a preocupação nacional é em geral cumprir formalmente o que é exigido, mas continuar a fazer o mesmo de sempre, se quisermos mesmo que a actual austeridade não seja permanente, vamos ter que mudar na substância, e não apenas para passarmos o testo de bom aluno;
Cumprir ou transformar?
21/05/2012 | 02:27 | Dinheiro Vivo
Inicia-se em breve mais uma revisão do progresso no programa de ajustamento em curso. É de esperar as habituais imagens de carros negros a passar. Um ano passado sobre o início do processo de auxílio financeiro a Portugal, é altura de começar a olhar com detalhe para a forma como se tem estado a reagir nas diferentes áreas.
O maior problema da economia portuguesa será cumprir o que está escrito, mas sem transformar. Um exemplo, pequeno na dimensão financeira mas importante na sua dimensão humana, vem dos custos com transportes de doentes.
O Memorando de Entendimento, guia do processo de ajustamento, apresenta o compromisso de redução destes custos para o Serviço Nacional de Saúde. E cumprindo, começaram a ser reduzidos. Agora, chegam com regularidade notícias aos meios de comunicação social sobre doentes que deixaram de ir aos tratamentos, nalguns casos prejudicando a sua saúde e qualidade de vida.
A crítica implícita na publicação destas notícias é estar-se a quebrar o acesso a cuidados de saúde necessários para populações que vivem mais isoladas e com menores recursos. A resposta aparente tem sido rever-se quem tem e quem não tem acesso a que o Serviço Nacional de Saúde pague os respectivos transportes para tratamento.
Sendo a crítica a problemas de acesso relevante, devemos é questionar qual deve ser a resposta a dar. Na verdade, talvez seja de voltar ao ponto de partida para a redução dos custos de transporte. Não para colocar em causa esse objectivo, que de alguma forma já vinha sendo sentido como um dos “desperdícios” do sistema. Mas como pode ser um “desperdício” se sem esse transporte, há redução de acesso.
A resposta a esta questão perfeitamente legítima está na diferença entre reduzir os custos de transporte reduzindo o número de pessoas transportadas, ou reduzindo os custos de transporte alterando a necessidade de transporte. Reduzir transportes desnecessários, ou procurar organizar o Serviço Nacional de Saúde para que recolha maiores economias de escala nesta actividade de transporte, é muito diferente de reduzir o número de pessoas transportadas, mantendo-se tudo o resto constante. A redução dos custos de transporte de doentes não necessita de ser uma redução do acesso a cuidados de saúde por parte de franjas da população. A solução adequada para o requisito que é baixar os custos de transporte está em transformar. Transformar significa neste contexto perceber que viagens são realmente precisas do ponto de vista clínico, e quais as que podem ser evitadas ou substituídas por outras abordagens. Identificar as situações em que o seguimento dos doentes possa ser feito por profissionais de saúde mais próximos, por exemplo.
Provavelmente, as soluções a adoptar deverão ser diferentes de região para região, cabendo às entidades do Serviço Nacional de Saúde envolvidas contribuir para encontrar essas soluções.
A chamada de atenção é para a diferença entre cumprir, fazer reduzir os custos de transporte de doentes, e transformar, mudar a forma de tratamento e seguimento dos doentes, em que sem perda da qualidade clínica se possa poupar em custos de transporte.
E este mesmo princípio deverá passar a ser preocupação geral na avaliação do processo de ajustamento da economia portuguesa, em cada área, em cada sector, em cada detalhe. De outro modo, apenas cumprir os objectivos sem transformar a forma de trabalhar não conseguirá ultrapassar os problemas de longo prazo da economia portuguesa. Daí a importância da resposta à pergunta sobre o acompanhamento que mais uma vez se inicia por parte da Comissão Europeia, do Banco Central Europeu e do Fundo Monetário Internacional: está Portugal apenas a cumprir, ou também a transformar?
