Ontem foram referidas declarações de responsáveis da DECO sobre algumas pessoas terem afastado pessoas do SNS, dando-se logo de seguida conta da redução do número de urgências.
É de esperar que esta referência da DECO lance mais um debate acalorado sobre as questões de acesso a cuidados de saúde.
Por isso, há que estabelecer algumas bases antes de entrar nesse debate:
Base 1: há, tradicionalmente, um recurso excessivo aos serviços de urgência hospitalar em Portugal. Creio que se pode aceitar este facto como um ponto de partida, com base na informação sobre um elevado número de episódios de urgência em que o ponto de contacto do doente deveria ter sido outro. O reconhecimento desta situação está na proporção de situações azuis e verdes segundo a triagem de Manchester que são atendidos nas urgências hospitalares, que levou à recomendação do Grupo Técnico para a Reforma Hospitalar (“Atender os Doentes triados como “Não Urgentes” fora das Urgências Hospitalares (…) promover a utilização pelos cidadãos da Linha de atendimento telefónico”).
Base 2: As taxas moderadoras, e sua diferenciação por local de atendimento, são ao mesmo tempo barreiras de acesso e sinais para que os cidadãos utilizem o Serviço Nacional de Saúde de certo modo – no caso, com taxas moderadoras menores nos cuidados de saúde primários, que se desloquem aí antes de ir às urgências hospitalares.
Base 3: As maiores dificuldades de acesso só são motivo de preocupação nos casos em que evitam uma decisão correcta de recurso aos serviços de saúde.
Aceitando-se estas bases, é necessário saber um pouco mais sobre o que a DECO afirmou. Vejamos duas alternativas compatíveis com a afirmação atribuída à DECO e que resultam em conclusões diferentes.
Opção A: as taxas moderadoras levaram a que pessoas com condições clínicas que exigiam recurso à urgência tenham optado por não ser tratadas, agravando o seu estado de saúde, e afinal adiando apenas o recurso ao SNS.
Opção B: as taxas moderadoras levaram a que pessoas com condições clínicas que não exigiam recurso à urgência tenham optado por marcar consulta nos cuidados de saúde primários, ou utilizado o serviço de atendimento telefónico.
Consoante se esteja na Opção A ou na Opção B, a afirmação atribuída à DECO poderá ser preocupante (caso A) ou um bom sinal (caso B). Há que fazer então a distinção entre as duas. Olhar apenas para o número de urgências, por exemplo, não é suficiente. Relendo as opções A e B acima não é esse o aspecto que distingue.
Mais interessante será saber o que sucede em termos de consultas nos cuidados de saúde primários de pessoas que noutras circunstâncias teriam ido às urgências hospitalares, o que implica distinguir os motivos de recurso aos cuidados de saúde primários.
Outra forma é olhar para a proporção de casos pouco graves (os tais azuis e verdes na classificação de Manchester), que deverão estar a diminuir no caso da Opção B mas não no caso da Opção A. A informação sobre o número absoluto de casos segundo cada cor de gravidade na triagem poderá dar também conhecimento útil.
Tudo o resto será cada comentador a “encaixar” os seus pré-juízos e preconceitos numa das duas opções acima (ou noutras similares). Ou seja, mostrem-se os dados, e retirem-se depois as conclusões, devendo haver clareza sobre a base factual usada.
11 \11\+00:00 Maio \11\+00:00 2012 às 09:24
Para uma boa análise sobre esse assunto o melhor seria comparar os internamentos superiores a 24h com origem em episódio de urgência antes e depois das taxas moderadoras, penso que seja um dos melhores indicadores.
Há uns anos pediram-me um relatório com a distribuição de internamentos com origem na urgência por tipo de triagem, curiosamente, como a proporção era mais ou menos idêntica pelas cores todas, perdeu-se numa gaveta.
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11 \11\+00:00 Maio \11\+00:00 2012 às 09:26
é uma boa sugestão, e também não deve ser difícil recolher essa informação no sistema de informação.
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11 \11\+00:00 Maio \11\+00:00 2012 às 09:49
E é bastante simples se a integração entre o atendimento da urgência e o Sonho estiver implementada a 100%… o que nem sempre acontece quando se fala em triagem de manchester, infelizmente.
Depende do hospital.
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11 \11\+00:00 Maio \11\+00:00 2012 às 12:48
O problema não é apenas um de integração entre registos do atendimento de urgência e do SONHO, é também de integração entre cuidados de saúde primários e cuidados de saúde hospitalar. Aqui o “menor” dos problemas (que não deixa, no entanto, de ser um problema grande) até é o da integração de SI ou até do tipo de dados que conseguem extrair-se de uns e outros Sistemas.
O problema é mais de integração formal / diálogo entre os diversos níveis de cuidados de saúde
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