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Eleições na ADSE, I.P. – uma visão pessoal sobre os manifestos das 7 listas

Está em curso o processo eleitoral na ADSE para determinação de representantes dos beneficiários no Conselho Geral e de Supervisão (pode ser consultado aqui). A data para as eleições é 19 de Setembro, pelo que há algum tempo para os beneficiários da ADSE se informarem sobre os candidatos (há 7 listas), perceberem como podem votar e decidir sobre em quem votar.

Os manifestos eleitorais estão disponíveis, e através deles é possível fazer alguns comentários sobre o que surge como mais destacado em cada um deles.

De acordo com o Decreto-Lei 7/2017 que institui a ADSE como instituto público, o Conselho Geral e de Supervisão tem um número grande de elementos nomeados, e alguns eleitos (os que estão aqui em causa). O Conselho Geral e de Supervisão essencialmente emite pareceres e supervisiona o Conselho Directivo.

Por outro lado, por ser instituto público, a ADSE encontra-se sujeita às regras da lei quadro dos institutos públicos, que tem implicações para o tipo de gestão económica e financeira que pode ser realizada. É também claro, segundo o diploma que estabelece a ADSE, I.P.,  que é o Ministério da Saúde que aprova objectivos e estratégia, e emite orientações, recomendações e directivas. Os Ministérios da Saúde e das Finanças aprovam o orçamento da ADSE (e as opções de receitas e despesas dela constantes).

Neste contexto, há oito áreas onde me pareceu importante ver o que diziam os manifestos eleitorais apresentados:

  1. financiamento – qual a perspectiva que possuem, nomeadamente sobre valor das contribuições presentes e futuras e suas implicações para o equilíbrio financeiro global.
  2. benefícios – há áreas de alargamento de cobertura de serviços da ADSE em termos de benefícios, ou restrições (coberturas que não devem ser dadas)?
  3. estado / governo – dado o que acima referi sobre o papel dos Ministérios da Saúde e das Finanças, como é que cada manifesto eleitoral vê as relações entre a ADSE e o Governo?
  4. representação – como é que cada manifesto se posiciona em termos de representação dos beneficiários?
  5. alargamento da população abrangida é considerada, e se sim em que sentido?
  6. o manifesto debruça-se sobre medidas operacionais, que cabem ou ao conselho directivo ou ao Governo enquanto tutela (Ministério da Saúde)?

 

Baseado na minha leitura dos manifestos, e correndo o risco de ser injusto para com o que possa ser o pensamento adicional que cada lista possa ter, não foi complicado elaborar uma matriz rápida de que manifesto referia cada área, assinalado com “x”:

A B C D E F G
1. Financiamento x x x x x x
2. Beneficios x x x x
3. Governo/Estado x
4. Representação x x x x
5. Cobertura x x x
6. Medidas Operacionais x  x x

Daqui resultam três comentários gerais:

a) a relação com o Estado/Governo passou ao lado dos manifestos eleitorais, e mesmo no caso em que assinalei, é algo diferente da relação de tutela que o Ministério da Saúde terá sobre as opções estratégicas (e nalguma medida o Ministério das Finanças, via orçamento da ADSE).

b) a preocupação com o financiamento está presente, mas sobretudo em termos de redução das contribuições dos beneficiários, face aos excedentes recentes.

c) o desejo de abertura do universo de beneficiários, sobretudo para familiares dos atuais beneficiários ou outros funcionários na órbita do Estado.

A existência de vários manifestos que mencionam explicitamente medidas operacionais sugere a preocupação com aspectos de gestão, mas como os eleitos não vão gerir a ADSE, e várias das decisões mencionadas são do conselho directivo ou do Ministério da Saúde através da sua ação de tutela, não é claro como os eleitos, alguns no meio de um Conselho mais vasto, irão conseguir alcançar esses objectivos, pois não é esse o papel para que serão eleitos os representantes.

É também sintomático que haja várias listas associadas com organizações que já têm representação assegurada. Compreende-se a vontade de assegurar maior “poder” no Conselho Geral e de Supervisão, embora fosse preferível (a meu ver) que os representantes eleitos desta forma surgissem de outras origens, para maior pluralidade de representação.

Sobre cada manifesto eleitoral, há equívocos e ambiguidades, por um lado, e alguns destacam-se por ideias próprias. Faço uma breve revisão pessoal, comentada, do que me despertou mais atenção em cada lista.

Lista A – é a única lista a falar explicitamente em que os membros do Conselho Geral e de Supervisão não deverão ter remuneração. É uma preocupação que faz sentido para evitar “capturas” dos representantes.

Lista B – é um dos manifestos que tem mais detalhe. Precisamente por isso levanta algumas dúvidas sobre o sentido estratégico de algumas das ideias: (i) fala-se em alargar cobertura a outros beneficiários, em redução das contribuições e melhoria dos benefícios – ora, dificilmente será possível avançar nestas três direções sem criar desequilíbrios financeiros a prazo (até provavelmente curto); (ii) fala-se em evitar a “pressão da “indústria” da saúde” mas também em maior liberdade nos reembolsos do regime livre, que estão mais sujeitos precisamente à “pressão da “indústria” da saúde” – há formas técnicas de compatibilizar o que parece ser uma contradição, mas não é aparente como (nem a apresentação do manifesto dá espaço natural para essa discussão); (iii) fala-se em articulação com o SNS, o que tem também interrogações várias (voltarei a este aspecto num comentário a outro manifesto).

Lista C – É a única a falar na relevância de evitar duplicação de entidades na representação, o que acompanho.

Lista D – Há uma preocupação quase exclusiva com os municípios, e “reivindicar” não é o papel dos membros eleitos para o Conselho Geral e de Supervisão. Sendo que poderá haver algo a fazer neste campo dos trabalhados municipais, o poder de decisão estará no Governo, e não na ADSE.

Lista E – Este manifesto manifesta-se (sim, é para reforçar) contra a privatização da ADSE. O que é curioso, porque tendo a prestação de cuidados de saúde garantidos pela ADSE uma grande componente de entidades privadas, e sendo as contribuições dos beneficiários (privados, por definição) suficientes para atualmente cobrir as despesas a cargo da ADSE, não é claro o que seja “contra a privatização”. Uma opção é obviamente eliminar todas as convenções e acordos com prestadores privados, e eliminar o regime de reembolso. Mas não me parece que o espirito do manifesto seja esse. Por outro lado, fala em complementaridade com o SNS (algo que de alguma forma surgiu noutros manifestos), o que também levanta uma questão curiosa – ou o SNS não está a fazer bem o seu papel para ser necessária a complementaridade, ou se o SNS está a fazer bem o seu papel então a complementaridade é desnecessária do ponto de vista de um sistema público de saúde. Se for o primeiro caso, a resposta deveria ser a de corrigir o SNS e não a de discriminar positivamente alguns cidadãos (os que tenham acesso à ADSE) face aos outros. Em qualquer caso, defender o papel da ADSE como parte do desenho óptimo do sistema público de saúde não é compatível com defender um Serviço Nacional de Saúde a funcionar bem. Esta questão foi desenvolvida em detalhe no relatório da comissão que analisou os caminhos possíveis para a evolução da ADSE. É uma contradição comum, mas nem por isso deixa de ser uma contradição.

Este manifesto é também o único que fala em relações com o Governo/Estado, referindo o Orçamento do Estado deverá pagar verbas em casos de política social que sejam seguidos na definição das regras de contribuição para a ADSE. É claramente um ponto em que têm razão.

Por fim, é também claro que este manifesto defende uma redução das quotizações dos beneficiários, substituídas por dinheiro do Orçamento do Estado. Também aqui a decisão caberá ao Governo (Ministérios da Saúde e das Finanças), sendo que todos os sinais dados nos últimos anos são de não alterar a regra da ADSE ser auto-sustentável, isto é, sem verbas do Orçamento do Estado e financiada unicamente pelas contribuições dos beneficiários. É obviamente uma decisão que está além do que o Conselho Diretivo pode fazer, e do que o Conselho Geral e de Supervisão pode acompanhar (emitir parecer).

Lista F – Este manifesto é o único que introduz a questão da reinscrição de funcionários públicos que tenham optado por estar fora da ADSE mas continuem a ser funcionários públicos. Embora à primeira vista possa parecer de elementar justiça, a verdade é que a regra de não reinscrição pretende evitar comportamento estratégico – se os funcionários públicos enquanto se sentem bem de saúde optam por poupar a contribuição e estar fora da ADSE, mas entram quando se começam a sentir doentes, o custo médio por beneficiário activo irá aumentar consideravelmente gerando aumento das contribuições para os que permanecem na ADSE. Uma regra de reinscrição livre generalizada seria uma bomba para fazer implodir internamente a ADSE, pois elimina em grande medida a solidariedade cruzada entre pessoas mais saudáveis e menos saudáveis em cada ano ou pequeno número de anos.

Lista G – O ponto central deste manifesto acaba por ser “recusar financiar privados”, ou seja, mais uma proposta de eliminar convenções (que são com entidades privadas) e de eliminar o sistema de reembolso (em que os beneficiários escolhem livremente e normalmente escolhem entidades privadas). Literalmente, o que afirmação quer dizer é isso. Mas calculo que não seja esse o sentido, e sim, vou tentar adivinhar e posso falhar rotundamente, não querer que a ADSE seja a principal fonte de receitas de grandes grupos económicos privados a atuar na área da saúde. A questão é que sentido faz que a ADSE se preocupe com a forma como o sector privado da prestação se organiza, e se não deve apenas procurar obter as melhores condições para os seus beneficiários, qualquer que seja o prestador. E mais uma vez, não parece que seja essa a função que está criada para o Conselho Geral e de Supervisão.

 

 


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Observatório mensal da dívida dos hospitais EPE, segundo a execução orçamental (nº 39 – Agosto de 2017)

Retomando, depois do período de férias, o acompanhar das dívidas dos hospitais, com os dados de dois meses adicionais, Junho e Julho, face à última análise constata-se a manutenção da tendência desde o inicio de ano, já depois da reforço de verbas no final do ano de 2016. Confirma-se então um ritmo de crescimento em 2017 mais elevado do que o ritmo médio de crescimento que vinha desde o Verão de 2015.

Apesar desse maior crescimento médio em 2017, não é historicamente anormal. O confronto com os episódios de crescimento passados revela que este ritmo de crescimento surgiu no passado em outras duas ocasiões (de Dezembro de 2012 a Outubro de 2013, e de Dezembro de 2014 a Fevereiro de 2015). Em todos os casos, o ritmo de crescimento mais elevado ocorre depois de episódios de injecção de fundos e regularização de dívidas, visível nas duas figuras abaixo.

O ritmo de crescimento desde Dezembro de 2016 tem sido de 39 milhões de euros por mês, e mesmo considerando uma possível igualdade de ritmo de crescimento com os episódios anteriores mais similares, o ritmo estimado é de 35 milhões de euros por mês, conforme apresentado nos quadros com as estimativas de regressão apresentadas no final do texto.

Ou seja, o acelerar de crescimento no inicio de deste ano não foi, pode-se agora concluir, uma situação pontual dos primeiros meses, revelando a manutenção de um problema com os pagamentos em atraso que está longe de se encontrar resolvido. Há um agravamento face aos últimos dois anos, mas não é historicamente desproporcionado. A incapacidade de resolução do problema dos pagamentos em atraso é claramente transversal a governos e duradouro. Como, fora das regularizações extraordinárias, ocorreram apenas dois episódios curtos de alguns meses com decréscimo dos pagamentos em atraso, é importante conhecer melhor o que possa ter estado subjacente a esses episódios.

Veremos se a preparação do orçamento do estado para 2018 trará ideias novas ou maior capacidade de resolução do problema dos pagamentos em atraso nos hospitais.

 

 

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