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A municipalização da Carris

1 Comentário

O anúncio da passagem da Carris para a responsabilidade do município de Lisboa levantou algumas reservas (ver aqui). De acordo com o que foi sendo divulgado, a Câmara Municipal de Lisboa (CML) irá assumir pagamento de compensações de serviço público à Carris (ver aqui), aparentemente consignando receitas a esse fim (ver aqui).

É lícito que a CML queira ter uma política de transportes urbanos, e que queira gerir a Carris para o efeito. A decisão, segundo os meios de comunicação social, de a transferência da Carris para a CML deixar a dívida passada com o Estado, é também adequada se se pretende iniciar uma nova etapa da empresa (tanto mais que parte substancial dessa dívida decorre de decisões públicas e não de decisões empresariais da empresa).

Esta passagem da Carris para a CML é apresentada, politicamente, como optando por uma gestão pública versus uma gestão privada (como era a opção do anterior governo).

Objectivamente, o ser gestão pública ou gestão privada não é o elemento central. O enquadramento financeiro e de responsabilidade de gestão que é dada é o elemento central. A CML ao assumir que irá pagar compensações (em que montante? o que a empresa pedir?) e que cobrirá as despesas que a empresa venha a ter, está basicamente a minar a possibilidade de uma boa gestão. Adicionando a pretensão, legitima, de redesenhar as carreiras urbanas e criar novas, está a dar a qualquer gestão da empresa os argumentos para pedir compensações (generosas). A Carris pode partir sem dívida neste momento para a fase de gestão camarária, mas se não houver mecanismos de controle de despesa na empresa e de avaliação de boa gestão, rapidamente nova dívida irá surgir, exercendo pressão crescente sobre as finanças da CML (que terá então a tentação de criar novas fontes de receita, como fez com a taxa de contribuição para a protecção civil – não me recordo do nome exacto).

O problema é ser gestão pública? não, pois se tivesse uma empresa privada a fazer a gestão e lhe dissesse que queria ter certas carreiras e que arranjaria as verbas para pagar compensações de serviço público, também a empresa privada iria procurar ter despesa para ser coberta pela garantia da CML.

Não basta a CML dizer que vai tomar decisões para uma política diferente de transportes urbanos em Lisboa, usando a Carris como instrumento. É necessário conhecer que mecanismos vai utilizar para garantir que este serviço e o que será pago por ele, por utentes directamente e pelos munícipes de Lisboa indirectamente, cumprirá critérios de eficiência. E sobre este aspecto não me recordo de ter ouvido detalhes. A maior facilidade em decidir sobre o que CARRIS tem de fazer para cumprir os objectivos da CML tem que ser acompanhada por uma clara exposição de como se vai garantir que tal é feito sem haver desperdício de recursos. Note-se que dizer que se consignam receitas, formal ou informalmente, significa também que essas receitas não podem ser utilizadas noutras actividades da CML (atualmente realizadas ou que pudessem vir a ser realizadas). Não deixa de haver um custo de oportunidade de se utilizar essas verbas para compensar a Carris em lugar de as aplicar noutros fins que também beneficiassem os munícipes de Lisboa.

Esperemos que os aspectos de controle de gestão e de despesa tenham sido pensados, evitando que daqui a pouco tempo a CML queira devolver a Carris ao sector empresarial do Estado por se ter tornado uma fonte de despesa crescente e incomportável para a autarquia. E como cidadão a viver em Lisboa, certamente que prefiro que a CML tenha sucesso neste passo; só que esse sucesso pode ser comprometido se o enquadramento de funcionamento da empresa não for acautelado de forma a que esta mantenha incentivos para ser eficiente, mesmo no cumprimento dos objetivos que sejam traçados pela CML.

 

Autor: Pedro Pita Barros, professor na Nova SBE

Professor de Economia da Universidade Nova de Lisboa.

One thought on “A municipalização da Carris

  1. Via Facebook:

    [1] Daqui a uns anos a empresa vai estar outra vez cheia de dívida. O contribuinte será de novo obrigado a pagar e finalmente a empresa será privatizada. Quantas vezes vamos ter de ver este filme?

    [2] Eu até acho que o transporte público pode dar prejuizo financeiro. Há externalidades importantes que são difíceis de medir e de cobrar. Mas não é disso que se trata. As empresas são mal geridas e o investimento que devia ser feito não existe. Não há razão para o Metro ter condutores por exemplo. O metro de copenhaga não os tem, é automático e só tem pessoal de apoio e manutencão. Funciona lindamente e não tem greves. Enfim.

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