Nos últimos dias, a propósito de mais uma avaliação intercalar feita pela troika, e também no contexto da discussão do Orçamento do Estado, voltou-se a falar da “transformação estrutural” e da importância que maior concorrência deverá ter no funcionamento de uma economia mais competitiva (isto é, que consiga criar riqueza). Ao mesmo tempo surgiu uma notícia sobre as (difíceis) relações entre uma empresa de grande distribuição e os seus fornecedores, e sobre se essas dificuldades podem ou devem ser tratadas dentro dos problemas de concorrência.
Precisamente sobre este tema, em Setembro de 2011, realizou-se na Nova School of Business and Economics (fica sempre bem um pouco de publicidade) um seminário de um dia sobre este tema, do qual reproduzo aqui o resumo:
SEMINÁRIO DE CONCORRÊNCIA
«As relações Produção/Distribuição. Possíveis Soluções»
21 de Setembro de 2011
A Nova School of Business and Economics, em colaboração com a Centromarca, organizou um Seminário de Concorrência dedicado ao tema «as relações Produção/Distribuição. Possíveis soluções». O seminário contou com apresentações sobre a perspectiva europeia e a perspectiva nacional, esta última com uma referência à revisão da legislação de concorrência que se encontra actualmente em preparação. Foram apresentadas as experiências inglesa e espanhola e exploradas as suas implicações. Por fim, realizou-se uma mesa redonda que discutiu a realidade nacional, bem como possíveis soluções para a questão em apreço.
Adina Claici, economista da Comissão Europeia, apresentou o que tem sido a atividade da Comissão nesta área. Ficou claro que a Comissão Europeia tem como preocupação o bem-estar dos consumidores e que práticas seguidas nas relações entre empresas são apenas relevantes na medida em que possam afectar de forma adversa os consumidores. Claici apresentou ainda uma discussão sobre marcas próprias, espaço de prateleira e relações de poder entre produção e distribuição, para concluir por uma escassa lista de casos que se podem considerar estar mais próximos destas preocupações. A visão da Comissão Europeia, que tem reflexo na visão das Autoridades de Concorrência, encontra-se reflectida na análise de mercado feita recentemente, e em que baixas margens foram encontradas para a atividade de distribuição, sugerindo, segundo o relatório da Comissão Europeia, um mercado relativamente concorrencial.
José Cruz Vilaça, advogado, sócio da PLMJ – Sociedade de Advogados, discutiu em que medida a legislação de defesa da concorrência nacional poderá ser usada para intervir nas relações entre produção e distribuição. A primeira parte da sua intervenção focou o conceito de dependência económica e as dificuldades que ele levanta em termos de aplicação prática. A principal conclusão é a de que as dificuldades destas relações produção – distribuição devem ser tratadas fora do âmbito da política de concorrência. Cruz Vilaça não sugere que haja neste campo alterações no atual enquadramento.
Peter Freeman, membro do «Competition Appeal Tribunal» do Reino Unido e anterior presidente da «Competition Commission» do Reino Unido, apresentou uma descrição da situação naquele país e discutiu avenidas de resolução deste problema. A caracterização da situação inglesa, apresentada em relatório realizado pela «Competition Commission», é essencialmente similar à verificada em Portugal, em termos qualitativos. No entanto, existem diferenças importantes entre os dois países em termos de capacidade de intervenção das autoridades de concorrência. Reconhecendo o princípio geral de que o objectivo de atuação das autoridades deva ser os efeitos sobre os consumidores, a investigação aprofundada realizada no Reino Unido apontou para ausência de danos imediatos, mas potenciais danos no longo prazo, das tensões e problemas detetados nas relações entre produção e distribuição. Ao contrário das opiniões expressas pelos oradores antecedentes, Peter Freeman considera haver espaço para intervenção por parte da legislação de defesa da concorrência, que no entanto deve ser vista no âmbito dos poderes de investigação (mais alargados) que existem no Reino Unido face aos restantes países da União Europeia. A solução preconizada no Reino Unido passa pela criação de um código de conduta mais alargado, mais detalhado, e que deverá constar obrigatoriamente dos contratos entre retalhistas e produtores. Este cria a figura de um «adjudicator» que tem como missão zelar pelo bom cumprimento do código de conduta.
Javier Berasategi, advogado, anterior presidente do Tribunal Basco da Concorrência, enfatizou a importância de não se partir para conclusões precipitadas ao considerar que a concorrência na atividade retalhista é suficiente e sem dano para os consumidores. Berasategi advogou uma mudança de paradigma, no sentido de se conceber a atividade de distribuição como uma plataforma de acesso aos consumidores tal como definida na literatura sobre mercados «two-sided».
Vasco Santos, professor da Nova School of Business and Economics, na sua introdução à realidade nacional, focou vários aspectos que sugerem existir um mal-estar nas relações produção – distribuição em Portugal. Enfatizou os aspectos relacionados com um clima de receio por parte dos produtores, à semelhança do que foi descrito por Peter Freeman no caso do Reino Unido, com a partilha de risco entre as partes, com a presença produtos «look-alike» e «copy cat» e, em geral, com práticas que potencialmente podem afectar o funcionamento do mercado, e que merecem atenção cuidada e tratamento adicional.
Em comentário, José Amado da Silva, presidente do Conselho de Administração, ICP/ANACOM, debateu o conceito de infraestrutura essencial e a sua eventual aplicação no contexto destas relações, explorando os argumentos a favor e contra essa classificação para as áreas de grande distribuição, incluindo o papel da separação vertical de atividades, advogada em alguns outros sectores económicos. A sua conclusão pendeu mais para a não consideração da grande distribuição como sendo uma infraestrutura essencial, não se justificando uma intervenção das autoridades económicas por esse motivo.
Carlos Botelho Moniz, advogado sócio, Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva
- Sociedade de Advogados, reiterou que o abuso de dependência económica é um conceito de aplicação complexa, uma vez que parte de uma noção de dominância relativa de difícil demonstração. Referindo-se ao conceito de infraestrutura essencial, argumentou que a sua aplicação no contexto das relações entre produção e distribuição tem fragilidades, não encontrando na análise jurídica suporte para essa eventual classificação da atividade de distribuição. Apontou como resposta mais promissora para este problema a auto-regulação, embora reconhecendo que é difícil mas necessário ultrapassar o problema de garantir a aplicação de códigos de conduta.
João Gata, economista-chefe, Autoridade da Concorrência, referiu-se à posição da Autoridade da Concorrência expressa no seu recente relatório, em que claramente se define que o espaço de prateleira das áreas de grande distribuição não cumpre todas as condições para ser considerado como infraestrutura essencial. Explicitou os princípios que presidiram à realização do relatório da Autoridade da Concorrência, e às suas principais conclusões. Reconheceu que este problema não é novo, e que apesar de um anterior código de boas práticas não ter tido grande impacto, poderá ser essa a via de progresso. Reconheceu também que as exigências da distribuição face à produção, em termos de qualidade de produtos e mesmo de gestão contribuiu para o desenvolvimento e maior sofisticação dos produtores. Defendeu, em particular, um muscular de um código de boas práticas, que seja de facto aplicado, sublinhando a importância de obter informação sobre a evolução do mercado. A publicação de um índice de cumprimento do código de boas práticas foi apresentado como um instrumento potencial.
Como sumário, ficou patente das várias intervenções que os problemas que têm vindo a ser identificados nas relações entre produção e distribuição, relatados em vários relatórios nacionais e de outros países, dificilmente são solucionáveis pela legislação de defesa da concorrência. Não é visível uma situação clara de perda de bem-estar para os consumidores, que constitui o referencial para atuação das autoridades de concorrência, pelo menos no curto prazo. A verificação de efeitos de longo prazo é bastante mais difícil de concretizar, e não tem sido produzida evidência que motive uma atuação das autoridades de concorrência, à excepção da inglesa.
Da discussão resultou igualmente que o conceito de abuso de dependência económica, embora constante da atual lei de concorrência nacional e previsivelmente a ser mantido após a revisão desta, é complexo e não constituirá a forma de resolução dos problemas existentes na relação vertical entre produção e distribuição. O conceito de infraestrutura essencial, que potencialmente poderá determinar uma intervenção das autoridades económicas, foi também visto como não sendo aplicável, quer do ponto de vista dos princípios económicos subjacentes ao conceito, quer do ponto de vista de enquadramento jurídico. A regulação direta, ou a intervenção sancionatória ao abrigo de disposições da legislação da concorrência, foi tida como difícil de sustentar de forma sistemática e permanente. Tal não impede que algumas práticas nas relações produção – distribuição sejam anti-concorrenciais, e como tal sancionadas. Contudo, essa não será a situação mais frequente.
A experiência internacional e as reflexões realizadas apontam para o desenvolvimento de códigos de boa conduta que sejam de algum modo «musculados», com um agente próprio para zelar e publicitar os seus efeitos.
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