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Pensões de reforma e descontos a menos

4 comentários

A propósito da constitucionalidade do Orçamento do Estado para 2013, o principal ponto de dúvida tem estado, aparentemente, nas disposições sobre as pensões. E sobretudo na contribuição das pensões mais elevadas.

A este propósito, o primeiro-ministro afirmou que as reformas mais elevadas estão acima do que seria justificado pelo valor dos descontos que foram realizados por quem as aufere, e por esse motivo se torna socialmente justo que realizem agora um esforço contributivo adicional.

Embora o argumento seja claro e vá ser discutido extensivamente, há dois aspectos que merecem maior atenção:

a)    qual é a noção de justiça social que se pretende usar? Ou, colocando de outro modo, o que é uma “pensão de reforma justa”? Depende a noção de justiça social do momento de crise? Sem uma clarificação conceptual é difícil saber se o que é proposto é ou não socialmente justo. Não é lícito partir do princípio de que se é proposto pelo Governo então é justo. Há que verificar se cumpre o critério que se seja aceite.

b)   Segundo aspecto, implicitamente na afirmação está subjacente a ideia de que uma pensão de reforma deverá corresponder ao valor descontado para o efeito (actualizando os valores para o momento presente), ou seja, um valor como se fosse determinado por um sistema de actualização. Mas esse princípio não pode ser aplicado casuisticamente, quando é conveniente. Se é essa a visão então o sistema de determinação do valor de uma pensão de reforma deverá ser muito mais claro nas suas componentes. È verdade que nos últimos 20 anos se tem caminhado nessa direcção. O “factor de sustentabilidade” no cálculo das pensões que ajusta para a esperança de vida média do reformado (reduzindo a pensão com o aumento do tempo esperado passado em idade de reforma, por forma a pagar sensivelmente o mesmo valor total, corresponde implicitamente a uma noção de capitalização até ao momento da reforma, e depois distribuição do “bolo” assim criado pelos anos de vida remanescentes (estou a simplificar um pouto para reter a essência). Sendo esta a tendência, talvez seja adequado tornar claro em cada pensão de reforma o que é resultante da capitalização e o que é redistribuição. Isto porque rendimentos elevados descontam mais, mas se uma parte do que descontam é para redistribuição, deverá contar para a ideia de capitalização? Se sim, porquê? Em que montante? Um mesmo valor descontado servir dois fins – redistribuiçãoo e “acumulação” para determinação do valor da pensão – é o que se pretende?

Ainda dois aspectos finais. Por um lado, a incerteza criada sobre as pensões futuras de quem desconta hoje. Não só os mecanismos que ligam as contribuições à reforma esperada são complicados como a qualquer momento um Governo os pode alterar.

Por fim, o sistema passado foi susceptível a manipulações, legais mas que eram um “abuso” do sistema do meu ponto de vista. Por exemplo, um valor de pensão de reforma determinado pelo salário do último ano ou dos últimos dois anos favorecia o comportamento de aumento de salário e promoções nesse período de tempo, apenas com o intuito de obter uma pensão de reforma mais elevada. Em várias áreas do sector público foi possível observar esse comportamento (não tenho dados sistemáticos, mas recordo-me de casos desse teor), embora as sucessivas alterações nas regras de cálculo das pensões tenham “tapado” vários desses buracos legais, e nesse sentido tem razão o primeiro-ministro quando refere pensões de valor elevado que não tiveram o trajecto de descontos que seria de supor. Resta saber quanto casos ainda subsistem com esse historial, e se não tendo sido comportamentos ilegais, devem ser alvo de actual “justiça social”.

Conhecer a magnitude da questão levantada pelo primeiro-ministro é importante para se saber se as actuais propostas são uma justiça social tardia (ajustando as pensões à carreira contributiva, admitindo que é essa a regra a seguir) ou se por meia dúzia de casos se está de facto a expropriar quem fez descontos e teve uma carreira contributiva que justique uma pensão elevada. Não basta haver um caso (legal) que corresponda à afirmação do primeiro-ministro para validar uma medida sobre todos.

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Autor: Pedro Pita Barros, professor na Nova SBE

Professor de Economia da Universidade Nova de Lisboa.

4 thoughts on “Pensões de reforma e descontos a menos

  1. ceu's avatar

    se é para ter uma reforma de acordo com o que se desconta quero poder optar por um seguro!

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  2. Pedro Pita Barros, professor na Nova SBE's avatar

    cuidado com o que pedes – se depois tens uma renda mensal do seguro, também te vão tributar essa forte e feio; e vão certamente começar a surgir soluções fora dos mercados formais (isto é, facilmente tributáveis)

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  3. Ângelo's avatar

    Preocupa-me os fundos de pensões transferidos de empresas como a PT para o Estado e os casos de pré-reformas aos 50 anos, ou de promoções à la carte nos últimos anos de carreira de forma a inflacionar reformas, bem como as “donas de casa” que descontaram meia dúzia de anos para ter direito a uma reforma. Se formos juntando cada caso chegaremos ao fim a um grupo de centenas de milhares de pequenos casos. Para não falar na acumulação de reformas aqui e acolá, por vezes simplesmente por se ter trabalhado meia dúzia de meses numa qualquer instituição pública. Estará o governo a querer introduzir uma versão Portuguesa do Modelo Sueco mas sem a criação de emprego associada? Ou simplesmente obrigar por via dos impostos à desvalorização salarial e das pensões? Como poderíamos tornar o sistema mais eficiente partindo do pressuposto que o crescimento e o mercado de trabalho continuará estagnado nos próximos 10 anos? Já me mentalizei que se continuar em Portugal, daqui a 40 anos (tenho 32) já não terei direito a pensão mas estava a ver se pelo menos o ónus de não haver pensão para os meus pais que têm 57 anos não recaía sobre mim… É que suspeito fortemente que bem mais de metade dos Portugueses não tem qualquer dinheiro poupado que ajude numa hecatombe desse género…

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  4. Desconhecida's avatar

    Angelo, inteiramente de acordo sobre os milhentos pequenos casos, e se há necessidade de alterar os valores dessas pensões devíamos saber quantos casos são e que montantes envolvem.

    Sobre a poupança dos portugueses, não têm de facto em geral fundos suficientes para fazer face a essa necessidade de completar (não complementar, é mesmo completar) as reformas públicas.

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