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sobre as privatizações, de uma forma mais geral

2 comentários

Algumas perguntas que recebi nas últimas semanas foram sobre privatizações. Deixo aqui algumas dessas perguntas e umas primeiras respostas.

Q: Devia repensar-se melhor as privatizações tendo em conta que estamos numa fase negativa dos mercados e numa altura em que os ativos estão fortemente desvalorizados? Ou seja, na prática estamos a vender a desconto empresas onde o  Estado investiu largas centenas de milhões de euros ao longo dos anos?

R:
Há vários aspectos a ter em conta:

a) o investimento passado se irrecuperável, é irrelevante para a decisão de hoje – qualquer que seja o caminho escolhido, essas centenas de milhões foram-se!

b) para o futuro, se os privados forem capazes de gerir melhor podem obter melhor rendimento das empresas e pagar já hoje um melhor preço do que o valor futuro dos rendimentos que o Estado retiraria dessas empresas (admitindo por um momento que o estado não continuar a ter perdas em muitas dessas empresas).

c) se os activos estão fortemente desvalorizados face ao que vão valer no futuro, a venda deve ser feita por um preço que tenha em conta as perspectivas futuras. É uma questão de preço, não uma questão de princípio.

d) mais complicado é se o preço de venda é baixo porque há apenas um comprador interessado e há a obrigação de vender. A resposta aqui é definir de forma adequada como se faz a venda, eventualmente com um preço mínimo de venda.

e) a actual situação financeira das contas públicas e da dívida pública sugere que ter dinheiro hoje para abater à dívida vale mais do que ter fluxos futuros, é um argumento a favor da privatização

f) algumas das entidades a privatizar são usadas e abusadas como instrumento de política indirecta do estado, e a privatização irá obrigar a tornar claras essas intervenções, ou a levar ao seu abandono.

g) existem serviços especiais prestados por essas companhias que caiam dentro do que genericamente se designa por “obrigações de serviço universal”? o melhor será definir o que se entende por isso e colocar a sua prestação em concorrência entre diferentes entidades.

Q: É inevitável privatizar?

Inevitável nunca é, mas é aconselhável privatizar.

Q: Privatizar ajuda a resolver os problemas do défice e da competitividade das empresas portuguesas?

Privatizar ajuda em dois lados – pode-se abater à dívida (para que não se financiem défices com medidas extraordinárias), o que beneficia défices futuros por menores juros. Na medida em que o estado deixa de absorver recursos financeiros que são libertados para as empresas, é provável um efeito benéfico para as empresas. Além disso, se os bens e serviços produzidos pelas entidades privatizadas forem produzidos ou fornecidos em regimes de maior concorrência, com menores preços e/ou melhor qualidade de serviço, também as empresas em geral beneficiarão (e os cidadãos, já agora).

Q: Parece-lhe boa ideia privatizar as Águas de Portugal? Riscos e vantagens?

As Águas de Portugal é o caso em que tenho mais dúvidas. Principal risco: pior que um monopólio público é um monopólio privado. A regulação terá que ser fortemente activa. Mas sabendo isso quem compra irá certamente querer proteger-se do risco regulatório, e acredito que mais facilmente o consegue fazer do que o estado defender os seus interesses. Aqui, antes de tomar posição final, preciso de saber mais.

 

Q: Quando estiver tudo privatizado a economia vai por si só ficar mais competitiva?

Não vai ficar tudo privatizado. A pergunta deve ser feita ao contrário, há alguma vantagem em que o estado desempenhe a função de empresário nesses casos?

 

Desconhecida's avatar

Autor: Pedro Pita Barros, professor na Nova SBE

Professor de Economia da Universidade Nova de Lisboa.

2 thoughts on “sobre as privatizações, de uma forma mais geral

  1. marco bittencourt's avatar

    No Brasil, os economistas que ajudaram a montar o esquema tarifário das empresas privatizadas estabeleceram uma regra ubíqua em que há um retorno garantido de 11,5% ao ano, independentemente de qualquer fator. Traduzindo, transformaram as empresas em bancos. Evidentemente, tal prática não se poderia recomendar. Então, o que de fato poderíamos concluir, é que o setor privado capturou o Estado e regula as empresas privatizadas em seu próprio interesse e a seu jeito. Assim, considero relevante a resposta à questão da captura das entidades reguladoras pelo setor privado. Seria este também o caso de Portugal?

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  2. Pedro Pita Barros, professor na Nova SBE's avatar

    Caro Marco,
    A questão da captura do regulador é sempre um problema a ter em atenção. Não creio que neste momento se tenha uma situação como a que descreve para o Brasil. O mais próximo que conheço é remunerações garantidas nos investimentos em alguns tipos de produção de energias renováveis, mas são determinadas directamente pelo Governo e não pela entidade reguladora do sector da energia.

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