Tinha pensado não escrever sobre o orçamento rectificativo, mas uma chamada de atenção na primeira página de um jornal a dizer “Retificativo dá ‘euromilhões’ a Pires de Lima”, chamou a atenção (cumpriu o seu papel), e sobretudo fiquei com preocupado.
Com a dívida pública a subir, o tempo é de não gastar para a reduzir. Mas a tentação de outros caminhos é grande. E a tentação é fácil de apregoar – basta dizer que o valor que se gasta dinamiza a economia (afinal, Pires de Lima é o ministro da economia) e com isso gera mais receita que compensa essa despesa – suspeito que em breve surgirá esse argumento.
Teria sido preferível que o orçamento rectificativo fizesse apenas o ajustamento das despesas de pessoal indispensável às decisões do Tribunal Constitucional, mesmo que as receitas de impostos tenham sido melhores que planeado. Se há “alguma folga”, que seja usada no pagamento da dívida pública que tem maiores juros.
Encontro dois motivos para esta preferência.
O primeiro é da natureza humana na política – instalando-se a ideia de haver alguma folga para despesas extra, todos os ministérios se vão posicionar para usar essa folga, todos os grupos de interesses se vão sentir tentados a procurarem novamente um bom lugar à “mesa do orçamento”, e os velhos hábitos saíram reforçados. Se a “folga de receita” diminuir, a despesa tende a ser permanente, e a sua redução não costuma ser nos que entretanto aproveitaram algum aumento de despesa que ocorra. Ou seja, não é improvável que aconteça algo como: diga-se que existem 100 de receita adicional, e logo apareceram propostas para gastar 300, dos quais 200 serão permanentes, mesmo que no próximo ano os 100 desapareçam.
O segundo motivo é saber qual o verdadeiro custo de oportunidade de alguma receita adicional que exista, ou de alguma folga conseguida por colocação de dívida pública a aproveitar as baixas taxas de juro para as emissões realizada. Na medida em que a dívida pública portuguesa tem uma diversidade de taxas de juro pagas em diversas partes, o custo de oportunidade de qualquer receita adicional é a taxa de juro mais elevada da dívida. Por exemplo, se houver dívida com juros de 4 ou 5%, então ou a despesa realizada tem um retorno para o Estado desta magnitude ou é preferível pagar antecipadamente dívida (o IGCP tem ao longo do tempo feito emissões a taxas mais baixas para substituir dívidas com taxas mais elevadas, é dar-lhes a verba adicional para que o façam com estas receitas de “folga”). Não só a “folga” aplicada desta forma reduz a dívida pública, como reforça a robustez do estado face a subidas de taxas de juro em futuras emissões.
Mas aproxima-se tempo de eleições, e o custo de oportunidade de mais despesa pública vai passar a incluir os votos que se podem ou não ganhar com mais despesa pública, em vez de redução de pagamento de juros e de dívida pública.
Retomando o título que originou este comentário, preferia que o ‘euromilhões’ fosse não para Pires de Lima e sim para o IGCP, com o objectivo de reduzir a dívida pública, com ela a redução do pagamento de juros, e então começar a tratar da asfixia fiscal sobre a economia portuguesa.
1 \01\+00:00 Setembro \01\+00:00 2014 às 10:36
Parece-me que há ainda outro problema ético: ainda estão “activas” medidas que são consideradas de “carácter excepcional”. Ora se a “excepção” é menor do que o previsto, de duas uma: ou se usa para corrigir ainda mais a “excepção” (abater à dívida, como disse) ou diminui as medidas (e.g. cortar menos). Todas as outras alternativas são um desvio efectivo do fim a que se destinam as receitas.
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1 \01\+00:00 Setembro \01\+00:00 2014 às 11:04
há ainda esse argumento, certamente; não inclui para me focar nos outros dois aspectos.
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1 \01\+00:00 Setembro \01\+00:00 2014 às 15:56
Recebido via facebook “Tens toda a razão. Muitas das pessoas, mesmo dos mais esclarecidos, continua a pensar que o Estado deve aproveitar todas as oportunidades para gastar mais para dinamizar a economia. É exactamente o inverso. Quanto mais o estado gasta, maior a parcela ineficiente da despesa nacional. E ainda falam tudo isto como se não houvesse uma divida gigante por pagar.”
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