Na semana passada a questão da venda de medicamentos não sujeitos a receita médica em mais locais voltou a surgir. Desta vez, com o destaque dado à posição da ANF – Associação Nacional das Farmácias de que se a venda é livre então deverá ser permitida em mais locais do que os actuais, posição que tem também uma visão favorável do Infarmed, com o pressuposto de que nos mesmos locais não seja vendido tabaco. (ver aqui a noticia)
A posição da ANF tem a ressalva de serem contra a venda desses medicamentos fora das farmácias (no que é acompanhada pela AFP – Associação de Farmácias de Portugal), mas dado que é permitida, então que seja o mais ampla possível.
Apesar de se poder encontrar alguma ironia na posição da ANF há um sentido estratégico mais profundo nessa posição. Olhando para o formato de concorrência na venda de medicamentos não sujeitos a receita médica, encontramos três tipos de agentes económicos: as tradicionais farmácias, as parafarmácias de pequena dimensão e alcance sobretudo local e as redes de vendas, onde se incluem os espaços localizados na grande distribuição retalhista. O que a ANF diz, lendo além do sound bite, é que prefere que as farmácias tenham uma concorrência mais pulverizada do que ter como concorrente poucas cadeias da grande distribuição. Do ponto de vista das farmácias faz todo o sentido ter uma concorrência local, mas que não seja esmagadora. Para o cidadão, fará diferença? há dois efeitos de sinal contrário, e não é à partida possível decidir se domina um ou outro. Por um lado, se as grandes cadeia de distribuição forem mais eficientes (tiverem menores custos), poderão praticar preços menores; por outro lado, se forem poucas, ou muito poucas, as redes de pontos de venda ao cidadão, estas terão capacidade de praticar preços mais elevados, não passando a eficiência conseguida via menores preços aos cidadãos. Ou seja, tem-se um possível efeito de poder de mercado a contrapor-se ao possível efeito de maior eficiência.
Ora, sabemos hoje em dia muito pouco sobre as eficiências de dimensão que possam estar associadas à venda de medicamentos não sujeitos a receita médica e nada sabemos sobre como esses ganhos de dimensão são passados, ou não, aos consumidores finais via menores preços.
Olhar apenas para a evolução dos preços nos locais de venda de medicamentos não sujeitos a receita médica (disponível no site do Infarmed) observa-se que o índice de preços na grande distribuição é mais elevado do que em alguns pequenos retalhistas, e que a grande distribuição tem uma posição de relevo na venda destes medicamentos. Ou seja, se há a presunção inicial de vantagens de dimensão e apresentam preços mais elevados, então ou há custos superiores e a presunção inicial não é válida ou há exercício de poder de mercado. Uma alternativa que não é possível discutir com a informação disponível é se os índices de preços correspondem a quantidades e a produtos distintos (sendo o índice de preços consistente ao longo do tempo para cada entidade, mas não sendo igual entre entidades), não sendo o texto esclarecedor quanto a este aspecto.
Do que sabemos dos primeiros 5 a 6 anos da liberalização da venda destes medicamentos, com recurso a um censo das vendas nas farmácias de Lisboa (por facilidade de recolha), e usando um cabaz de 5 produtos comuns, a pressão concorrencial fazia-se sentir – no sentido em que nas zonas com mais parafarmácias as próprias farmácias tinham preços mais baixos para estes produtos – mas não era muito importante em termos quantitativos. Claro que há fortes limitações de generalização por se ter apenas Lisboa e 5 produtos, e por não ter dados mais recentes, mas tudo indica que a pressão concorrencial existe mas fraca. O principal benefício para os cidadãos será então a existência de mais pontos de venda, e não a redução do respectivo preço. O que ajuda também a perceber porque será para a ANF mais relevante a diluição do poder de mercado de redes concorrentes face a uma maior pressão nos preços que as próprias farmácias pudessem ter.
(Para os medicamentos sujeitos a prescrição, a actualização da sua evolução numa noticia da Marlene Carriço no Observador, disponível aqui)
3 \03\+00:00 Março \03\+00:00 2015 às 11:15
“Por um lado, se as grandes cadeia de distribuição forem mais eficientes (tiverem menores custos), poderão praticar preços menores; por outro lado, se forem poucas, ou muito poucas, as redes de pontos de venda ao cidadão, estas terão capacidade de praticar preços mais elevados, não passando a eficiência conseguida via menores preços aos cidadãos.”
E essa maior eficiência das grandes cadeias de distribuição pode ser prejudicada pelo alargamento dos pontos de venda de mnsrm? Não criará, essa diversidade de agentes, pressão concorrencial de forma a aumentar ainda mais eficiência e diminuir custos?
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3 \03\+00:00 Março \03\+00:00 2015 às 11:21
@Filipe – o alargamento dos ponto de venda terá que basear-se numa vantagem de conveniência para os cidadãos, não me parecendo à partida que possam ter menores custos de organização que as grandes cadeias de distribuição (afinal, o negócio destas é a logística). Assim sendo, a pressão concorrencial que virá destes outros pontos de venda poderá fazer baixar os preços nesses outros locais, o que reduz o interesse na sua expansão por parte da grande distribuição – o que tem a hipótese implícita que as eficiências que ainda podem conseguir não são suficientes para compensar essa pressão concorrencial de outros locais. Em qualquer caso, para os cidadãos, a maior pressão concorrencial deverá permitir ter mais pontos de acesso e preços mais baixos, mesmo que as grandes cadeias consigam reduzir ainda os seus custos face à situação actual. Com a informação disponível publicamente, não consigo avançar muito mais que estes princípios genéricos.
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3 \03\+00:00 Março \03\+00:00 2015 às 14:55
Num balanço dos anos de liberalização de preços (que sucedeu em paralelo com o aumento de pontos de venda autorizados) consegue-se afirmar que há uma redução dos preços dos MNSRM? Globalmente, só nas farmácias ou só fora das farmácias?
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3 \03\+00:00 Março \03\+00:00 2015 às 16:01
Pedro, face ao ano de 2005, os indices de preços calculados e apresentados no boletim do Infarmed apontam um aumento de 10-12% nos preços. Mas sem saber custos subjacentes (ou as margens retiradas nessas vendas) é dificil fazer um juízo de valor completo.
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3 \03\+00:00 Março \03\+00:00 2015 às 21:45
comentário recebido via facebook (da parte de uma pessoa com formação médica):
“Sou da opinião que todos os medicamentos, mesmo os não sujeitos a receita médica deviam ser vendidos exclusivamente em farmácias. Há dias vi vender um medicamento numa parafarmácia a uma pessoa idosa , sem perguntarem se tomava mais medicação que podia ser incompatível ou se tinha qualquer patologia associada. Só falei quando mandaram tomar numa posologia totalmente errada.”
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4 \04\+00:00 Março \04\+00:00 2015 às 10:02
comentário recebido via facebook:
“Compreendo a questão econômica associada a estas políticas, no entanto, temos de ter em consideração a questão principal neste sector, é a saúde, a segurança, a eficácia e a qualidade com que são disponibilizados estes produtos aos utentes.
Conforme podem ver em estudos de diversos países como Inglaterra, um dos produtos com maior taxa de utilização para suicídios é o paracetamol, ou seja, quando dizemos que são produtos para venda fora das farmácias, deveríamos ter em consideração os riscos para a saúde e os custos econômicos secundários que podem advir destas medidas.
Cumprimentos”
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