no seguimento da publicação do relatório de primavera sobre a saúde em portugal, a discussão nada fácil e nada simples sobre “racionamento”, com um primeiro contributo meu aqui
Racionamento na saúde?
18/06/2012 | 02:39 | Dinheiro Vivo
O recente relatório do Observatório Português de Sistemas de Saúde (OPSS) refere a existência de “múltiplas indicações de racionamento implícito” no Serviço Nacional de Saúde, resultante da contenção orçamental em curso. Essa existência foi prontamente desmentida pelo Ministério da Saúde. Em que ficamos?
Como ponto de partida, racionamento implícito foi definido pelo OPSS como não dar os cuidados adequados sem que tal resulte de uma orientação explícita. Pelo que a afirmação do Ministério da Saúde pode desmentir a existência de orientação explícita. Por outro lado, “indicação” não é evidência, revelando cuidado nas afirmações do OPSS.
Mas para além da argumentação e contra-argumentação, o que chama a atenção é saber se existe ou não racionamento na saúde. Na verdade, sempre existiu e vai existir. Não é possível nem útil, por exemplo, ter hospitais com todas a alta tecnologia existente localizados de 5 em 5 km, ou de 10 em 10 km. E já hoje existem mecanismos de racionamento explícito – quando se considera que um novo medicamento não traz vantagem terapêutica adicional que justifique pagar mais por ele. Aliás, para evitar a carga emocional negativa da ideia de racionamento, o termo habitual que surge é estabelecimento de prioridades, e em contextos de fortes limitações orçamentais, o recurso à expressão inglesa “value for money”.
Para a análise económica, como os recursos são sempre limitados e podem frequentemente ter utilizações alternativas, racionamento existe sempre – o que dou a um, deixo de dar a outro – pelo que o relevante é saber qual o “instrumento” de racionamento usado e com que princípios se estabelece.
A ideia de racionamento implícito quer apenas dizer que pela contenção orçamental em curso, cuidados que antes eram prestados não o estão a ser. Se com contenção orçamental há menos recursos e não se verificam ganhos de eficiência, então terá de ser pela quantidade de serviços prestados que se cumpre o orçamento. Assim, a existência de “racionamento implícito” não decorre automaticamente da contenção orçamental. Basta que haja ganhos de eficiência ou que não se cumpra os orçamentos.
O problema do racionamento implícito é ser aleatório, depende de que entidade está mais limitada financeiramente, e da forma como reage, e do tipo de cuidados que abrange (se é necessário limitar a utilização de cuidados de saúde, está-se a limitar o que tem pouco valor terapêutico?).
Esta é uma discussão difícil de ter nas sociedades, em que a parte emocional tende a predominar. A tentação frequente é afirmar-se que então deve ser estabelecido racionamento explícito, indicando o que é e o que não é coberto pelo Serviço Nacional de Saúde. Em certa medida, quando se avalia se uma nova tecnologia ou procedimento terapêutico deve ser adoptado olhando para os ganhos de saúde que traz e para quanto usa de recursos, está-se a fazer isso. Mas deve-se ir mais além e ter uma lista do que é e não é incluído?
Um relatório recente sobre esta discussão no Reino Unido* defende que estabelecer esse tipo de listas não é exequível e que a tentativa de as criar tenderá a levar a resultados adversos. De acordo com esse relatório, é preferível estabelecer os princípios pelos quais devem ser utilizados os fundos públicos, e ser extremamente claro sobre os fundamentos para exclusão de cobertura pelo Serviço Nacional de Saúde.
Voltando ao título, há racionamento na saúde? Sempre houve e haverá, pela própria natureza de recursos limitados. O importante é organizar a forma como são estabelecidas prioridades no uso desses recursos limitados.
*Rationing health care, Research report, Benedict Rumbold, Vidhya Alakeson and Peter C. Smith, Fevereiro 2012.
18 \18\+00:00 Junho \18\+00:00 2012 às 22:50
O Racionamento dos recursos é útil e deve ser sempre utilizado independentemente do período do ciclo económico que uma nação viva. Creio que onde as políticas de Saúde falham sempre é no estabelecimento de prioridades na alocação desses mesmos recursos, quer por motivos políticos (guerras interpartidárias e ciclos eleitorais), quer por falta de visão a longo prazo em termos demográficos e de fluxos migratórios da população bem como dos prestadores de cuidados em Saúde (para quando a realização de “Censos” sérios ao número de Médicos, enfermeiros e técnicos de Saúde em Portugal e a optimização da sua distribuição pelo país ?), quer no não uso de sistemas de apoio à tomada de decisão ou simplesmente para não ferir a susceptibilidade dos eleitores e da população em geral, como sentiu o ex-ministro Correia de Campos ou em relação por exemplo ao caso da MAC.
Um tema deveras complexo e que coloca frente a frente o racional da tomada de uma decisão e o emocional dos milhões de pessoas que essa decisão afecta. Boa noite.
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19 \19\+00:00 Junho \19\+00:00 2012 às 00:29
Um optimo artigo sobre o tema:
http://www.nytimes.com/2009/07/19/magazine/19healthcare-t.html?pagewanted=all
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19 \19\+00:00 Junho \19\+00:00 2012 às 07:48
Ângelo: sem dúvida que fazem falta uma visão de longo prazo que seja reafirmada frequentemente e os instrumentos de informação, para que o emocional se possa compatibilizar com o racional.
André: é uma boa referência, e mostra como a questão do racionamento é difícil, qualquer que seja o sistema de saúde em causa.
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