio e a sua junção dará uma visão mais completa.
O relatório do CFP incide sobre a execução orçamental, e como tal, mesmo que implicitamente, sobre as implicações que essa execução orçamental do SNS tem para o conjunto das contas públicas (afinal, o objeto principal de atenção do CFP).
É nesta linha que deve ser lido o relatório do CFP, bem como a “lista de compras” de assuntos para futuros relatórios do que julgo ser útil vir a incluir.
O Serviço Nacional de Saúde tem dois lados distintos: o lado da proteção financeira dada contra a incerteza das despesas em cuidados de saúde que uma pessoa possa vir a necessitar (função seguradora, que terá de financiar despesas de saúde) e o lado de prestação de cuidados de saúde, em que através da operação direta de unidades de prestação de cuidados de saúde procura assegurar que há acesso aos cuidados de saúde necessários, implicitamente assegurando também a função de proteção financeira quando estabelece um acesso às suas unidades sem custos ou a custos reduzidos para os cidadãos.
O ponto de partida da análise do CFP é sobre este segundo elemento – o SNS enquanto entidade que tem uma rede própria de prestadores de cuidados de saúde. Daí o foco no movimento assistencial.
A minha primeira adição à “lista de compras” é a existência, no futuro, de uma secção dedicada à promoção da saúde, e por dois motivos. O primeiro será óbvio: o futuro da capacidade do SNS em conseguir assegurar o seu papel sem desequilibrar as contas públicas tem de se basear numa população mais saudável e com menos necessidades de recurso ao sistema de saúde. Ou seja, fazer menos em movimento assistencial porque não é preciso (e não por limitações de acesso). Ajudar a desfocar de “fazer mais é sempre melhor” ajuda a focar no objetivo central de “melhor saúde”.
O segundo motivo é que há muito de promoção da saúde e prevenção da doença que é feito pelos cuidados de saúde primários e não surge (nunca) nas estatísticas oficiais dessa forma.
O desafio ao CFP é o conseguir ter uma avaliação do que é a promoção da saúde e prevenção que considere tudo o que é feito, e não apenas o que é gasto em programas específicos. A minha conjetura é que existe uma subestimação importante do que é feito neste campo. E dado o seu contributo de longo prazo para a estabilidade das contas públicas na menor despesa do SNS, fará sentido receber atenção.
Destro das secções dedicadas aos cuidados de saúde primários, aos cuidados hospitalares e aos cuidados continuados, o relatório documenta o crescimento da atividade, em geral.
Os valores apresentados, sendo esperados de alguma forma transmitem uma visão globalmente positiva em 2024,
Ainda assim, gostaria de ter visto uma análise detalhada em dois pontos específicos. Nos cuidados de saúde primários, quais as consequências, de saúde da população e de despesa global, da falta de médicos de família para um seguimento regular dos residentes em Portugal.
Nos cuidados hospitalares, as consequências financeiras da crescente atividade em SIGIC e suas eventuais externa cidades negativas para o funcionamento regular dos serviços hospitalares.
Nos cuidados continuados, a crescente necessidade de oferta deverá levar também a uma avaliação das tipologias de resposta, nomeadamente novas formas de acompanhar utentes na sua residência, com um maior número de tipos e gradações de apoio e acompanhamento.
Apenas na secção dedicada aos riscos assistenciais surge a referência aos pagamentos diretos das famílias, que são uma falta de proteção financeira em caso de necessidade. Ao ligar esses pagamentos diretos à falta de acesso ao SNS, implicitamente acerta-se que a única, ou a principal forma, de dar proteção financeira é através de acesso a prestação direta de cuidados de saúde pelo SNS. Essa premissa pode ser desafiada e colocar-se a questão de como assegurar proteção financeira quando o SNS não consegue dar acesso direto às unidades de prestação de cuidados de saúde em tempo adequado.
Ter uma secção dedicada à proteção financeira e às consequências para as contas públicas de diferentes formas de assegurar a proteção financeira da população face a despesas em cuidados de saúde que sejam necessários. é o segundo elemento da minha “lista de compras” para futuros relatórios do CFP.
O capítulo 2 trata da conta do SNS. Aqui, o relatório a CFP nota, e bem, a importância de vir a olhar para o balanço consolidado.
A análise da evolução da despesa corrente em saúde, em comparação internacional, sendo usual estar presente neste tipo de relatórios é, a meu ver, globalmente pouco informativa.
Por um lado, olhar para despesa sem olhar para os resultados, ou benefícios, dessa despesa é uma visão incompleta. Países podem gastar mais ou menos em cuidados de saúde consoante têm mais ou menos riqueza e consoante dão mais ou menos importância a esta área.
Mais interessante, a meu ver, será saber que resultados de saúde adicionais se conseguem por gastar mais.
É uma sugestão de análise complementar nesta secção.
E seria uma boa contribuição para o nosso conhecimento dado que os outros relatórios, estudos e documentos que vão sendo disponibilizados sobre o sistema de saúde português normalmente também não incluem essa análise.
Por outro lado, uma mesma evolução da despesa pública pode refletir realidades muito distintas consoante seja resultado de aumento de preços/custos, de aumento de atividade (quantidade, movimento assistencial) ou de variação da proteção financeira dada.
Esta decomposição surge explicitada quando se referem as despesas com pessoal e poderia ser mais generalizada, com um esforço de separar efeitos preço e efeitos volume noutras áreas de despesa pública.
Apresentar a decomposição da variação da despesa pública em saúde em termos da variação dessas três componentes é o terceiro ponto da minha “lista de compras”.
A evolução do saldo do SNS é preocupante pela falta de capacidade de previsão que revela (o orçamento aprovado previa um saldo nulo) ou falta de capacidade de controlo da despesa (e aqui volta a ser relevante a distinção anteriormente mencionada sobre que elementos estão subjacentes ao aumento da despesa pública).
Na sua análise, o CFP apresenta informação detalhada e útil para compreensão da estrutura das receitas do SNS.
Sendo certo que as unidades do SNS devem faturar e cobrar quando adequado, é necessário reconhecer que a esmagadora maioria das receitas (financiamento das unidades do SNS terá como origem o Orçamento do Estado, por definição do que é o SNS.
Aqui, adiciono a preocupação com situações de abuso na facilidade de acesso ao SNS que possam existir, eventualmente associadas ao que o relatório descreve como “aumento da proporção a utentes estrangeiros atendidos no SNS que não se encontram ao abrigo de nenhum tipo de protocolo”.
No campo das despesas, é de realçar a informação sobre o aumento das despesas com pessoal (+12,18 face a 2023), sendo resultado sobretudo de efeitos preço/custo (efeito volume de apenas +0,92)
As diferentes medidas do ano de 2024 foram importantes ao nível remuneratório.
De evidenciar também uma concentração do trabalho suplementar em poucas unidades (de grande dimensão e de grande diferenciação nas suas valências clínicas), o que deve motivar uma atenção a mecanismos que consigam reduzir o trabalho suplementar sem comprometer a atividade assistencial.
Além da despesa com pessoal, surge como relevante o aumento da despesa com medicamentos, novamente com a separação entre efeito preço e efeito volume ser relevante ser feita, bem como, em análises futuras, procurar-se compreender qual o valor desses aumentos de despesa (seja em melhor saúde para a populaça, seja em recuo de despesa que teria lugar noutros pontos do sistema de saúde e do SNS, quando se trata de despesa pública).
Como tem sido usual, a despesa de capital ficou aquém do orçamentado, compensando muito parcialmente o aumento não previsto da despesa corrente.
Na avaliação dos principais riscos orçamentais, a diversificação das fontes de financiamento do SNS não será possível nem provavelmente desejável no atual quadro de proteção financeira assegurada pelo SNS. Ao colocar o foco nas necessidades decorrentes do envelhecimento populacional, deixando de lado os elementos de evolução tecnológica, há um implícito destacar de efeitos volume (que são lentos no caso do envelhecimento) em detrimento de efeitos preço que são rápidos, fortes e mais suscetíveis de intervenção).
Não acompanho, pois, a preocupação com promover uma maior diversificação do financiamento do SNS. Sobretudo sem haver uma clara definição do que é e de como assegura a proteção financeira das Famílias de forma equitativa.
Acompanho a preocupação com o crescimento da despesa do SNS, devendo-te focar em melhorias na qualidade de gestão, introdução de inovação organizacional que leve a menor despesa para o mesmo movimento assistencial, estabelecimento de preços adequados nas aquisições (com destaque para os custos da inovação, medicamentos Incluídos, mas não exclusivamente) e deteção e eliminação de desperdícios e fraude.
Acompanho a Ideia sobre o papel das oportunidades geradas pela transição digital.
No capítulo 3, dedicada à dívida e aos prazos médios de pagamento, considero enganadora a imagem transmitida pelo Gráfico 19. Os valores dos pagamentos em atraso no final do ano transmitem uma imagem de controle da situação que não é real quanto à dinâmica subjacente.
O crescimento ao longo do ano, reduzido no final do ano por transferências extraordinárias, passa despercebido, e como tal continua-se a perpetuar as disfuncionalidades dos ciclos de crescimento da dívida e de pagamentos em atraso solucionados por “despejar” dinheiro no final do ano para este gráfico dar uma visão positiva. Todos os anos as Injeções de capital são muito significativas.
Para qualquer equipa de gestão numa unidade do SNS é mais “rentável” assegurar um bom lugar à mesa desta “injeção” de capital do que melhorar a sua gestão interna.
O último ponto da minha “lista de compras” é que num futuro relatório de CFP seja feita uma apreciação quantitativa cuidada de quanto este ciclo de divida – injeção de capital custa às contas públicas.
Nota final: apesar das minhas observações incidirem sobre pontos de melhoria do relatório, considero muito positivo este exercício regular de análise do CFP, e fico a aguardar pela versão de 2025, que talvez possa vir a satisfazer alguns dos pontos da minha “lista de compras”.
Tendo sido publicados os valores de pagamentos em atraso referentes a maio de 2025, pela Direção-Geral do Orçamento, o momento deve ser de preocupação. Há um acelerar importante do crescimento dos pagamentos em atraso, o que num prazo de 6 meses de uma transferência de verbas que praticamente permitiu levar a zero as dívidas e os pagamentos em atraso, e num contexto de crescimento do orçamento do SNS para 2025, não deixa de ser surpreendente.
A figura abaixo mostra como o último número corresponde a um salto muito claro nos pagamentos em atraso. Nos últimos anos, este incremento mensal ocorreu normalmente no final do ano, e imediatamente antes das transferências extraordinárias de final do ano. O facto de ocorrer a meio do ano, sem motivo aparente, sugere que a despesa das ULS (hospitais) não deve estar a ser acompanhada (consequência de se ter entrado em período eleitoral há uns meses?).
De qualquer modo, esta evolução coloca a necessidade de se exercer, desde já, um acompanhamento sério, por parte do Ministério da Saúde e do Ministério das Finanças, do que possa estar por detrás deste acelerar, perceber se será permanente e generalizado (ou concentrado em algumas poucas ULS). Pretender que tudo está bem, e os fundos do PRR servem para amortecer qualquer derrapagem orçamental, só levará a que “se bata contra a parede” mais à frente.
Como a esta despesa em franco crescimento não parece estar a corresponder uma melhoria dos serviços de saúde prestados pelo SNS, deve-se colocar a questão de saber se são apenas efeitos preço (fazer o mesmo ou menos a preços/custos mais elevados) ou se há também desperdício e intervenções de baixo valor e elevado custo a serem realizadas.
Faltando ainda vários meses para a habitual extraordinária transferência de verbas no final do ano, cabe ao Ministério das Finanças perguntar ao Ministério da Saúde o que justifica esta evolução, cabe ao Ministério da Saúde perguntar à gestão do SNS (ACSS e DE-SNS em articulação) o que justifica esta evolução, cabe às ULS explicarem à gestão do SNS o que se está a passar. De preferência, a tempo de haver alguma ação que não seja “despejar” mais dinheiro no final do ano como transferência extraordinária.
A publicação do programa do XXV Governo Constitucional vem trazer, como é usual, as linhas de pensamento de atuação do Ministério da Saúde para os próximos tempos. Também como é usual, o texto tem uma parte de auto-propaganda (seja para elogiar quando é um governo de continuidade partidária, seja para criticar quando há referência a governos de outros partidos). Não há ganho em comentar essa parte, pelo que é melhor concentrar a atenção em apenas aspectos de conteúdo programático. Aliás, o programa de governo apresenta metas que não são verdadeiramente metas em muitos casos, e onde seria útil ter uma calendarização (nem que fosse o mês e o ano em que espera serem alcançadas).
Como é reconhecido, continua-se num contexto global de mudança organizacional incompleta no Serviço Nacional de Saúde (SNS) – há falta de um fio condutor assumido e conhecido de forma que possa servir de orientação, independentemente de quem estiver à frente do Ministério da Saúde. A organização em Unidades Locais de Saúde, a criação da Direção-Executiva do SNS, a extinção das Administrações Regionais de Saúde, em sucessivas legislaturas que foram interrompidas, geraram uma “salada organizativa” na gestão de topo do SNS que é necessário clarificar, e que será um dos trabalhos do atual Ministério da Saúde, seja por decisão clara, seja por omissão, em que se verá na prática como as diferentes instituições se “articulam” (termos que permite ambiguidades quanto à responsabilidade de decisão e atuação).
As ideias, metas, medidas, ambições ganham em ser agrupadas por temas, pois várias delas estão claramente interligadas, e um tratamento conjunto é provavelmente mais útil.
Contexto macro:
A nível da governação global do sector da saúde, há a intenção de proceder à revisão da Lei de Bases da Saúde, e de criar uma Lei de Meios para o SNS. Não é claro o que constará em cada uma destas iniciativas, e se o tempo que demorará a negociar na Assembleia da República justificará as alterações que se conseguirá introduzir. No caso da Lei de Bases da Saúde, deverá ser identificado o que não se consegue fazer com a atual versão. O meu ceticismo sobre a utilidade da revisão decorre das décadas que a anterior lei de bases esteve em vigor, conseguindo enquadrar diferentes visões dos sucessivos governos, e de ter demorado vários anos a aprovar uma nova lei, sem que depois se visse em que contribuiu para uma melhor capacidade do sistema de saúde satisfazer as necessidades da população portuguesa.
A Lei de Meios para o SNS é uma ideia que no passado tinha sido apresentada (ver aqui), e que pretende dar previsibilidade ao orçamento do Serviço Nacional de Saúde. A sua utilidade prática irá depender da capacidade do SNS deixar de ter o problema dos pagamentos em atraso que tem sido recorrente, resultando em atribuição regular de verbas extraordinárias no final do ano. Sem resolver esse problema, não há forma de uma lei de meios do SNS conseguir ter um papel útil. A lei de meios se não previr mecanismos pelos quais se resolva situações de despesa acima do previsto não terá efeitos práticos. Na altura em que a proposta surgiu, a noção de o problema principal ser suborçamentação (atribuição de verbas que se sabia serem insuficientes para o movimento assistencial do SNS previsível para o ano) justificava pensar-se que uma lei de meios conseguiria resolver esse problema. Contudo, com os sucessivos reforços dos orçamentos iniciais do SNS nos últimos anos, e mesmo a eliminação dos pagamentos em atraso no final do ano (o que sucedeu por duas vezes nos últimos dez anos), não conseguiram evitar que a despesa continuasse a aumentar e a gerar pagamentos em atraso (sendo a atividade hospitalar o principal motor desse aumento). Assim, a lei de meios poderá ser um instrumento útil se conjugada com outros instrumentos (ou contendo ela própria os instrumentos) para fechar o ciclo de pagamentos em atraso – verbas extraordinárias. De outro modo, só irá adicionar mais um elemento à “salada organizacional” do SNS.
Ainda neste contexto macro coloca-se o Plano de Emergência e Transformação da Saúde. Ao final de um ano, e atendendo ao que foi o primeiro relatório de avaliação de progresso, faz sentido uma sua revisão, sem drama (não verifiquei se já existe um segundo relatório publicamente disponível).
No campo da saúde oral (acesso a dentistas, de uma forma simples), é referido um “novo programa nacional de saúde oral”, que nas medidas é desenvolvido como o alargamento do cheque dentista, e com alargamento para próteses a beneficiários do complemento solidário para idosos. Aqui, com ou sem digitalização, é claramente ficar aquém do que é desejável e do que é possível. É desanimador ver apenas uma filosofia de “cheques”, em lugar de construção de uma rede de saúde oral. É hoje claro que as tentativas do SNS desenvolver as suas capacidades na área da saúde oral têm ficado muito aquém do que deveriam. É também claro que existe uma capacidade privada que tem sido usada por camadas da população com rendimentos para o efeito, e que as famílias de menores rendimentos têm menor acesso a cuidados de saúde oral do que deveriam. Neste campo, tenho uma declaração de interesses a fazer: em 2016 procurei refletir como aproveitar a capacidade privada existente para criar melhor acesso no contexto do SNS (ver aqui, Cuidados de Saúde Oral – Universalização), em 2024 apoiei uma proposta de fazer uma experiência piloto para se ter uma abordagem mais orgânica, mais integrada, com base em capacidade de resolução do setor privado, mas também referenciação de situações e monitorização por parte do SNS (ver aqui, Saúde Oral Universal: há 45 anos à espera…). Também colaborei em ideias de como procurar identificar de forma simples, e com poucos custos, situações mais criticas e estabelecimento de prioridades em jovens (ver aqui, Low-cost and scalable machine learning model for identifying children and adolescents with poor oral health using survey data: An empirical study in Portugal, Susana Lavado et al.). Assentar a solução para um problema de acesso, que leva também a problemas de cobertura financeira e necessidades não satisfeitas, na ideia de cheques dentista será insuficiente, como tem sido até aqui. E mais uma vez, não será o investimento em equipamentos e consultórios com verbas do PRR que irão resolver esta situação (até porque a taxa de execução não tem sido propriamente animadora).
Gestão do Serviço Nacional de Saúde
Um dos elementos centrais que é apontado pelo Ministério da Saúde é a “necessidade de rever o modelo de gestão de recursos humanos na saúde”, preocupação completamente justificada, mesmo que no último ano tenha ocorrido uma certa pacificação nas relações laborais dentro do SNS (fruto das medidas que levaram a aumentos remuneratórios efetivos). O desenvolvimento desta ideia surge na secção dedicada às medidas, onde se tem como componente central a criação de um “plano de motivação dos profissionais”. É certamente desejável uma forma diferente do SNS se relacionar com os profissionais de saúde que nele trabalham, e de uma forma geral o que é apresentado é desejável. Contudo, há ainda necessidade de percorrer algum caminho de pensamento antes de ter concluído, aprovado e implementado esse plano.
É de saudar a abertura a falar com as Ordens Profissionais e associações representativas (oficialmente), que será uma condição necessária mas não suficiente. É importante ouvir também profissionais de saúde que não tenham funções de representação (ou melhor, que se representam apenas a si próprios), de diferentes gerações e experiências.
Parece-me que a construção deste plano tem uma perspetiva de longo prazo, pelo que deve ser com o consenso suficiente para ser realmente estruturante, deixando margens de flexibilidade para ajustar transformações sobre as quais ainda não há hoje um bom entendimento da sua extensão (em particular, em que medida as aplicações de inteligência artificial generativa poderão vir a alterar as funções e as competências exigidas às diferenças profissões de saúde, e se até virão a surgir novas profissões de saúde ligadas a esses desenvolvimentos tecnológicos).
Contudo, não se fala, nas medidas, em ideias concretas para a reorganização da forma de trabalho, que será relevante, com maior ou menos papel da inteligência artificial. Fala-se em “construir novos modelos de organização do trabalho”, e é possível ser desde já mais concreto.
Aqui, deixo a sugestão de ensaiar duas experiências piloto: a) a semana de 4 dias (que pode ser libertar 1 dia em cada 10, ou outra formulação) e b) USF tipo “outra letra”, adaptada a zonas de dispersão geográfica da população, usando metodologias de avaliação que envolvam um grupo de comparação onde não há alteração, para se perceber as vantagens e as desvantagens de novos modelos de organização. Central a qualquer um dos tipos de experiência é as ideias de reorganização deverem surgir da reflexão dos profissionais de saúde envolvidos sobre as formas de melhorar o que fazem. A propósito da semana de 4 dias, antes de qualquer reação imediata, sugiro a leitura dos trabalhos e relatórios de Pedro Gomes e Rita Fontinha, na realidade portuguesa. De uma forma simples, a ideia central é reorganizar a forma de trabalhar , ganhando eficiência e remunerando esses ganhos de eficiência com tempo livre. Não é uma questão de comprimir o mesmo horário de trabalho em menos dias. É uma questão de fazer melhor, e deixar que a remuneração possa ser paga em tempo, o que ajuda ao objetivo cada vez mais mencionado de equilibrar vida profissional e vida pessoal. (nota “nerd” – de um ponto de vista de análise económica é atuar sobre a restrição que possa ser mais importante, dando à pessoa / trabalhador / profissional um conjunto de escolhas mais amplo – se preferir usar o tempo livre ganho para obter mais rendimento, poderá fazê-lo, mas não é obrigado a fazê-lo).
É expressa uma preocupação com os sistemas de informação, perfeitamente justificada e que deverá dar lugar a uma ação decidida (e não são as verbas do PRR que irão resolver essas fragilidades). Aqui cabe também a criação de um modelo de gestão de dados em saúde (o que faz sentido), e suponho que envolva a participação no espaço europeu de dados em saúde, e abranja quer o setor público quer o setor privado, na totalidade do sistema de saúde português. Claro que este modelo de gestão não pode ser pensado de forma separada do registo eletrónico de saúde único (mais uma velha aspiração para o sistema de saúde português). E será que estas tarefas serão feitas por uma anunciada Agência Digital da Saúde/Agência Nacional Digital na Saúde (estão presentes os dois termos, suponho que sejam a mesma entidade, será uma evolução da SPMS, aparentemente, ou é algo completamente novo? A preocupação com a “salada organizacional” volta a surgir). O que surge nas metas é de alguma forma completado pelas medidas. No entanto, sinto falta de dois elementos centrais: uma estratégia para a inteligência artificial na saúde, e a referência à União Europeia. Não é possível pensar em transformação digital na saúde sem pensar em termos europeus, seja pelo desenvolvimento de tecnologia, seja pelo estabelecimento de standards técnicos, seja pela participação no espaço europeu de dados em saúde (para gestão do sistema de saúde e para investigação), seja pela segurança e condições de uso dos dados gerados pela digitalização em saúde.
Encontra-se uma referência quanto ao uso de um sistema de contabilidade de custos, que tem um roteiro definido, que implica um compromisso de topo, das várias organizações do Ministério da Saúde (ACSS, SPMS e DE-SNS), no entanto apenas a ACSS parece realmente comprometida. No ano passado, definiram-se várias recomendações (disponíveis aqui). O primeiro passo será garantir que estas recomendações (ou outras que as substituam) são cumpridas. Ou num próximo programa de governo haverá novamente esta preocupação (que já tem duas décadas de intenção, pelo menos, e nem mesmo no período da troika se conseguiu avançar de forma significativa). Agora pretende-se que esteja aplicado em todos os hospitais (suponho que queiram dizer Unidades Locais de Saúde, pois não fará sentido ter um sistema da contabilidade de custos no hospital e não ter ou ter outro diferente nas unidades de cuidados de saúde primários da mesma Unidade Local de Saúde.
É mantida a intenção de lançar novas Parcerias Público-Privadas (PPP). Creio que será a continuação do processo já iniciado, pelo que remeto para textos anteriores com os meus comentários sobre o que se vai sabendo.
É anunciada uma unidade de combate à fraude no SNS. É bom que exista, e que use todas as ferramentas de dados atualmente disponíveis. A sua existência será um fator dissuasor da fraude. Aliás, creio que no passado já existiu.
Em termos de mecanismos de pagamento a prestadores de cuidados de saúde do SNS, é dito “transformar o financiamento em saúde com base no modelo de saúde baseada no valor (“value-based healthcare”).” Ora, aqui será importante perceber em que prazo se pretende concretizar, e sobretudo saber como serão respondidas duas questões centrais: a) como será medido o “valor” de forma que seja apropriada para fazer parte de um mecanismo de pagamento; b) o que será feito com as unidades de saúde que não produzam “valor” suficiente para que os pagamentos recebidos sejam suficientes para cobrir os seus custos? Se recebem verbas adicionais, pagar de acordo com o valor ou de acordo com a despesa tida será exatamente a mesma coisa (do mesmo modo que o atual modelo de pagamento por orçamento global é subvertido pelos reforços extraordinários de verbas. Claro que esta intenção tem de ser pensada em conjunto com a Lei de Meios da Saúde que é anunciada noutro ponto do programa do governo. Ao mesmo tempo pretende-se voltar a reorganizar o SNS em sistemas locais de saúde, “com a participação de entidades públicas, privadas e sociais” (sociais são entidades privadas sem fins lucrativos, isto é, são entidades que também precisam de ver assegurada a sua sobrevivência financeira, pagas por verbas públicas sempre que prestarem serviços ao setor público, não são entidades que tragam verbas para o funcionamento do setor público). Ou seja, vão-se estabelecer novas regras de pagamento e ao mesmo tempo aumentar o número de entidades com essas novas regras (mecanismos de pagamento) vão ser aplicadas? Não deixa de ser um programa ambicioso, embora a tradição portuguesa neste campo sugira que não será concretizado.
Promover a saúde e a prevenção da doença
Neste campo, a intenção de envolver o sistema educativo (pressuponho que público e privado), as Misericórdias e as IPSS, as farmácias comunitárias é desejável. A necessidade de coordenação de muitas entidades diferentes, que podem contribuir de formas distintas e complementares, deverá receber atenção especial. Será desejável que haja um organismo que tenha esta responsabilidade, e os poderes executivos para a concretizar. Desejavelmente, deverá ser uma entidade já existente (não adicionemos mais coisas à “salada organizacional” atual). Tem é de ser claro. Provavelmente a melhor escolha será a Direção-Geral de Saúde, desde que dotada do poder de decisão necessário (e não ficar apenas mencionada a propósito dos comportamentos aditivos associados aos jogos de azar, que são uma preocupação crescente).
Cuidados de saúde primários
Há o reafirmar do princípio geralmente reconhecido, incluindo na esmagadora maioria do espectro partidário presente na Assembleia ad República, de “valorização da Medicina Geral e Familiar”, que se traduz no objetivo de conseguir aumentar a cobertura por médico de família atribuído da população residente. Para efeito, a intenção é adaptar as Unidades de Saúde Familiar (USF) modelo B , lançar as USF modelo C e o regime de convenções. Aqui, concordo com a intenção de ter diferentes modelos de USF B consoante as necessidades da região onde estão, tenho incerteza quando às USF C, na medida em que dependerá do contrato que venha a ser estabelecido, e tenho dúvidas quanto ao regime de convenções (que me parece mais orientado para ter mais “produção” de consultas e melhores estatísticas dessa natureza do que contribuir para um seguimento de longo prazo). Há sempre uma tensão inerente a satisfazer necessidades de atendimento permanente para uma procura excedentária face à procura no curto prazo versus ter um sistema de seguimento de longo prazo. A pressão para apresentar resultados pode facilmente levar a soluções que são menos interessantes a médio e longo prazo.
Importante será ver como se permite o ajustamento das USF B às condições locais. Se vão ser definidas as regras centralmente de forma ad-hoc (fazendo lembrar as “ìndias de gabinete” de uma música de Rui Veloso) ou se os profissionais de saúde dessas regiões serão ouvidos sobre a melhor forma de se organizarem, por forma a garantir o papel assistencial que lhes é pedido. Esta preocupação sobre o processo surge também das medidas (que supostamente deverão permitir atingir as metas), que falam em desenho de indicadores ajustáveis aos territórios de baixa densidade e mais carenciados (desenhados por quem? com que discussão? Em regime de “sociedade secreta” como tem sido frequente?). Aqui, estou convencido que será útil ouvir sugestões de quem trabalha nesses territórios. Não é preciso abdicar da capacidade de decidir para se ouvir. Quem decide tem de observar o equilíbrio global do Serviço Nacional de Saúde e do sistema de saúde, pelo que é natural que não siga todas as sugestões que possam ser apresentadas. Mas não ouvir é perder oportunidade de encontrar ideias novas e apropriadas a essas zonas. Não é ouvir com propósito de “envolvimento”, é ouvir com propósito de aprender.
Nas medidas, são referidas as USF tipo C para as zonas de baixa cobertura de médico de família. Não sei se fará especial sentido, sobretudo quando as primeiras USF tipo C ainda não estão a funcionar. Compreendo que haja a intenção de encontrar uma solução para estas zonas. Receio, contudo, que os fundamentos económicos sejam difíceis de satisfazer, pelo menos na ausência de informação adicional. Explicando o porquê deste receio (que alguém poderá mostrar que é infundado). Às USF tipo C, como mini-PPP que parecem ser – terão um contrato associado, não será uma mera aquisição de serviços – terão uma exigência de ganho financeiro (menor despesa) face ao que seria feito pelo SNS diretamente. Se ao mesmo tempo as zonas com baixa cobertura de médico de família tiverem características que as levem a ter problemas de economias de escala (por exemplo, se coincidirem com zonas de elevada dispersão geográfica da população eventualmente envelhecida, requerendo mais cuidados domiciliários, ou mais tempo de atendimento), então dificilmente haverá capacidade de cumprir o papel desejado. Não é totalmente claro que haja vantagem em ser USF tipo C face a USF tipo B, sem conhecer melhor as causas da própria falta de cobertura. Tentar as USF tipo C mas estar preparado para usar USF tipo B (modificadas, eventualmente) deverá estar presente na ação pública (sem encarar como fracasso não conseguir aliciar a criação de USF tipo C).
No restante, medidas que potenciem e facilitem a participação de outros profissionais de saúde, no contexto de intervenções multidisciplinares, são bem-vindas.
Cuidados hospitalares
Retoma-se a habitual preocupação com o cumprimento dos Tempos Máximos de Resposta Garantidos para consultas e cirurgias, embora não seja explicitado como se concretizará (é mais um objectivo que não tem sido alcançado de forma sistemática nos últimos 20). Embora seja dito “em todos os Hospitais portugueses”, suponho que se estejam a referir aos hospitais do SNS; se assim não for, e a intenção ser mesmo abranger todos os hospitais no sistema de saúde português, será interessante como se produzirá a monitorização de todos os tempos de espera nos hospitais que não são do SNS.
Nas medidas a proposta de “criação de programas específicos (…) em modelo próprio”, o que acarreta o risco de fragmentação de modelos. Antes de avançar com uma multiplicidade de modelos, será melhor perceber primeiro o que impede o modelo atual de funcionar, e desbloquear barreiras. As diferenças principais em não cumprir os TMRG são entre especialidades (situações similares entre hospitais/ULS e muito diferentes entre especialidades) ou são entre hospitais/ULS (situações muito diferentes entre hospitais e muito similares entre especialidades dentro do mesmo hospital/ULS)? Sem uma documentação precisa do problema concreto, é difícil perceber se multiplicar modelos é a melhor opção, e sobretudo gostava de a ver comparada com outras opções possíveis que sejam identificadas. De alguma forma, ganhar esse conhecimento e decidir com base no que se venha a saber parece estar subjacente a duas das outras medidas (promover auditoria regional e nacional aos TMRG de cirurgia, promoção de incentivos à cirurgia de ambulatório), ou pelo menos não vejo que haja vantagem em serem vistos de forma separada.
Como medida é apresentado um “novo Sistema Nacional de Acesso a Consultas e Cirurgias”. Aqui o elemento central será perceber como vão ser estabelecidos os incentivos (enquadramento das decisões dos vários agentes envolvidos), que cultura a longo prazo irá induzir, e que mecanismos de monitorização vão estar presentes. Não é claro, à partida, que solução se pretende encontrar que não esteja de alguma forma já presente no SNS (se não for uma questão de abordagem, será uma questão de processos? É apenas adicionar MCDT?). Será para acompanhar.
Na área dos cuidados urgentes e emergentes, é mencionada a criação de “urgências regionais”, uma necessidade face aos recursos humanos disponíveis, por um lado, e uma questão de eficiência global, mesmo que por qualquer motivo inesperado passasse a existir um volume de recursos humanos suficientes. Só estranho que relacionado com esta resposta a uma necessidade não se fale na avaliação (e eventual expansão, se a avaliação for positiva) da experiência das equipas dedicadas nas urgências hospitalares, e na avaliação (e eventual ajustamento ou afinamento) do programa “ligue antes salve vidas”. Como nas medidas surge “implementar incentivos para profissionais que realizem serviço de urgência”, avaliar o que está em curso pode ajudar a perceber o melhor caminho (se o programa “ligue antes salve vidas” reduzir muito a procura de urgências será preciso esses incentivos? As equipas dedicadas às urgências incluem esses incentivos ou é ainda adicional a essas equipas dedicadas?)
Na organização dos hospitais (dentro das Unidades Locais de Saúde), é referida a intenção de desenvolver novos modelos de “Centros de Responsabilidade Integrada” (creio que serão Centro de Responsabilidade Integrados (CRI), são centros de responsabilidade que estão integrados nos hospitais que estão integrados nas ULS, e não responsabilidade integrada que é agregada em centros). Aqui, mais uma vez, será bom que se faça uma aprendizagem da sua aplicação dos últimos anos, até usando o conhecimento que tenha sido gerado ou que possa ser gerado com contributo da associação nacional dos CRI (CCRIA – Associação).
Cuidados Continuados e Cuidados Paliativos
São tratados de forma conjunta (numa das “metas”), embora provavelmente precisem de ações de natureza distinta. Creio que será fácil estabelecer acordo sobre a necessidade de desenvolver estas áreas, face ao envelhecimento da população. De uma forma mais geral, será adequado que se tomem decisões sobre que respostas são necessárias, como se interligam com outras respostas que envolvem cuidados sociais, a cargo da Segurança Social e nalguns casos com vantagem em ter envolvimento das autarquias. Há questões dos tipos de cuidados e de apoio necessários, da melhor forma de os providenciar, e da flexibilidade que terão – além de cuidados continuados e cuidados paliativos, há certamente necessidades de apoio domiciliário, que evoluem de acordo com a evolução cognitiva e de mobilidade das pessoas. A questão central é como apoiar as pessoas de forma que possam envelhecer com qualidade de vida nas suas casas, respeitando sempre que possível as suas preferências (que não serão as mesmas para todas as pessoas, e que provavelmente serão diferentes de qualquer solução única que um sistema de saúde e/ou de segurança social queira definir a partir de gabinetes). O processo e as soluções encontradas não são apenas para definir parceiros no setor privado (com e sem fins lucrativos) ou no setor público. Saber o que é necessário, para quem necessário, e como evolui para uma mesma pessoa no tempo é um desafio organizacional grande (e de certo modo contra a cultura tradicional portuguesa de decisão centralizada única).
Encontro duas secções nas medidas que são prometedoras, embora o risco de equívocos e de falta de clareza seja grande em qualquer delas. Há o mérito de as explicitar. Há que ter o trabalho de as concretizar de forma coerente e útil para o sistema de saúde (e para o SNS). Essas duas áreas são a “Inovação na Saúde” e “Aumentar a eficiência na Saúde”. Como é notório, tenho como formação de base economia, pelo que é natural o apelo destas duas áreas.
No caso da inovação na saúde, falta uma ambição de atuar no contexto internacional, procurar inserir cada vez mais a investigação feita em Portugal num ecossistema europeu de inovação, aproveitando o que venha a ser feito no âmbito do Relatório Draghi e da recente proposta da Critical Medicines Act. Focar em modelos de financiamento em Portugal dificilmente conseguirá dar esse papel à investigação.
No campo da eficiência, há uma necessidade grande de clarificação de conceitos, para que depois se possa passar a ações consequentes. Desde logo, é importante fazer a distinção entre três níveis de ineficiência que podem, e devem, ser tratados dentro desta ideia de aumentar a eficiência na (produção de cuidados de) Saúde. É preciso separar o que é redução de desperdício, o que é reorganização das atividades e o que é deixar de fazer atividades e intervenções com pouco (ou mesmo sem) valor terapêutico e de custo elevado. Para cada um destes tipos de ineficiência deverá ter-se mecanismos de atuação. Alguns desses mecanismos podem ter efeitos em todos estes tipos de ineficiência. A maior autonomia dos hospitais (na verdade, das ULS) é um desses mecanismos, mas deverá ser acompanhada de maior responsabilidade, no sentido de accountability. E provavelmente fará sentido ir dando progressiva autonomia às ULS que tenham melhor desempenho. A entidade do Ministério da Saúde que aprova e/ou monitoriza estes investimentos deverá definir a metodologia de cálculo, e fazer a sua aplicação regular (por exemplo, num relatório anual a ser disponibilizado na internet, e que na sua ausência leve a algum custo para quem gere a entidade com esta responsabilidade – talvez perder dias de férias, ou perder parte de um ordenado mensal?).
A discussão do papel das compras públicas, por seu lado, não pode ser desligada da Critical Medicines Act e da proposta de utilização do critério da proposta economicamente mais vantajosa (MEAT, no acrónimo em língua inglesa).
Relativamente às auditorias de gestão, deverão existir dois tipos de auditoria: auditorias regulares, decididas aleatoriamente (e não apenas auditar as ULS que têm os processos mais organizados e que por isso serão mais fáceis de auditar) e auditorias de emergência de gestão (o que são e qual a racionalidade por detrás desta proposta, está descrito aqui – spoiler, é um policy paper da SEDES em que participei com a Catarina Delaunay).
De uma forma geral, há um comentário sobre questões de eficiência e uso de incentivos. Incentivos tem como lógica influenciar o comportamento de agentes económicos. E podemos distinguir entre incentivos para participação numa relação económica e incentivos destinados a influenciar comportamentos que não são observados diretamente, mas cujos resultados são observáveis mesmo que de forma imperfeita. Os incentivos de participação têm de ser permanentes, enquanto os incentivos associados a resultados são condicionais a esses resultados. A importância da distinção é o primeiro tipo de incentivos passar a fazer parte da remuneração habitual dos profissionais de saúde, podendo tal não suceder no segundo caso.
Quando se fala de incentivos para a localização de profissionais de saúde em determinadas áreas, está-se a falar de pagar de forma permanente melhor. É apenas condicional a observar-se a existência de um contrato de trabalho.
Incentivos associados à indicadores de qualidade ou de satisfação do utente baseiam-se em que um maior esforço (melhor desempenho) do profissional de saúde se traduz em melhores indicadores, mas pode haver erro – situações em que esforço feito, por simples azar, não se materializou em melhoria do estado de saúde das pessoas tratadas, ou situações em que mesmo com pouco esforço ocorre, por outros motivos fortuitos, uma melhoria do estado de saúde das pessoas tratadas. A remuneração associada com estes indicadores irá então flutuar por vários motivos. A forma de pensar e depois de atribuir incentivos é por isso distinta. Por exemplo, para atrair profissionais de saúde a zonas mais remotas, provavelmente é necessário mais incentivos do primeiro tipo, mas para melhorar a eficiência de funcionamento das unidades de saúde será mais relevante a utilização de incentivos do segundo tipo.
Sobre o desenvolvimento de mecanismos de acompanhamento e avaliação de investimentos, deverá ser feito e até deixo a sugestão de se passar a calcular a taxa de retorno social dos investimentos. A DE-SNS, por exemplo, poderá ter este papel.
Há muitas outras intervenções em áreas específicas, que não foco para não ficar com um texto mais longo que o próprio programa do Governo,
Por fim, uma nota de curiosidade: apesar de o programa do Governo falar várias vezes em valor em saúde, quando quer falar de resultados volta à (habitual) descrição de aumento de atividade (cirurgias, consultas hospitalares, consultas nos cuidados de saúde primários, etc). Pelo menos, seria de adicionar o que foi realizado em termos de ganhos de saúde. Se não for fácil, significa também que as intenções de gerir em termos de ganhos de saúde irá ter também dificuldade de perceber.
Além da saúde, outras áreas focadas no programa do governo merecem um comentário breve, e além do programa do governo, outros eventos / ideias / discussões na área da saúde merecem um comentário breve. Fica para textos num futuro próximo.
Terminou a 06 de maio a consulta pública da Entidade Reguladora da Saúde sobre a “Recomendação do Conselho de Administração da Entidade Reguladora” referente ao acesso a cuidados de saúde por imigrantes. Tendo sido assunto “quente” no início do ano, com a ida para eleições saiu da agenda imediata da discussão na área da saúde, e outros assuntos entretanto ganharam espaço na discussão pública. Ainda assim, é um tema que voltará a estar na agenda, e a intervenção da Entidade Reguladora da Saúde voltará a receber atenção. A informação sobre a consulta pública está disponível no website da ERS, aqui. Deixo abaixo, de forma pública, os meus comentários à proposta de recomendação da ERS (o documento da ERS tem 8 páginas, pelo que não é a extensão um obstáculo à leitura e participação na discussão). A versão resumida é: ” (…) o Conselho de Administração da ERS delibera, (…) recomendar às Unidades Locais de Saúde: (i) o cabal cumprimento do Despacho n.º 1668/2023, de 2 de fevereiro, até ao termo da sua vigência, do Despacho n.º 14830/2024, de 16 de dezembro, o qual produzirá efeitos a partir do dia 1 de abril de 2025, e das demais normas e orientações em vigor, bem como as que venham a ser emitidas sobre esta matéria, garantindo o correto registo no RNU dos cidadãos estrangeiros e, por conseguinte, o respeito pelo seu direito de acesso a cuidados de saúde; (ii) que assegurem a existência de procedimentos e/ou normas internos aptos a garantir o cumprimento do previsto na subalínea anterior; (iii) que garantam em permanência que os procedimentos e/ou normas internos descritos na subalínea anterior são do conhecimento dos seus profissionais e por estes efetivamente cumpridos, promovendo a divulgação interna de orientações e boas práticas.”
Observações à Recomendação (e parte das observações respeitam à parte inicial do documento da ERS, pelo que para quem não leu as poucas páginas do documento da ERS, sugiro saltar para o ponto 7 abaixo) :
O ponto I do documento remete para as atribuições da Entidade Reguladora da Saúde (ERS), não havendo comentários a apresentar.
O ponto II retira os pontos essenciais, segundo a ERS, do estudo realizado em 2015, onde se encontraram barreiras no acesso a cuidados de saúde por parte de imigrantes, que estão em linha com o conhecimento geral, de vários países, sobre o assunto. Este estudo deu origem a recomendação dirigida a organismos do Serviço Nacional de Saúde. Formalmente, teria sido útil elencar as ações tomadas pelas entidades na sequência desse conjunto de recomendações.
O ponto III retira os pontos essenciais, segundo a ERS, do estudo realizado em 2024. Destacam-se problemas de “registo, tratamento e monitorização dos dados e informações sobre os cidadãos estrangeiros que acedem aos cuidados de saúde no SNS”, incluindo lacunas no Registo Nacional de Utentes (RNU). Aponta-se por isso para problemas operacionais, e não para questões de princípio.
A recomendação é por isso no sentido de melhorar esses aspetos operacionais.
A recomendação proposta revela-se bem estruturada.
A recomendação proposta, e a sua justificação, estabelece de forma clara as responsabilidades das Unidades Locais de Saúde, para o cumprimento dos enquadramentos legais vigentes.
No enquadramento da recomendação será útil explicitar mais os princípios base a serem observados no acesso de imigrantes à cobertura pelo Serviço Nacional de Saúde: equidade e não discriminação (acesso em condições de igualdade com os cidadãos portugueses); transparência e acesso a informação (informação clara, acessível e visível); comunicação clara e efetiva (com as adequadas competências culturais e linguísticas); simplicidade administrativa; integridade dos dados (registo rigoroso e monitorização do acesso aos cuidados de saúde); participação (as comunidades imigrantes devem ter oportunidades para dar informação relevante).
A recomendação é, em si mesma, uma condição que se afigura necessária para a melhoria do acesso a cuidados de saúde no SNS, e as melhorias do sistema de informação beneficiarão todos os cidadãos.
Não será, porventura, condição suficiente, e por esse motivo será útil, a nosso ver, completar a recomendação com elementos adicionais.
Primeiro, Melhoria da coordenação institutional: recomendar à Direção-Executiva do SNS que garante as condições necessárias e suficientes, incluindo identificação e disseminação de melhores práticas e garantia de harmonização de procedimentos, para as Unidades Locais de Saúde respondam integralmente à recomendação emitida.
Segundo, Modernização do RNU: recomendar à ACSS, enquanto entidade gestora do RNU, que indique as especificações técnicas essenciais no sistema de registo, para que a informação possa ser recolhida e disponibilizada da melhor forma possível (por exemplo, poderá considerar-se a importação de informação contida noutros registos do sector público, como o subjacente ao número de identificação fiscal, ou de segurança social?).
Terceiro, Guia Operacional: a força da recomendação seria maior se a recomendação for acompanhada de um guia operacional explícito sobre os passos a serem adotados, bem como a inclusão de uma proposta de calendário, indicadores de desempenho e mecanismos de responsabilização, cabendo depois aos organismos do SNS a sua implementação. Em alternativa, deverá recomendar que uma entidade do SNS tenha a responsabilidade de elaborar estes elementos, num prazo curto (até Julho de 2025).
Quarto, Participação Comunitária: a recomendação poderá incluir a criação de mecanismos contínuos de informação por parte das comunidades imigrantes (ou seus representantes formais) nos modelos de governação local de saúde, para melhor conhecimento mútuo das obrigações e direitos.
Por fim, a ERS deverá instituir mecanismos de monitorização da Recomendação. Sugere-se que tal seja feito através de um relatório anual de monitorização, incluindo auditorias às ULS, de forma aleatória (por exemplo, todos os anos serem incluídas nestas auditorias 5 ULS decididas por sorteio, podendo haver repetição de auditoria a uma mesma ULS), bem como a definição de critérios específicos para avaliação do cumprimento da recomendação, usando informação de rotina disponível.