Momentos económicos… e não só

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Plano de Prestações Garantidas – o programa do Governo para a saúde

As várias páginas dedicadas à saúde no programa do Governo darão para muitas discussões, mas certamente um assunto que estará presente é o que está denominado como “plano de prestações garantidas”. Este plano surge associado à garantia de acesso universal e equitativo, tendencialmente gratuíto a cuidados de saúde. Não estando exactamente definido o que é, fica sujeito a todas as especulações.

Aceitando que a frase onde se insere a expressão reflecte a intenção do Governo, então pode-se pelo menos inferir que não será uma transformação radical do sistema de saúde como o conhecemos, nem sequer do Serviço Nacional de Saúde, em termos das suas coberturas.

Não estando em causa a universalidade – todos os residentes são cobertos -, nem os objectivos de equidade no acesso – e aqui haverá ainda trabalho a fazer, mas é outra discussão-, resta a abrangência dos cuidados e serviços de saúde que são disponibilizados pelo Serviço Nacional de SAúde.

Disponibilizados é aqui uma palavra apropriada, porque os cuidados e serviços de saúde podem ser prestados directamente pelo Serviço Nacional de Saúde ou adquiridos fora (o que actualmente já sucede, não é uma característica nova).

Colocando então a discussão no campo dos cuidados e serviços que são abrangidos (isto é, pagos) pelo Serviço Nacional de Saúde, há dois caminhos possíveis para a definição do Plano de Prestações Garantidas.

O primeiro, vir explicitar e definir de forma técnica o que é abrangido, e adições têm que ser justificadas. Significa um exercício de partir do zero e discutir as prioridades a serem cobertas.

O segundo, definir as condições para adição e retirada da cobertura, face ao que actualmente existe.

Note-se que já hoje o Serviço Nacional de Saúde não é totalmente abrangente, não cobre tudo o que existe. Um exemplo claro é o sector do medicamento – o mercado de medicamentos de venda livre (não sujeitos a receita médica), e sem comparticipação do Serviço Nacional de Saúde, é em rigor uma exclusão. Medicamentos que não sejam aceites para comparticipação por trazerem benefício terapêutico inferior ao custo de recursos que implicam é uma exclusão. Retirada de comparticipação a medicamentos é uma exclusão. A questão não é o princípio mas a forma como se faz. Nestes casos, há uma avaliação técnica, em que uma componente de avaliação económica está presente, que ajuda à decisão.

A aplicação de uma metodologia de avaliação de novas tecnologias, para garantir que os recursos disponíveis são bem usados, é algo que tem
vindo a ser proposto e que me parece começa a ser consensualmente aceite. Se o Plano de Prestações Garantidas quiser dizer que só entra para a cobertura do Serviço Nacional de Saúde o que for comprovadamente vantajoso (em termos de ganhos de saúde que proporciona e custos que envolve), então não será mais do formalizar propostas que têm sido feitas, com outros nomes, de introduzir uma maior racionalidade na utilização de recursos.
Não resisto a reproduzir aqui uma recomendação presente no Relatório para a Sustentabilidade Financeira do Serviço Nacional de Saúde (entregue em 2006): “Recomendação nº3: Utilização abrangente de mecanismos de avaliação clínica e económica para definição dos limites da cobertura de intervenções asseguradas pelo SNS” (p. 174).

O primeiro sentido, de redefinição a partir de base zero, das coberturas asseguradas pelo Serviço Nacional de Saúde, com base em critérios técnicos, é um outro caminho, mas de grande dificuldade, e que internacionalmente, quando tentado, não produziu os resultados pretendidos. Basicamente, as decisões assentam no que se pode chamar de “racionamento técnico”, e é necessário ter uma ideia muito precisa de qual o processo pelo qual se alcance a definição do que é garantido. Uma avaliação das experiências internacionais mostrou que esta abordagem frequentemente produz resultados inesperados, e que afectam potencialmente grupos específicos, que se manifestam.
Como exemplo destas dificuldades, transcrevo a conclusão da apreciação feita por Joanna Coast sobre uma tentativa deste tipo de caminho no Oregon, Estados Unidos: “ULtimately, Oregon has shown that a purist technical approach to setting priorities cannot be imposed in a health system. Public and professional reactions at each stage have led, unintentionally, to Oregon’s technical plan becoming in part an exercise in priority setting via the political process”. (p.60, em J Coast, J Donovan e S Frankel, editores, Priority Setting: the health care debate, 1996, John Wiley & Sons, Ltd). Sobre a utilização da mesma abordagem noutros países, mais à frente na mesma obra (p.80) “Another important element is the social acceptability of rationing. A clear rejection of the Oregon approach in New Zealand is mirrored in the UK, with a similar aversion to technical rationing schemes evident in publications in both countries.”

É conhecido que mais recentemente a Holanda fez uma revisão profunda do seu sistema de saúde, em que se avançou para uma maior explicitação destes aspectos, mas na verdade creio que o sentimento da população portuguesa estará mais próximo das posições acima do que da disciplina e “vontade social” da população holandesa.

Seguir este caminho, no contexto actual, será também de grande exigência de gestão política e de esforços de consenso e discussão. Duvido, que face ao que já estabelecido que é preciso fazer, que haja energia e disponibilidade mental para se fazer uma discussão desta natureza ao mesmo tempo que têm de ser concretizadas as medidas já previstas. A discussão na Holanda, por exemplo, demorou quase uma década a produzir a mudança.

Assim, se o Plano de Prestações Garantidas tiver um sentido similar ao da Recomendação que reproduzi acima, poderá reunir consenso e avançar. Com este nome ou outro, o que interessa é a realização. Se procurar uma refundação das coberturas fornecidas pelo Serviço Nacional de Saúde, o mais provável é que se dê início a discussões, públicas e privadas, intermináveis, sem qualquer efeito prático para além de ruído e confusão, que é exactamente o que dispensamos no actual momento económico.

(ps. prometo de futuro posts mais curtos, mas este assunto merece um cuidado e precisão de afirmações especial)


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Programa do Governo – início de discussão

Ontem foi disponibilizado o programa do Governo, a ser discutido nos próximos dias na Assembleia da República. E naturalmente, os jornais avançaram para a apresentação das grandes linhas e na procura dos aspectos que possam mais chamar a atenção.

Para se ter uma visão própria, é bom que cada um de nós faça a sua leitura directa do documento, e não apenas da opinião dos outros (que pode ser informada, mas também selectiva no que é apresentado).

Numa primeira leitura rápida do documento, ficam algumas impressões, umas boas, outras nem tanto.

Há claramente uma intenção de acção. E há uma intenção de respeitar o que foi acordado no Memorando de Entendimento. É um aspecto bom. Há que respeitar os compromissos assumidos.

No geral, senti um desequilíbrio entre áreas da Governação, em termos do estilo de apresentação do texto e das prioridades. Dá a sensação de um texto escrito por partes, que depois foram colocadas juntas, mas sem uma preocupação de uniformização de estilo (o que dado o pouco tempo disponível e a celeridade com que se quis fazer o documento é natural), mas devia-se esperar mais de um documento programático do Governo neste aspecto da forma.

Mas porquê insistir na forma? porque ao ler o texto, percebe-se que se quer fazer muita coisa em muitas áreas, mas não o ritmo a que vão acontecer as medidas e intervenções, nem quais as prioridades inerentes. Misturam-se aspectos estruturantes com princípios gerais, quase banais, que só lá estão para não se ser acusado de omitir.

Teria sido informativo, e instrutivo, ter a calendarização prevista, nem que fosse como a troika o fez, indicando o trimestre do ano em que se espera que a medida esteja concluída. E no caso das intervenções mais directamente decorrentes do acordo com a troika, até se tem a calendarização que está no Memorando de Entendimento, bastava copiar.

A outra confusão, que é comum e recorrente, é entre instrumentos e objectivos. Uma medida ou intervenção não tem valor por si, mas pelos objectivos e resultados que deverá alcançar. Por vezes temos objectivos indicados sem se falar nos instrumentos, noutras temos apenas os instrumentos sem se falar nos objectivos.

Nos próximos dias, irei dando atenção, conforme for sendo possível, ao que está estabelecido para a área da saúde.


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Onde utilizar o OE 2012 – resultados

Do pequeno inquérito rápido sobre onde cada um aplicaria os dinheiros do Orçamento do Estado, resultou o seguinte quadro:


(responderam 22 pessoas)

em resumo:

Mesmo não tendo qualquer rigor (ou pretensão do mesmo), dá uma ideia da ordem relativa. Daqui a uns meses, veremos o que a realidade nos traz.


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Ficção sobre os primeiros dias de um novo Ministro da Saúde

O prioritário será mesmo garantir que as medidas acordadas com a troika são executadas.

Primeira missão, arrumar as que têm de estar prontas em Setembro, tão cedo quanto possível para libertar tempo para pensar as seguintes. As equipas técnicas do Ministério da Saúde já devem estar a trabalhar nisso. Assim, se tudo estiver a correr bem, será só ler para validar e fazer seguir essas primeiras medidas.

A partir daqui, há que respirar fundo.

Segundo passo, medidas quantificadas existem na área do medicamento, pelo que há que garantir o mecanismo permanente de acompanhamento dessa despesa, procurando saber se cada mês que passa nos coloca mais perto ou mais longe dos objectivos traçados.

Terceiro passo, distinguir entre as medidas que correspondem apenas a ajustamentos legislativos, e que como tal podem ser já colocadas em andamento, das que necessitam de pensamento prévio. Entretanto, há que ganhar o máximo conhecimento possível do sector, sabendo que cada fonte de informação fora do Ministério da Saúde tem os seus interesses próprios (e não faltarão certamente pedidos de reunião para cada grupo esclarecer da bondade do seu caso e da força dos seus argumentos).

Quarto passo, tratar das matérias difíceis, reorganização e criação de sistemas de monitorização. É pedido pela acordo com a troika, mas é também ferramenta essencial para ter informação de gestão a tempo e horas, para evitar que surjam surpresas nas contas.

Ao mesmo tempo, há que tratar da proposta para Orçamento do Estado para 2012, não vai ser fácil.

A reorganização e procura de poupanças através de ganhos de eficiência vão quase forçosamente implicar encerramentos de serviços. Discussão que já foi sendo preparada pelo Presidente da Entidade Reguladora da Saúde, é aproveitar esse ponto de partida. A razoabilidade técnica está presente, segundo vários documentos. A dificuldade vai ser a comunicação e a transformação em paz social com as populações.

É aqui que a experiência passada de transformar a administração pública se revelará de grande utilidade.

No meio destas várias fases, há que ir organizando as respostas às perguntas dos jornalistas, e certamente dos partidos da oposição.

Haja tempo para tudo.

Orçamento aprovado, foquemos novamente na reorganização, monitorização e controle das despesas.

Preparar para Janeiro a aplicação da actualização automática das taxas moderadoras, que dão sempre uns dias de atenção (e tensão) mediática.

(nota: este é um post de pura ficção)


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Confiança não é objectivo, é resultado

Texto no dinheirovivo.pt


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A situação da Grécia e os protestos

Num outro blog, theportugueseeconomy, coloquei a questão de como acompanhar a situação nos outros países da periferia, e que imagem de Portugal se constrói lá fora. Recebi uma interessante resposta, em que para além de um conjunto de links muito úteis -naveguei por alguns e são informativos –  para a imprensa local (em inglês) e internacional sobre a Grécia, a mensagem principal é que Portugal só surge nas notícias quando houver más notícias, isto é, situações de dificuldade, resgate ou protestos, sendo de resto demasiado pequeno para ser relevante nos media internacionais.

Disponibilizo as ligações para quem estiver interessado:

http://www.ekathimerini.com/
http://www.athensnews.gr/
http://www.keeptalkinggreece.com/category/1-news/1-economy/
http://eurowatch.blogspot.com/
http://www.economonitor.com/blog/2011/06/nine-reasons-why-spains-economy-is-more-different-than-you-think/
http://www.eurointelligence.com (partly subscription)
http://www.finfacts.ie/irishfinancenews/European_3/index.shtml
http://globaleconomicanalysis.blogspot.com/
http://www.acting-man.com/
http://www.voxeu.org/


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curiosidade em saber o que faria cada um de nós

Preferências da sociedade quanto ao uso dos dinheiros do Orçamento do Estado, quer participar?

 

(depois darei conta dos resultados, naturalmente)


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Como lidar com a dívida externa? (debate do Expresso)

O Expresso fez um debate sobre como lidar com a dívida externa (aqui).

Uma primeira resposta é naturalmente ignorar, o problema resolve-se por si. O desequilíbrio gerado será corrigido automaticamente. Provavelmente é verdade, resolve-se pelo menos quando o crédito é cortado e se deixa de poder comprar no mercado internacional. No entanto, e como se sente neste momento, essa resposta não é a mais interessante, em termos de bem-estar da população e funcionamento da economia.

Há outras respostas, como não pagar a dívida. Sendo possível, levanta problemas, quem emprestaria no futuro? (e passar sem crédito é dificultar o funcionamento da economia e da sociedade).

Assim, a resposta mais natural é procurar reforçar a capacidade de pagamento da dívida. De certa forma, é uma resposta trivial. Fazê-lo é a parte complicada.

Mas há ainda uma distinção a fazer:

– curto prazo – evitar a auto-alimentação da dívida externa (pública e privada), isto é, evitar que só os juros por si sejam tão elevados que gerem mais dívida, numa bola de neve; com défice comercial e sem transferências do exterior (por exemplo, remessas de emigrantes, cujo número tem aumentado significativamente nos últimos anos), e taxas de juro crescentes, este é um risco presente.

– a médio e longo prazo –  focar balança comercial, exportar mais, importar menos, tornar não transacionáveis em exportação – conseguir o que não conseguimos nas últimas décadas, balança comercial positiva.

Será também importante conseguir um aumento da poupança nacional – que não seja apenas a poupança forçada pelo Estado, via impostos, para mudar dívida externa para dívida interna.

Complementar a estes aspectos é conseguir a própria redução do stock de dívida, para reduzir o peso dos juros, e aliviar a restrição que o pagamentos dos mesmos implica. E é aqui que uma diferente utilização dos fundos comunitários pode ajudar, sendo que é um uso não previsto desses fundos, embora estejamos também numa situação não prevista.

A lógica de usar fundos comunitários para resgatar dívida é simples – aceite-se o princípio de que os fundos colocados à disposição da economia portuguesa devem ser aplicados onde dão maior retorno. Aplicar fundos comunitários em projectos que exigem comparticipação nacional e que têm (historicamente e em média) baixas taxas de rentabilidade (e em que até a rentabilidade privada só existe porque está presente o subsídio) é pouco interessante, e se calhar nem possível pela impossibilidade de assegurar a comparticipação nacional. Por outro lado, pagar dívida tem o retorno imediato dos juros que não se pagam, o que beneficia toda a economia e não apenas os que recebem os subsídios.

Pode haver também outras soluções para reduzir as complicações actuais associadas com a dívida externa, propostas?


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Debate do Expresso: Como lidar com a dívida externa?

O Expresso fez um debate sobre como lidar com a dívida externa (aqui).

Uma primeira resposta é naturalmente ignorar, o problema resolve-se por si. O desequilíbrio gerado será corrigido automaticamente. Provavelmente é verdade, resolve-se pelo menos quando o crédito é cortado e se deixa de poder comprar no mercado internacional. No entanto, e como se sente neste momento, essa resposta não é a mais interessante, em termos de bem-estar da população e funcionamento da economia.

Há outras respostas, como não pagar a dívida. Sendo possível, levanta problemas, quem emprestaria no futuro? (e passar sem crédito é dificultar o funcionamento da economia e da sociedade).

Assim, a resposta mais natural é procurar reforçar a capacidade de pagamento da dívida. De certa forma, é uma resposta trivial. Fazê-lo é a parte complicada.

Mas há ainda uma distinção a fazer:

– curto prazo – evitar a auto-alimentação da dívida externa (pública e privada), isto é, evitar que só os juros por si sejam tão elevados que gerem mais dívida, numa bola de neve; com défice comercial e sem transferências do exterior (por exemplo, remessas de emigrantes, cujo número tem aumentado significativamente nos últimos anos), e taxas de juro crescentes, este é um risco presente:

– a médio e longo prazo –  focar balança comercial, exportar mais, importar menos, tornar não transacionáveis em exportação – conseguir o que não conseguimos nas últimas décadas, balança comercial positiva.

Será também importante conseguir um aumento da poupança nacional – que não seja apenas a poupança forçada pelo Estado, via impostos, para mudar dívida externa para dívida interna.

Complementar a estes aspectos é conseguir a própria redução do stock de dívida, para reduzir o peso dos juros, e aliviar a restrição que o pagamentos dos mesmos implica. E é aqui que uma diferente utilização dos fundos comunitários pode ajudar, sendo que é um uso não previsto desses fundos, embora estejamos também numa situação não prevista.

A lógica de usar fundos comunitários para resgatar dívida é simples – aceite-se o princípio de que os fundos colocados à disposição da economia portuguesa devem ser aplicados onde dão maior retorno. Aplicar fundos comunitários em projectos que exigem comparticipação nacional e que têm (historicamente e em média) baixas taxas de rentabilidade (e em que até a rentabilidade privada só existe porque está presente o subsídio) é pouco interessante, e se calhar nem possível pela impossibilidade de assegurar a comparticipação nacional. Por outro lado, pagar dívida tem o retorno imediato dos juros que não se pagam, o que beneficia toda a economia e não apenas os que recebem os subsídios.

Pode haver também outras soluções para reduzir as complicações actuais associadas com a dívida externa, propostas?

 


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Conferência anual da EGA

Participei na conferência da EUROPEAN GENERIC MEDICINES ASSOCIATION – 17th EGA Annual Conference – Generic Medicines Enhancing Pharmaceutical Competition and Ensuring Healthcare Sustainability (programa aqui). (16 de Junho de 2011)

Embora tenha decorrido em sistema de mesa redonda, moderada (e muito bem) pela Marina Caldas, a base da minha participação está no seguinte conjunto de slides. A conversa andou também à volta de outros aspectos, embora o tema que mais tempo recebeu tenha sido a chamada “patent linkage”.