Momentos económicos… e não só

About economics in general, health economics most of the time


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restrição orçamental e problemas éticos na prescrição

No dia 29 de Novembro, participei na conferência do Conselho Nacional da Ética para as Ciências da Vida, onde me foi proposto o tema do título. Diversos aspectos importantes foram discutidos, e nalguns casos valerá a pena retomar a discussão de forma mais completa.

As diversas intervenções tiveram abordagens diferentes mas complementares. Tanto quanto percebi as comunicações estarão posteriormente disponíveis. Para ir avançando caminho, deixo aqui disponível a minha apresentação.


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e sairam diplomas induzidos pela troika

Na perspectiva de ir acompanhando o que vai sendo publicado como medidas de resposta ao Memorando de Entendimento, hoje saíram as duas seguintes, correspondendo a resoluções do Conselho de Ministros de há dois meses:

Decreto-Lei 112/2011 – preços de medicamentos e margens na distribuição

Decreto-Lei 113/2011 – taxas moderadoras

Como principais novidades:

a) a introdução de margens regressivas na remuneração da distribuição, e com fixação de um valor fixo por dispensa no escalão mais elevado.

b) ter como países de comparação Itália, Espanha e Eslovénia. A inclusão de apenas países do euro é de saudar, por evitar a instabilidade cambial que estaria presente se fossem usados preços de outras áreas.

c) resta saber se as avaliações anuais dos preços vão ser realizadas ou se sucede como no passado recente

d) as taxas moderadoras seguem o que já tinha sido anunciado, resta agora conhecer os valores. De resto, apenas de uma leitura rápida, no essencial parecem manter-se as isenções de taxas moderadoras, com pequenos ajustamentos.

Nos próximos dias, havendo tempo, dedicarei algum tempo mais a ver estes diplomas. Mas está cumprida uma parte do programa da troika no campo da saúde.

 

(post gémeo com Estado Vigil)


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como habitual, à segunda-feira, dinheirovivo.pt

original aquí, reproduzido abaixo

Compromissos, transparência e crescimento económico

28/11/2011 | 10:57 | Dinheiro Vivo

Está a terminar por estes dias a discussão sobre a proposta de Orçamento do Estado para 2012. É uma proposta com resultado de votação anunciado, quer pelos que vão votar a favor quer pelos que se vão abster e pelos que vão votar contra. Apesar desse resultado conhecido antecipadamente, é importante que decorra um debate sério sobre as opções tomadas e as escolhas feitas. E a este respeito, dois aspectos têm estado menorizados em termos de atenção.

O primeiro aspecto é a discussão técnica do Orçamento. Tem estado praticamente ignorado o trabalho de apoio desenvolvido pela Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) da Assembleia da República. O relatório que produziram no início de Novembro fornece uma visão compacta e uma apresentação do Orçamento resumida, mas informativa. Identificam também os riscos que estão presentes no próximo orçamento. Apesar da discussão pública e política se ter centrado nos aspectos de justiça social e redistribuição, é importante vir a conhecer as respostas para algumas das questões colocadas por este relatório da UTAO. Por exemplo, o ano de 2011 acaba por ter o objectivo do défice marcado pela adopção de medidas extraordinárias, e 2012 terá de ser alcançado com um ajustamento efectivo mais forte do que é aparente pelos grandes números de cada ano.

O segundo aspecto é a necessidade de não deixar que a discussão se esgote no aspecto distributivo. É importante que uma vez terminada a votação do Orçamento do Estado, os esforços políticos se voltem para a agenda de médio prazo de construir um crescimento económico. Até aqui todos estarão de acordo. A discussão estará em como fazê-lo. Passará certamente por uma alteração da própria estrutura produtiva. Os sectores económicos mais importantes hoje poderão não sê-lo daqui a cinco anos. As empresas líder poderão ser outras. Haverá mudanças de empregos, mudança de região. Pede-se explicitamente a todos que tenham disponibilidade para aceitar sacrifícios, que se espera sejam temporários. Em economia não há muitas certezas mecânicas, e as que existem não ajudam a gerar crescimento económico automaticamente.

A este respeito seria interessante ter de cada Ministério uma folha A4, não mais, sobre que impacto terá sobre taxa de crescimento da economia as medidas que vão adoptar no ano de 2012. Essa reflexão teria três papéis a meu ver úteis: 1) dar a conhecer ao cidadão a actuação de cada Ministério e sua relevância para o principal problema nacional, a estagnação económica, 2) levar cada Ministério a pensar no que é a sua contribuição para o crescimento da economia, e 3) criar um compromisso de cada Ministério para com a Sociedade, um compromisso de servir melhor a Sociedade que possa ser verificado daqui a um ano (ou mesmo mais tarde).

No actual momento político e económico, nacional e europeu, as incertezas são muitas, e os melhores planos e intenções podem falhar. As exigências pedidas à sociedade portuguesa são grandes, uma vez que se tem que produzir uma redução do nível de vida a menos que haja um salto (inesperado) na produtividade nacional. As tensões sociais num ano de forte contracção económica surgirão certamente. A distância entre o Governo e os cidadãos tem que ser encurtada face à nossa tradição. Os cidadãos têm que sentir que o (seu) Estado está comprometido com a Sociedade e não apenas ocupado em sobreviver sem transformações significativas (unicamente com salários mais baixos).

Esses compromissos, e a transparência a que obrigam, seriam (serão?!) um instrumento de confiança para que o Estado se possa constituir como um facilitador do crescimento económico.

 

Nova School of Business and Economics
Escreve à segunda-feira


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qualquer coisa…ware

Hoje apetece-me recuperar alguns termos e passar a usá-los para classificar do documentos produzidos:
– relatório – documento escrito, com introdução, argumentos, dados se apropriado, interpretação e conclusões. Em casos muito especiais poderá ter existido um processo prévio à divulgação de crítica interna e revisão, caso em que o relatório passa para a categoria de estudo.
– powerpointware – conjunto de slides apresentados por grupos de estudo, comissões, consultores ou consultoras. Normalmente a cores, formato landscape. Têm a particularidade de em geral não ser claro como as conclusões decorrem das informações contidas nos slides. É frequente ser confundido com o relatório.
– mediaware – conjunto de informação cedida aos meios de comunicação social para que estes façam notícia sem que mais ninguém tenha capacidade de verificação. Quem cede envia o que acha que os meios de comunicação irão usar de modo que lhe interesse; os meios de comunicação utilizam da forma que acham que mais capta a atenção. Os dois interesses podem ou não coincidir. O mediaware pode dar origem a powerpointware, e nalguns casos haver mesmo um relatório.
– vaporware – anúncio de estudo ou das suas conclusões sem que haja qualquer base de informação verificável. Facilmente identificável quando alguém começa uma frase como “existe um estudo em curso que diz…”
– visionware – anúncio de conclusão de estudo ou relatório de grupo ou da comissão ainda a criar ou constituir. Demonstra a visão de quem anuncia quanto ao resultado de análise a ser feita e que produzirá vaporware, powerpointware e/ou relatório (todas, algumas ou nenhuma das alternativas).


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Lições de história

No Congresso da APDC, ontem, o historiador Rui Ramos fez uma comparação entre a crise de 1892 e a crise de 2011 em Portugal. Muito interessante. Fiquei a saber que se nós temos o BPN os nossos bisavós tiveram o Banco Lusitano.  Que também houve reduções de salários na função pública em 1892.  Que nessa altura se optou por não pagar a dívida em lugar de recorrer à ajuda externa, por medo das condições que essa ajuda poderia impor (nomeadamente ter como penhor as colónias). Que parte do não pagamento da dívida externa se deveu à luta partidária e à popularidade que tinha não pagar. Mas o crédito externo desapareceu por muitos anos como consequência. E apontou dois erros, que se transformam em duas lições para os dias de hoje:

1) o país deixou-se encantar por uma ideia de economia e protegida pelo Estado; a monetarização do défice público levou a inflação e a crédito caro. A economia cresceu menos. Lição 1: só a participação na economia global permite a pequenos países terem elevadas taxas de crescimento durante longos períodos de tempo, mas essa participação exige muita flexibilidade para ajustar à mudança. Um país pequeno e de recursos limitados tem que ter capacidade de resposta.

2) um sistema político representativo, com ordem pacificamente aceite por todos, tende a tornar-se um sistema distributivo (dos recursos do Estado). Começa por distribuir o que está disponível e depois passa a distribuir o que consegue obter por crédito.

Esta análise de Rui Ramos, a ser completada com a leitura da sua entrevista ao Jornal Público , deve-nos fazer pensar nas tentações dos dias de hoje, em que existe quem aponte o caminho do não pagamento e de uma economia virada para dentro como solução. O que a história económica portuguesa nos ensina é precisamente o contrário. Numa atitude da mais pura função pública portuguesa, basta uma palavra: Divulgue-se !


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concorrência e práticas comerciais

Nos últimos dias, a propósito de mais uma avaliação intercalar feita pela troika, e também no contexto da discussão do Orçamento do Estado, voltou-se a falar da “transformação estrutural” e da importância que maior concorrência deverá ter no funcionamento de uma economia mais competitiva (isto é, que consiga criar riqueza). Ao mesmo tempo surgiu uma notícia sobre as (difíceis) relações entre uma empresa de grande distribuição e os seus fornecedores, e sobre se essas dificuldades podem ou devem ser tratadas dentro dos problemas de concorrência.

Precisamente sobre este tema, em Setembro de 2011, realizou-se na Nova School of Business and Economics (fica sempre bem um pouco de publicidade) um seminário de um dia sobre este tema, do qual reproduzo aqui o resumo:

SEMINÁRIO DE CONCORRÊNCIA

«As relações Produção/Distribuição. Possíveis Soluções»

21 de Setembro de 2011

A Nova School of Business and Economics, em colaboração com a Centromarca, organizou um Seminário de Concorrência dedicado ao tema «as relações Produção/Distribuição. Possíveis soluções». O seminário contou com apresentações sobre a perspectiva europeia e a perspectiva nacional, esta última com uma referência à revisão da legislação de concorrência que se encontra actualmente em preparação. Foram apresentadas as experiências inglesa e espanhola e exploradas as suas implicações. Por fim, realizou-se uma mesa redonda que discutiu a realidade nacional, bem como possíveis soluções para a questão em apreço.

Adina Claici, economista da Comissão Europeia, apresentou o que tem sido a atividade da Comissão nesta área. Ficou claro que a Comissão Europeia tem como preocupação o bem-estar dos consumidores e que práticas seguidas nas relações entre empresas são apenas relevantes na medida em que possam afectar de forma adversa os consumidores. Claici apresentou ainda uma discussão sobre marcas próprias, espaço de prateleira e relações de poder entre produção e distribuição, para concluir por uma escassa lista de casos que se podem considerar estar mais próximos destas preocupações. A visão da Comissão Europeia, que tem reflexo na visão das Autoridades de Concorrência, encontra-se reflectida na análise de mercado feita recentemente, e em que baixas margens foram encontradas para a atividade de distribuição, sugerindo, segundo o relatório da Comissão Europeia, um mercado relativamente concorrencial.

José Cruz Vilaça, advogado, sócio da PLMJ – Sociedade de Advogados, discutiu em que medida a legislação de defesa da concorrência nacional poderá ser usada para intervir nas relações entre produção e distribuição. A primeira parte da sua intervenção focou o conceito de dependência económica e as dificuldades que ele levanta em termos de aplicação prática. A principal conclusão é a de que as dificuldades destas relações produção – distribuição devem ser tratadas fora do âmbito da política de concorrência. Cruz Vilaça não sugere que haja neste campo alterações no atual enquadramento.

Peter Freeman, membro do «Competition Appeal Tribunal» do Reino Unido e anterior presidente da «Competition Commission» do Reino Unido, apresentou uma descrição da situação naquele país e discutiu avenidas de  resolução deste problema. A caracterização da situação inglesa, apresentada em relatório realizado pela «Competition Commission», é essencialmente similar à verificada em Portugal, em termos qualitativos. No entanto, existem diferenças importantes entre os dois países em termos de capacidade de intervenção das autoridades de concorrência. Reconhecendo o princípio geral de que o objectivo de atuação das autoridades  deva ser os efeitos sobre os consumidores, a investigação aprofundada realizada no Reino Unido apontou para ausência de danos imediatos, mas potenciais danos no longo prazo, das tensões e problemas detetados nas relações entre produção e distribuição. Ao contrário das opiniões expressas pelos oradores antecedentes, Peter Freeman considera haver espaço para intervenção por parte da legislação de defesa da concorrência, que no entanto deve ser vista no âmbito dos poderes de investigação (mais alargados) que existem no Reino Unido face aos restantes países da União Europeia. A solução preconizada no Reino Unido passa pela criação de um código de conduta mais alargado, mais detalhado, e que deverá constar obrigatoriamente dos contratos entre retalhistas e produtores. Este cria a figura de um «adjudicator» que tem como missão zelar pelo bom cumprimento do código de conduta.

Javier Berasategi, advogado, anterior  presidente do Tribunal Basco da Concorrência, enfatizou a importância de não se partir para conclusões precipitadas ao considerar que a concorrência na atividade retalhista é suficiente e sem dano para os consumidores. Berasategi  advogou uma mudança de paradigma,  no sentido de se conceber a atividade de distribuição como uma plataforma de acesso aos consumidores tal como definida na literatura sobre mercados «two-sided».

Vasco Santos, professor da Nova School of Business and Economics, na sua introdução à realidade nacional, focou vários aspectos que sugerem  existir um mal-estar nas relações produção – distribuição em Portugal.  Enfatizou os aspectos relacionados com um clima de receio por parte dos produtores, à semelhança do que foi descrito por Peter Freeman no caso do Reino Unido, com a partilha de risco entre as partes, com a presença produtos «look-alike» e «copy cat» e, em geral, com práticas que potencialmente podem afectar o funcionamento do mercado, e que merecem atenção cuidada e tratamento adicional.

Em comentário, José Amado da Silva, presidente do Conselho de Administração, ICP/ANACOM, debateu o conceito de infraestrutura essencial e a sua eventual aplicação no contexto destas relações, explorando os argumentos a favor e contra essa classificação para as áreas de grande distribuição, incluindo o papel da separação vertical de atividades, advogada em alguns outros sectores económicos. A sua conclusão pendeu mais para a não consideração da grande distribuição como sendo uma infraestrutura essencial, não se justificando uma intervenção das autoridades económicas por esse motivo.

Carlos Botelho Moniz, advogado sócio, Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva
- Sociedade de Advogados, reiterou que o abuso de dependência económica é um conceito de aplicação complexa, uma vez que parte de uma noção de dominância relativa de difícil demonstração. Referindo-se ao conceito de infraestrutura essencial, argumentou que a sua aplicação no contexto das relações entre produção e distribuição tem fragilidades, não encontrando na análise jurídica suporte para essa eventual classificação da atividade de distribuição. Apontou como resposta mais promissora para este problema a auto-regulação, embora reconhecendo que é difícil mas necessário ultrapassar o problema de garantir a aplicação de códigos de conduta.

João Gata, economista-chefe, Autoridade da Concorrência, referiu-se à posição da Autoridade da Concorrência expressa no seu recente relatório, em que claramente se define que o espaço de prateleira das áreas de grande distribuição não cumpre todas as condições para ser considerado como infraestrutura essencial. Explicitou os princípios que presidiram à realização do relatório da Autoridade da Concorrência, e às suas principais conclusões. Reconheceu que este problema não é novo, e que apesar de um anterior código de boas práticas não ter tido grande impacto, poderá ser essa a via de progresso.  Reconheceu também que as exigências da distribuição face à produção, em termos de qualidade de produtos e mesmo de gestão contribuiu para o desenvolvimento e maior sofisticação dos produtores. Defendeu, em particular, um muscular de um código de boas práticas, que seja de facto aplicado, sublinhando a importância de obter informação sobre a evolução do mercado. A publicação de um índice de cumprimento do código de boas práticas foi apresentado como um instrumento potencial.

Como sumário, ficou patente das várias intervenções que os problemas que têm vindo a ser identificados nas relações entre produção e distribuição, relatados em vários relatórios nacionais e de outros países, dificilmente são solucionáveis pela legislação de defesa da concorrência. Não é visível uma situação clara de perda de bem-estar para os consumidores, que constitui o referencial para atuação das autoridades de concorrência, pelo menos no curto prazo. A verificação de efeitos de longo prazo é bastante mais difícil de concretizar, e não tem sido produzida evidência que motive uma atuação das autoridades de concorrência, à excepção da inglesa.

Da discussão resultou igualmente que o conceito de abuso de dependência económica, embora constante da atual lei  de concorrência nacional e previsivelmente a ser mantido após a revisão desta, é complexo e não constituirá a forma de resolução dos problemas existentes na relação vertical entre produção e distribuição. O conceito de infraestrutura essencial, que potencialmente poderá determinar uma intervenção das autoridades económicas, foi também visto como não sendo aplicável, quer do ponto de vista dos princípios económicos subjacentes ao conceito, quer do ponto de vista de enquadramento jurídico. A regulação direta, ou a intervenção sancionatória ao abrigo de disposições da legislação da concorrência, foi tida como difícil de sustentar de forma sistemática e permanente. Tal não impede que algumas práticas nas relações produção – distribuição sejam anti-concorrenciais, e como tal sancionadas. Contudo, essa não será a situação mais frequente.

A experiência internacional e as reflexões realizadas apontam para o desenvolvimento de códigos de boa conduta que sejam de algum modo «musculados», com um agente próprio para zelar e publicitar os seus efeitos.


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revisão da lei da concorrência

Foi recentemente colocada a consulta pública a nova lei da concorrência, aqui.

De um modo global, na parte de princípios económicos subjacentes e sua aplicação, a nova proposta de lei não gera grandes problemas. O elemento mais marcante é de colocar os “compromissos” como o elemento mais estruturante da actuação da autoridade da concorrência, o que torna o sistema exigente em termos de consistência de actuação por parte da autoridade da concorrência, mas também exigente em termos de verificação e monitorização dessa actuação. Havendo mais discricionaridade na actuação da autoridade da concorrência, as contestações tenderão a ser maiores e a focar em (eventualmente pretensa) discriminação injusta de umas empresas face a outras. A fundamentação técnica das decisões da autoridade da concorrência terá de ser muito clara, transparente e sujeita a escrutínio.
Sem prejuízo de uma leitura mais cuidada, junto algumas observações para discussão:

1. No Artigo 4º – Serviços de Interesse Económico Geral – como seria de esperar são excluídos da aplicação da lei os monopólios legais sempre que a aplicação da lei da concorrência tenha conflito com “a missão particular que lhes foi confiada”. A dúvida é o que significa “missão particular” e como clarificar. O ideal seria os contratos de concessão estabelecerem qual é essa missão. De qualquer modo como nunca se terá um “contrato completo”, no sentido de todas as contingências relevantes ficarem expressas, convém saber que posição de partida cabe a cada parte em caso de conflito – cabe à empresa demonstrar que um questionamento da autoridade da concorrência conflitua com a missão particular? ou é mais apropriado o contrário, a autoridade da concorrência ter de demonstrar que não conflitua para poder intervir?

2. No artigo 6º – Prioridades no exercício da sua missão – confesso que fico sem saber o que esperar do último ponto, a autoridade da concorrência ter que publicitar as suas prioridades para o ano seguinte sem referência sectorial. Não vejo o que possa ser escrito que não sejam princípios muito gerais, e provavelmente pouco úteis. Sobretudo se depois a actuação da autoridade da concorrência for confrontada com cumprir ou não essas “prioridades”.

Já a capacidade da autoridade da concorrência em definir em caso que lhe seja proposto o seu grau de prioridade de actuação é relevante, sobretudo num contexto de recursos escassos. Igualmente importante porém é ter a capacidade de justificar a prioridade atribuída a cada caso.

3. O artigo 21 dá a possibilidade de negociação entre a autoridade da concorrência e as empresas, para que se terminem práticas (ou os seus efeitos) que sejam lesivas da concorrência. Tem um lado positivo, permite uma maior celeridade de resolução de situações. Tem um problema, se não for público o resultado dessa negociação, poderá ser facilmente criada a ideia de que existe uma lei para uns e uma lei para outros. Mesmo que a aplicação da lei seja escrupulosamente igual para todos por parte da autoridade da concorrência, haverá sempre quem queira levantar essa suspeita (nomeadamente as empresas que não queiram aceitar compromissos), o que poderá vir a ser complicado de gerir e justificar ex-post.

4. A possibilidade de medidas cautelares é também uma ideia interessante, embora novamente possam surgir erros – o que fazer quando são impostas medidas cautelares que depois de análise se revelarem excessivas e danosas para as empresas? poderão ocorrer situações de irreversibilidade? não ficou para mim claro como estas situações serão geridas (ou simplesmente assume-me que existem erros?!)

5.Notificação de operações de concentração – mantém-se uma lógica de quota de mercado para além de volume de negócios, embora com alguns refinamentos, em que se descarta problemas quando não se crie uma quota de mercado superior a 50%. É um compromisso razoável. Excluir totalmente uma posição relativa das empresas criaria a ideia de que existem mercados pequenos demais para serem analisados, em que pequeno seria definido por um critério de volume de negócios. Obviamente não é uma situação perfeita. Por exemplo, não será difícil em que uma operação de concentração em que a quota de mercado passe de 97 para 98% tenha menos problemas do que uma outra em que se passe de 31 para 49%. A primeira situação tem que ser objecto de análise enquanto a segunda não. Desde que as decisões sejam consistentes, coloca-se apenas uma questão de uso de recursos. Porém, não existe uma regra absoluta, em que não se consiga desenhar um caso, mesmo que hipotético, que obrigue a excepção.

 


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Mi(ni)stérios

Contribuição para o dinheirovivo como usual, aqui.

 

Mi(ni)stérios

21/11/2011 | 04:55 | Dinheiro Vivo

Economia
Tornou-se evidente que o Ministro da Economia e Emprego se tornou o alvo político do momento. Mas entre as várias declarações de diverso tom proferidas durante a semana, não deixa de ser curioso que não se tenha produzido qualquer análise séria e detalhada do que o Orçamento do Estado prevê para 2012 neste campo. A discussão centra-se ao nível das declarações deste ou daquele, faltando objectividade.

Vejamos, é por demais claro que nos dias que correm a concessão de subsídios deixou de ser um instrumento privilegiado. O custo de oportunidade desses subsídios público aumentou consideravelmente, e se no passado já era duvidoso qual a rentabilidade da sua aplicação, hoje dificilmente se conseguirá justificar do ponto de vista social a concessão de avultados subsídios (claro que do ponto de vista privado, é sempre interessante receber subsídios, pelo que os pedidos não esmorecerão).

Olhando para as intenções do Ministério da Economia e Emprego, tal como descritas no Relatório do Orçamento do Estado, a aposta para o crescimento futuro da economia está no empreendedorismo e inovação. Dificilmente encontraremos um diagnóstico que discorde da importância desse caminho. Só que os interlocutores habituais, oficiais ou mediáticos, são normalmente empresas ou representantes de empresas ou trabalhadores. Ou seja, representantes do que existe e não do que poderá existir e ser inovador. Por exemplo, se uma inovação criar um novo sector de actividade à custa de outro existente, apenas este último terá “representantes” a procurar medidas que o defendam do primeiro.

O principal instrumento do Ministério da Economia está na definição de enquadramentos e regras. Que devem ser o mais neutrais possíveis na escolha entre sectores actuais e potenciais, se se quer de facto promover a inovação. Promover inovação significa também uma enorme capacidade da equipa dirigente do Ministério da Economia e Emprego em resistir às pressões, públicas e privadas, oficiais e informais, que existem e vão existir a favor deste ou daquele sector, desta ou daquela empresa.

Justiça
O bom funcionamento do sistema judicial é reconhecidamente uma das pré-condições para que ocorra o investimento necessário para que a actividade económica volte a crescer em Portugal. O Memorando de Entendimento é muito claro num conjunto de exigências de melhorias operacionais no sistema judicial. Sem essas melhorias, a possibilidade de um qualquer investimento ser “expropriado” ao investidor por mau funcionamento do sistema de justiça é obviamente um dissuasor importante desse investimento em primeiro lugar. Ora, olhando para o Relatório do Orçamento do Estado para 2012, a preocupação principal aparenta ser reforma e revisão de códigos, e pouco ou nada sobre metas de melhorias operacionais, redução de tempos de decisão, etc…

Não sendo especialista da área da Justiça, depois de ler o que está no Memorando de Entendimento, a sensação é a de que o problema está na aplicação das leis, e não no seu conteúdo, de uma forma geral. Avançar para alterar conteúdos servirá apenas para continuar a justificar o mau funcionamento operacional da aplicação da justiça em Portugal. Deve-se exigir mais.

Não é claro como o Ministério da Justiça pretende colocar, em curto espaço de tempo, o funcionamento do sistema judicial ao serviço da sociedade e da economia, em lugar da procura do sistema legal perfeito.

Pedro Pita Barros
Nova School of Business and Economics
ppbarros@novasbe.pt


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produtividade por hora, horários de trabalho, etc… e tal

A discussão sobre mais meia hora de trabalho, sobre menos feriados, sobre menos “pontes”, reduções de salários tem de alguma forma dominado as atenções nos últimos tempos, sobretudo neste período de discussão do orçamento do estado e de avaliação do progresso registado no Memorando de Entendimento. Tudo isto ao mesmo tempo que uma medida a seu tempo emblemática, a descida da TSU, desapareceu do mapa político.

Para procurar perceber melhor a relevância de mais ou menos dias de trabalho, decidi procurar alguma informação adicional, com comparações com outros países, Irlanda e Grécia, por estarem como nós sob um programa de apoio financeiro internacional, a Alemanha e a França por serem referenciais do euro, Inglaterra e Suécia por serem da União Europeia mas não da zona euro, e a Espanha por ser o nosso principal parceiro comercial e país vizinho. Coloquei também a Polónia nos países de comparação, por ser um país onde várias empresas nacionais têm investido com sucesso.

Usei para o efeito os dados da Penn World Table  (Alan Heston, Robert Summers and Bettina Aten, Penn World Table Version 7.0, Center for International Comparisons of Production, Income and Prices at the University of Pennsylvania, May 2011.) O ponto de partida foi o PIB per capita, ajustada de power de compra.

Como seria de esperar, encontramos a quase estagnação de Portugal na última década, uma rápida aproximação da Polónia nessa mesma última década, o salto da Irlanda a partir da criação do mercado único em 1992. Por aqui, Portugal estava entre os países com menor PIB per capita e afastou-se recentemente dos restantes. Se estamos mais pobres em termos relativos, não podemos aspirar a ter os mesmos padrões de consumo sem produzirmos mais. Este gráfico e estas considerações resumem o ponto de partida, que me parece ser hoje aceite e consensual.

A partir daqui, a minha dúvida é saber se trabalhamos pouco (isto é, poucos dias e poucas horas por ano) ou se trabalhamos mal (isto é, baixa produtividade por hora trabalhada). Para isso, as Penn World Tables têm um indicador de PIB por hora trabalhada (preços constantes de 2005, ajustada de paridade de poder de compra). A figura seguinte tem esse indicador para o mesmo conjunto de países.

Como seria de esperar Portugal continua na cauda dos países de comparação, sendo notável aqui o facto de a Alemanha e a França terem a maior “produtividade por hora trabalhada”, mesmo não tendo o PIB per capita mais elevado deste conjunto de países. Portugal destaca-se por ser o país onde este “indicador de produtividade por hora trabalhada” menos cresceu.

Para confirmar essa impressão, a figura seguinte apresenta um índice deste indicador de produtividade por hora trabalhada.

Desde 1980 até 2009, último ano de dados disponíveis nesta base de dados, Portugal esteve até cerca de 200o a crescer a valores intermédios, mas desde o início deste milénio que passou a ser o país (deste conjunto) com menor crescimento do PIB por hora trabalhada.  A Irlanda, por seu lado, apresenta um bom desempenho sempre, mas com destaque para o período posterior a 1995. A Grécia está essencialmente similar a Portugal, cresceu menos na década de 90 do século passado mas mais do que Portugal desde então. A Alemanha manteve uma trajectória segura de crescimento durante este período de 30 anos.

Como Portugal parece ter passado por dois períodos distintos, uma forma de os evidenciar melhor é calcular o índice de crescimento de 1992 em diante (mercado único europeu) e de 1999 em diante (o projecto do euro como moeda única).

Quando olhamos apenas para o período depois de 1992, a evolução de Portugal não foi muito diferente da da França e da Alemanha, e foi melhor que a da Espanha. Todos os outros países cresceram mais do que Portugal desde 1992 no indicador de PIB por hora trabalhada. Como a França, Espanha e Alemanha tinham um valor de partida bastante mais elevado, para taxas de crescimento não muito diferentes, o gap em valor absoluto entre Portugal e esses países aumentou.

A situação torna-se porém muito diferente quando olhamos a última década, em que Portugal tem logo na primeira redução uma diminuição do PIB por hora trabalhada, só voltando a crescimento positivo a partir de 2005. Ou seja, o crescimento real do PIB verificado em vários anos surgiu de um aumento do número de horas trabalhadas. A Alemanha tem um bom comportamento mas não excepcional, quando comparado com outros países da União Europeia.

A posição relativa face à Alemanha é apresentada na próxima figura.

Daqui retira-se que desde há duas décadas que temos face à Alemanha uma situação curiosa – o nosso produto por hora trabalhada vai sendo uma fracção cada vez menor do valor da Alemanha –  se em 1988 uma hora de trabalho em Portugal produzia cerca de 54% do que se conseguia na Alemanha, em 2003 esse valor era cerca de 44%. Mas em termos de PIB per capita, passamos de 55% do valor alemão em 1988 para um valor máximo de 64% em 2005. Estes dois indicadores dão assim informações quase contrárias – o que parecia ser uma evolução positiva em termos de PIB per capita, foi na verdade uma evolução desastrosa em termos de produção por hora trabalhada.

Juntando estas várias peças, a minha conclusão preliminar é que aumentar horários e dias de trabalho permitirá, eventualmente, uma maior produção, pelo menos em alguns sectores. MAS, e este MAS é um aspecto crucial, o fundamento do problema continuará sem ser resolvido, e por isso voltará a emergir ao fim de pouco tempo – o produto por hora trabalhada tem que mudar, tem que crescer. E a mudança para mais meia hora de trabalho, e a redução de feriados e pontes poderão dar alguma folga mas não mudam por si esta produtividade por hora trabalhada. Há, por isso, que reconhecer a necessidade de ganhar espaço para respirar, mas ter já e explicitar já e convencer já toda a sociedade da importância do aumento da produtividade por hora trabalhada. Este indicador deveria passar a ser monitorizado com maior proximidade como factor de alerta para problemas.


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para conhecer as visões de Poul Thomsen

A visão de Poul Thomsen sobre o ajustamento da Islândia: http://blog-imfdirect.imf.org/2011/10/26/how-iceland-recovered-from-its-near-death-experience/