“Dia da libertação” – talvez seja ainda um pouco excessivo, na medida em que não terminou ainda a circulação do vírus. Mas certamente é um passo importante no retomar de uma maior normalidade no funcionamento da sociedade. 578 dias depois do início oficial da pandemia COVID-19 em Portugal, teve-se o simbolismo de uma redução grande nas restrições associadas com o controle da pandemia.
Começam também a surgir algumas lições, no lado da saúde, quando vamos a caminho de 20 meses de pandemia COVID-19.
Primeiro, nenhum sistema de saúde estava totalmente preparado para lidar com uma situação de pandemia generalizada. Todos os sistemas de saúde, na sua capacidade técnica e na sua capacidade política, tiveram que tomar decisões e delinear estratégias num tempo e modo que teve de ser muito mais rápido do que até agora tinha sido usual.
Daqui resultou a primeira lição geral, a preocupação com a criação, com o desenvolvimento, de sistemas de saúde resilientes (capazes de lidar com choques inesperados).
A segunda grande lição, ainda em fase de consolidação, é a grande interdependência entre países. Mesmo países que procuraram um maior isolamento, através do fecho das suas fronteiras, acabaram por registar surtos de COVID-19. Mais do que isolamento, a resposta para a pandemia está na ciência, na inovação e na solidariedade internacional.
A terceira grande lição é a necessidade de pensar em conjunto os aspetos de economia e de saúde. As escolhas das políticas públicas não são uma escolha entre “salvar a economia” ou “salvar a saúde”. É a necessidade de um equilíbrio facilitado por políticas económicas e políticas de saúde que se complementam.
A noção de resiliência remete para a necessidade de sistemas de informação integrados e de processos de decisão rápidos. Não se trata de um problema de acumulação de recursos. Trata-se de um problema de mobilizar recursos e ter a capacidade de fazer essa mobilização em tempo útil.
O modo de decisão é crucial para a capacidade de um sistema de saúde responder a um forte choque não antecipado. A capacidade técnica ou a existência de recursos acumulados não são uma condição suficiente para que um sistema de saúde seja resiliente, isto é, tenha a capacidade de reagir a um choque adverso e manter em funcionamento as suas atividades essenciais. É também necessário que aprenda com o choque e consiga adaptar o seu funcionamento para o futuro.
O Serviço Nacional de Saúde, ao longo destes meses que já se leva de pandemia, mostrou capacidade de reagir, de mobilizar e de reorientar recursos. Contudo, foi menos capaz de aprender e de incorporar no seu funcionamento essa aprendizagem. Conseguiu-se transformar serviços hospitalares para receber doentes COVID-19. Levou-se muito tempo a criar os mecanismos de resposta, incluindo o planeamento do Outono e do Inverno de 2020, em lidar com as expetativas e anseios da população, determinantes do comportamento coletivo, que geraram a segunda vaga pandémica em Outubro e a terceira vaga em Janeiro.
O processo de aprendizagem neste contexto não é simples. Desde logo, o enorme volume de informação e de desinformação que surgiu, surge e provavelmente surgirá, a velocidade com que nova informação é apresentada, coloca problemas evidentes aos decisores políticos.
O que hoje possa parecer o melhor caminho, poderá mudar amanhã e voltar a sê-lo poucos dias passados. Decidir com base em conhecimento que está em permanente evolução não é fácil. E as mudanças de estratégia, se demasiado frequentes, introduzem incerteza e desconfiança na população.
Além disso, o conhecimento científico não dá necessariamente a resposta completa, sobretudo quando existem objetivos múltiplos que implicam a procura de equilíbrios nas vertentes de saúde, social e económica.
A situação menos clara, em Portugal como noutros países, foi entre conter a transmissão do vírus (conseguida por confinamentos mais rigorosos e mais prolongados) e o funcionamento das escolas, sendo a educação dos jovens e das crianças um aspeto central das sociedades atuais (prejudicada por confinamentos mais rigorosos e mais prolongados).
Num momento em que se inicia um novo período, é altura de acompanhar, evitar medos e otimismos excessivos, e colocar em prática as implicações de algumas lições que se retiram destes (longos) meses de pandemia.
Haverá certamente outras lições a retirar, a nível nacional, e a nível das organizações da saúde. Altura de começar a compilar, sumariar e começar a aplicar o que se consegue aprender deste período.