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Hepatite C, novamente,

3 comentários

a propósito de um artigo sobre a situação em Espanha de Fernando Lamata e Ramon Galvez, que além de colocar um valor presumível no tratamento em Espanha tem alguns dos mesmos argumentos que coloquei aqui há poucos dias.

Comentário recebido via facebook: “Repegando” neste caso, até que ponto faria sentido as patentes de tecnologias consideradas essenciais não deveriam estar sujeitas a um regime de “fair cost” (i.e. que tomasse em conta os benefícios da exploração da mesma, duração da protecção intelectual e custos de desenvolvimento)?”

Esta é uma questão antiga – de qual a melhor forma de remunerar a inovação?

O sistema de patentes, o mais generalizado, tem a vantagem de ser um sistema descentralizado – verifica-se se há inovação, e depois cabe a quem diz que tem essa inovação “provar” que é desejada, vendendo o novo produto ou serviço. A patente dá uma protecção, mas depois o produto ou serviço tem que mostrar os seus méritos no mercado, isto é, convencer os cidadãos/consumidores a preferi-lo face às alternativas. Para bens de consumo, temos imensos casos de sucesso de funcionamento deste sistema.

No caso dos medicamentos, em cima da protecção da patente tem-se um sistema de defesa dos cidadãos face às consequências financeiras de custos inesperados com cuidados de saúde – que faz com o interlocutor de quem obtém a inovação e a patente não seja o cidadão (ou o doente), e sim quem paga, companhia de seguros de saúde nalguns países, fundos específicos noutros e Serviço Nacional de Saúde (ou pagador central), noutros países entre os quais se inclui Portugal.

Num contexto em que tudo o que os cidadãos queiram o Estado (ou qualquer outra entidade, normalmente designada de forma genérica como terceiro pagador) deve pagar, o preço da inovação (e da não-inovação) cresce desmesuradamente, e essa situação levou à criação de mecanismos adicionais em que os terceiros pagadores de cuidados de saúde procuram influenciar a adopção de inovação e o preço a que essa inovação é introduzida. As empresas, pelo seu lado, procuram naturalmente obter o melhor preço possível para os seus produtos, com o argumento de pagar a inovação presente e futura (para investimento em investigação e desenvolvimento de novos produtos).

O “fair cost” aqui seria o valor mínimo que garantisse à empresa a recuperação do investimento realizado e que pague os custos de produção. Mas significa que em vez de ter mecanismos de mercado se quer avançar para regulação de preços mais apertada. Numa economia fechada, até nem seria conceptualmente complicado. Contudo, numa economia global com muitos países, coloca-se também a questão do que é a “fair share” de contribuição de cada país para o “fair cost” de investigação e desenvolvimento.

Uma solução conceptualmente possível mas de difícil operacionalização é um fundo global, com contribuições de todos os países, comprar a patente pelo seu “fair cost” e depois permitir que seja genérico imediatamente (aproveitando as “forças da concorrência” para aproximar o preço do produto do seu custo de produção). Problemas imediatos: consenso sobre a ideia, definição do que cada país contribui para o fundo e determinação do “fair cost” a pagar à empresa.

Pode um país por si só tentar determinar o “fair cost”? a posição isolada de um país tem algumas dificuldades adicionais – se for suficientemente pequeno para não ter grande impacto na remuneração da inovação, também será suficientemente pequeno para eventualmente a empresa considerar não colocar o produto disponível nesse país (e os novos medicamentos não ficam disponíveis ao mesmo tempo em todos os países, por decisão das empresas, como regularidade empírica encontrada em várias análises das últimas duas décadas); se todos os países tomarem essa posição, de pagar apenas pelo “fair cost” de produção, deixará de haver retorno para a investigação e desenvolvimento, mas se cada país quiser incluir no “fair cost” a sua “fair share” da investigação e desenvolvimento, como se garante que no final a soma de todos paga de facto a inovação desenvolvida não deixa de ser um problema de coordenação entre países.

Encontrar outras formas de remunerar a inovação e ter ao mesmo tempo os incentivos certos para essa procura de inovação e disponibilização da inovação é um tema em discussão. Uma sugestão de leitura: o livro de Suzanne Scotchmer.

 

Autor: Pedro Pita Barros, professor na Nova SBE

Professor de Economia da Universidade Nova de Lisboa.

3 thoughts on “Hepatite C, novamente,

  1. Caro Prof. Pita Barros,

    Este parece-me ser um daqueles casos em que o “mercado” é curto, com alguns pressupostos:

    a) A inovação é suficientemente revolucionária (i.e. o ganho que advém da mesma) para a transformar, de facto, num monopólio garantido por via da patente. O caso do medicamento da Hepatite C é isso mesmo, uma vez que não existe, de facto, concorrência ou expectativa de concorrência a curto prazo.

    b) Existem considerações de “bem-comum” que se podem sobrepor ao direito de propriedade (intelectual, neste caso). O número de vidas que pode ser salvo pelo medicamento pode ser de tal ordem que o risco da sua não-aquisição (ou de não ser comportável a sua aquisição) torna imperativo do ponto de vista legal uma intervenção no mercado. A título de exemplo, imaginemos uma patente sobre a vacina do Ébola a custos elevados. De salientar que isto seria idêntico a uma expropriação por parte do Estado de propriedade privada.

    Ora, nestes casos, devem existir excepções a um direito absoluto de propriedade intelectual e que podem passar por uma “mistura” de custo máximo, junto com maiores garantias de protecção (extensão dos prazos das patentes) ou garantias indemnizatórias (se um concorrente aparecer com um produto melhor/mais barato num prazo de “x”, o Estado indemniza o titular da primeira inovação).

    Como disse, eu percebo o argumento do país ser mais pequeno. Mas em países desenvolvidos, é sempre (até por via do processo de disclosure inerente às patentes) possível mandar o dono das patentes às malvas e pura e simplesmente autorizar a produção de genéricos. Salvo erro isso já aconteceu no Brasil e na China com retrovirais. Por mais fortes que as companhias sejam, não são ainda (felizmente) Estados Soberanos.

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  2. Comentário recebido por LinkedIn:
    “Quando há provas inequívocas de evidência científica, que sustentam a eficácia e efetividade do medicamento, o acesso é um direito que assiste aos doentes. Tanto como responsabilidade partilhada entre o Estado e a IF na identificação de novas soluções de financiamento. Parabéns pelo post.”

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  3. Comentário recebido via LinkedIn: “Sendo certo que é da mesma forma um direito da IF obter o retorno associado ao investimento de sucesso que conseguiu alcançar. Assim será também salvaguardada a continuidade da inovação.”

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