Momentos económicos… e não só

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Linhas para o programa eleitoral do PSD+CDS (2)

O segundo grande eixo organizador definido pela coligação é a qualificação. Tal como a demografia, também este é um aspecto de longo prazo, que iá muito além da próxima legislatura. As orientações propostas parecem-me consensuais em grande medida, focando bastante no que podemos designar por “factores de produção” da qualificação. Senti contudo falta de uma visão que ajude a consolidar medidas para o longo prazo e que tenham a persistência suficiente para esperar pela produção de resultados.

O terceiro eixo é o ambiente para o desenvolvimento das actividades económicas. Sendo elencados diferentes factores, há um que julgo fundamental ser incluído, e que de alguma forma se liga ao aspecto da qualificação: a qualidade da gestão das pequenas e médias empresas nacionais.

Dos factores que foram identificados explicitamente no documento, insiste-se na redução do IRC, que beneficia (muito provavelmente) as empresas dos sectores com menor concorrência (que coincidem fortemente com os sectores de bens não transaccionáveis, ou sejam sem capacidade exportadora ou substituição de importações).

Outro factor identificado, “favorecendo soluções que contribuam para a capitalização das empresas”, deverá ser alargado a soluções de financiamento das empresas reduzindo a dependência que em Portugal se tem do canal bancário para esse financiamento das empresas.

Não se conseguiu resistir, por outro lado, à tentação de identificar sectores “campeões”. Se há sectores que têm vantagens competitivas, qual a necessidade de os proteger de alguma forma (o usual significado de “apostar”). Porquê? Qual é a falha de mercado? Quais os custos de intervenção quando não há falha de mercado?

Quanto ao mercado laboral, e suas condições, é expresso unicamente em preocupações de ter aumentos salariais em linha com os aumentos da produtividade (da empresa? do sector? da economia como um todo?)

É redutor pensar só neste aspecto. O programa eleitoral do PS e em particular o documento “Centeno” dos 12 economistas é bastante mais rico neste campo e com soluções, que podem e devem ser discutidas, para problemas e estrangulamentos do mercado de trabalho em Portugal.


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Linhas para o programa eleitoral do PSD+CDS (1)

Depois do programa do PS, é agora tempo de olhar para as “Linhas de Orientação Geral para a Elaboração do Programa Eleitoral” do PSD + CDS. A seu tempo teremos oportunidade de ver os detalhes, suponho.

A parte I faz essencialmente uma descrição elogiosa da actuação do Governo de 2011 até aos dias de hoje. Coloco na categoria de discussão política, e deixo para outros a tarefa de “fact checking” do que é afirmado nesta parte.

E assim entro directamente na parte II, entitulada “Desafios para um futuro melhor”, e onde são traçados três grandes desafios que suponho venham a ser enquadradores das medidas propostas no programa eleitoral: demografia, qualificação e ambiente económico.

A demografia tem uma dupla tenaz: a baixa natalidade e a pressão de uma população idosa. No caso da natalidade, fala-se em medidas que a promovam. Será necessário ter em consideração que recuperar a natalidade demora muito metro, e não creio que se saiba realmente o que funciona como “alavanca”. Gostaria que a par das medidas do programa eleitoral fosse dada informação concreta sobre evidência do problema que se espera resolver com cada medida, e que evidência de apoio a essa medida existe. Por exemplo, a alteração do quociente familiar em sede de IRS espera-se que se traduza em aumento do número de nascimentos por ano daqui a 5 anos?

Do lado do envelhecimento, retoma-se o termo já comum de “envelhecimento activo”, com uma componente de “prolongamento da vida laboral de forma voluntária”. Uma vez mais seria bom concretizar o que significa – atualmente existe uma discussão sobre o índice de active ageing proposto pela Comissão Europeia, e há uma proposta de ter um indicador individual de active ageing, aplicável em Portugal, que siga os mesmos princípios do indicador agregado (ver aqui). Quais as dimensões em que o programa eleitoral vai incidir?

O terceiro elemento que surge dentro dos aspectos demográficos é a inversão dos fluxos migratórios. Aqui vale a pena ter em conta o objectivo mais ambicioso de colocar Portugal como destino de novos empresários, ou simplesmente como destino de vida para jovens profissionais. Se Portugal for visto como uma região europeia onde vale a pena viver, profissionalmente e em termos de vida privada, qualquer que seja a nacionalidade, então também terá de forma natural maior capacidade de reter a sua população jovem.

Ser atractivo para jovens profissionais de outros países é bastante mais exigente do que apenas reter os jovens nacionais. Obriga a simplificar: os processos associados com a permanência legal no país, a relação entre o Estado e o cidadão, a relação entre as empresas de serviços básicos e os consumidores, etc.

Pode-se até pensar em como podemos ter uma participação plenas desses cidadãos estrangeiros na vida cívica em Portugal, incluindo política e cargos na função pública.

Existe um conhecimento informal “do que fazer para resolver problemas” na sociedade portuguesa que terá de ser revisto e simplificado. Nestas conversas vem sempre à memória a facilidade com que se cai em problemas do tipo “quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha?” – para alugar uma casa (com contrato) é preciso ter número de contribuinte, para ter número de contribuinte é necessário ter residência fiscal, a qual para um estrangeiro  jovem passa mais facilmente por alugar uma casa. Não sei se ainda é assim, também com abertura de conta bancária houve no passado situações similares. Certamente há outros exemplos.

Adoptando um termo que ficou, é necessário um Simplex para inicio de vida de um estrangeiro em Portugal.


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anúncios de (euro)milhões

Anteontem foi feito um anúncio de um plano de intervenção em cirurgia (portaria que o cria aqui):

Plano de Intervenção em Cirurgia
HOSPITAIS VÃO RECEBER 22 MILHÕES PARA REALIZAR MAIS 16 MIL CIRURGIAS

O Ministério da Saúde vai reforçar o financiamento dos hospitais em 22 milhões de euros para a realização de 16 mil cirurgias ao cancro da mama e próstata, hérnia discal, artroplastia da anca e cataratas. Segundo uma portaria publicada em Diário da República, este Plano de Intervenção em Cirurgia (PIC) vai decorrer no segundo semestre deste ano. O PIC permitirá “reforçar a atividade cirúrgica dos hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS) em 2015, respondendo assim de forma mais efetiva à procura acrescida que se tem vindo a registar nos últimos anos em relação a diversas patologias”. O programa vai abranger “as áreas cirúrgicas mais carenciadas e a necessidade de promoção de modelos eficientes”. As áreas que serão alvo do programa são a cirurgia em patologia neoplásica (mama e próstata), cirurgia da hérnia discal, artroplastia da anca e cirurgia da catarata. Será privilegiada “a modalidade de tratamento cirúrgico em regime de ambulatório, reforçando também a tendência de ambulatorização da atividade cirúrgica que tem vindo a ser incrementada nos últimos anos, com ganhos ao nível do acesso e da qualidade para os cidadãos e de eficiência para as instituições do SNS”. (Lusa)

Este tipo de solução foi frequente como tentativa de resolver os problemas de listas de espera no final do século passado. Essas tentativas, tal como outras similares noutros países, resultavam tipicamente em fazer desaparecer o dinheiro mais mas não o problema. As listas de espera reduziram-se de forma permanente apenas quando foi criado o SIGIC (ver aqui). Mais recentemente, houve em 2008/2009 uma outra experiência de programa especial, que produziu mais resultados durante a sua duração mas ainda assim pareceu ter alguns efeitos permanentes (ver aqui uma análise).

Veremos quais as condições estabelecidas para este programa e se terá efeitos permanentes ou se será apenas uma forma de alguns hospitais mais deficitários irem buscar uns poucos milhões. E se o esforço financeiro ficará realmente limitado ao valor anunciado (a pressão interna para o fazer subir certamente estará presente).


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Programa eleitoral do PS (8)

Existe no programa eleitoral do PS toda uma secção dedicada a “Reduzir as desigualdades entre cidadãos no acesso
a saúde”. Os elementos constantes desta secção são demasiado vagos para terem significado em termos  de actuação, ao contrário do que sucede noutras secções onde há se infere uma ideia concreta do que se quer fazer.

Claro que o primeiro passo é conhecer as desigualdades e as suas fontes, para poder definir instrumentos que sejam efectivos e depois actuar.

Há desde logo um ponto técnico, é que a preocupação são as iniquidades e não as desigualdades. As desigualdades de acesso têm que ser vistas em confronto com as necessidades. É aceite que quem tem maior necessidade deve ter maior acesso, o que significa desigualdade de acesso, mas não desigualdade de acesso face à necessidade existente.

E há aqui que evitar situações de criar diferentes sistemas a diferentes velocidades. Um dos pensadores mais influentes neste campo, Michael Marmot, avisa que tentar vencer estas iniquidades gerando um sistema de saúde para os pobres é um pobre sistema de saúde. Daí que as soluções não passem por desenhar partes do sistema de saúde só dedicadas a grupos populacionais particulares.

Acresce que se há barreiras de acesso ligadas a transportes ou a perder um dia de trabalho por se ir a cuidados de saúde, há que pensar em respostas diferentes.


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Relatório de Primavera 2015

Foi ontem divulgado o Relatório de Primavera do Observatório Português de Sistemas de Saúde (disponível aqui). Teve ampla divulgação nos meios de comunicação social (como é habitual), e reacção do Governo (aqui), como também é habitual. Segue para a lista de leituras comentadas, logo a seguir aos programas eleitorais dos partidos, e do estudo feito para a Ordem dos Médicos. O exercício de fact checking e análise crítica será certamente interessante. Sempre na esperança que possa haver mais discussão e análise do que apenas ver quem consegue aparecer mais vezes nos meios de comunicação social. Para discutir é preciso ler, pensar e confrontar com a informação disponível. Deixo a opinião sobre o Relatório da Primavera do OPSS para depois da leitura completa (basear-me apenas no press release poderá ser enganador, mas alguns dos temas foram tratados por vários posts ao longo do ano).


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Programa eleitoral do PS (7)

O programa eleitoral do PS tem uma entrada dedicada aos profissionais de saúde, com três pontos centrais: a) articulação entre formação e prática nas profissões de saúde; b) mobilidade para responder aos “desertos de profissionais de saúde” (sobretudo médicos); c) novos modelos de cooperação entre profissões de saúde.

Todos os três pontos são meritórios, mas com dificuldades diferentes. No caso dos “desertos”, zonas desprotegidas por falta de profissionais, é um problema presente em muitos países, e que obriga a pensar de forma distinta da habitual para se encontrar uma solução – não são incentivos monetários de curto prazo que resolvem. Algumas ideias foram exploradas neste blog, incluindo contribuições via comentários: aqui, aqui, aqui e aqui (sugiro também a leitura dos comentários desses posts).

No caso dos modelos de cooperação entre profissionais de saúde, há barreiras sobretudo corporativas e culturais. As últimas podem ser ultrapassadas na altura da formação dos profissionais de saúde, mas não poderá ser apenas aí, pois levará demasiado tempo a fazer-se sentir. As barreiras corporativas exigem um trabalho de negociação e convencimento preparado e sério.


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Programa eleitoral do PS (6)

As propostas para a Saúde no programa eleitoral do PS contêm, e bem, medidas destinadas a continuar o desenvolvimento dos cuidados continuados. Neste ponto, o único reparo é a orientação exclusiva para as pessoas com dependência.

Creio que o Serviço Nacional de Saúde tem também que se preparar para lidar com uma população envelhecida, com necessidades de acompanhamento mesmo que ainda não de dependência. Neste ponto, pensar como lidar com esta população por forma a reduzir o momento de entrada em situação de dependência é importante, sendo que serão situações de grande heterogeneidade nas suas condições e nas suas preferências. A ligação aos cuidados de saúde primários e às intervenções de cariz social terá de ser pensada. De assinalar pela positiva o reconhecer da saúde mental como necessitando de reforço.

Outra proposta refere a ADSE, “Mutualização progressiva da ADSE, abrindo a sua gestão a representantes legitimamente designados pelos seus beneficiários, pensionistas e familiares”. Aqui gostaria de saber mais do que se entende por “mutualização progressiva”, pois neste momento a ADSE deverá ser completamente auto-sustentada pelas contribuições (não consegui confirmar no portal da ADSE as contas referentes a 2014, em particular se as contribuições dos beneficiários cobrem já todas as despesas da ADSE). Sendo auto-sustentada, a única questão que se coloca é quem deverá gerir, se o Estado se transferir para alguma forma de representação dos seus beneficiários. Claro que há uma alternativa que é a ADSE ser gerida pelo Estado e ser encarada como um “seguro alternativo” ao Serviço Nacional de Saúde (alternativa também conhecida como “opting-out”). Em qualquer caso, também poderia estar em cima da mesa a abertura da ADSE a outros cidadãos além os funcionários públicos, mediante uma contribuição que pagassem. Essa opção levanta porém problemas de definição do que seria essa contribuição a pagar pelos benefíciários – de acordo com o risco de saúde? – o que levaria a desigualdades de tratamento face aos beneficiários actuais; ou de acordo com o respectivo rendimento? – o que aumentaria o factor de redistribuição de rendimento dentro da ADSE, levando a um eventual aumento de contribuições, com saída de quem tiver maiores rendimentos ou melhor saúde/menores despesas. Há de qualquer modo uma encruzilhada para a ADSE, e apenas falar em “mutualização progressiva” não esclarece completamente qual o caminho que se defende (poderá ser a manutenção do actual status quo, obviamente).


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Sobre concorrência em actividades de prestação de cuidados de saúde

Opinião de um painel que reflectiu sobre o tema a pedido da Comissão Europeia: aqui


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Programa eleitoral do PS (5)

Um outro ponto do programa eleitoral do PS é “Criar o Conselho Nacional de Saúde no sentido de garantir a participação dos cidadãos utilizadores do SNS na definição das políticas, contando com a participação das autarquias e dos profissionais, bem como de conselhos regionais e institucionais, como forma de promover uma cultura de transparência e prestação de contas perante a sociedade.”

À partida, é salutar esta evolução, embora os conselhos regionais me pareçam já um adicionar de complexidade desnecessária. O Conselho Nacional de Saúde a meu ver deverá ter objectivos de intervenção claros. Retomando o que está no Relatório Gulbenkian e que partilho: “O Conselho Nacional de Saúde deverá ser estabelecido como uma aliança de toda a sociedade com a incumbência de tutelar o pacto para a Saúde [em vez de pacto prefiro pensar em “visão partilhada”] e definir a visão para o futuro, ter uma perspectiva de conjunto do sistema e funcionar como consultor para as políticas que se integrem nessa visão. Esse organismo deverá ser representativo dos cidadãos e de todos os sectores da sociedade, ser politicamente independente e responsável perante a Assembleia da República, o Ministro da Saúde e a população em geral.”

A selecção dos membros deste Conselho Nacional de Saúde deverá fugir à representação institucional dos cidadãos – isto é, em lugar dos presidentes de isto ou de aquilo, os cidadãos representantes poderiam ser escolhidos de forma mais aleatória. Porque não ter um sistema em que todos os cidadãos portugueses tivessem igual oportunidade de pertencer a este Conselho se o desejarem? Não tenho uma proposta concreta, mas creio que deveria ser pensada. Nem que fosse por sorteio (e depois aceitação). Isto porque nomeação seja por quem for tem sempre um enviezamento natural para o que prefere ou para o que se conhece.


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Programa eleitoral do PS (4)

Continuando a análise do programa eleitoral do PS, um aspecto relevante é a intenção de “reformar a organização interna e modelo de gestão dos hospitais” e a avaliação das PPP, a que adicionaria a avaliação das unidades locais de saúde. A avaliação da qualidade de gestão em cada um dos modelos é relevante, em diferentes dimensões. Há uma tensão visível na gestão de unidades de saúde, em especial hospitais, entre administradores hospitalares “de carreira” e gestores vindos de outras áreas. Na verdade, a formação base é menos importante do que saber qual a qualidade da gestão realmente praticada, e se tem relação sistemática com formação base ou com características do modelo de governação da organização.

Existem formas de procurar fazer essa avaliação, e em formato quase piloto, conheço pelo menos duas tentativas de o fazer, mas que não chegaram a ser alargadas a todos os hospitais (sobretudo por falta de interesse dos mesmos e das entidades públicas). Uma primeira linha vem da investigação de Vitor Raposo. Uma segunda linha surge por Cláudia Iglésias, no seguimento de trabalhos internacionais no mesmo sentido (de Bloom, Propper, Siedler e van Reenen).

Além disso da informação sobre a qualidade da gestão num momento do tempo, interessa saber qual o modelo de gestão que permite ter uma dinâmica de adaptação e evolução mais adequada às necessidades (de cuidados de saúde da população). Retomando aqui a visão proposta pelo Relatório Gulbenkian, interessa também saber que modelo de gestão dos hospitais fomenta melhor a) procura de melhoria contínua da qualidade, onde se inclui evitar desperdícios (na feliz expressão “do right the first time”), e b) melhor ligação aos cuidados de saúde primários, por um lado, e cuidados continuados, por outro lado. Os critérios relevantes para avaliação das “experiências hospitalares existentes” não se podem cingir aos meros custos unitários de tratamento de doentes, e têm que ter em conta estes aspectos dinâmicos.

(E mesmo a utilização de custos unitários de tratamento não é o melhor critério, pois é necessário acomodar a potencial presença de economias de escala e de economias de diversificação de actividades para se poder fazer uma avaliação adequada – os instrumentos e conceitos técnicos existem, basta aplicá-los, o que exige cuidado metodológico).

A referência à qualidade nos cuidados prestados surge agora no programa eleitoral, em adição ao que estava na proposta de programa, o que é de saudar: “Apostar em modelos de governação da saúde baseados na melhoria contínua da qualidade e na valorização da experiência e participação do utente bem como na implementação de medidas de redução do desperdício, de valorização e disseminação das boas práticas e de garantia da segurança do doente.” Se noutros pontos tenho referido o Relatório Gulbenkian como dando pistas que poderiam ser consideradas, neste ponto concreto há uma convergência entre o programa eleitoral e o Relatório Gulbenkian na importância deste aspecto.