Momentos económicos… e não só

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Observatório da dívida dos hospitais EPE, segundo a execução orçamental (nº 86, outubro de 2025)

Aproxima-se a data de entrega, na Assembleia da República, da proposta de Orçamento do Estado para 2026 (OE). E com ela começa o habitual período de notícias e debates sobre a forma como o Estado intervém no setor da saúde.

O primeiro foco de atenção recai, de forma inevitável, sobre o volume global de fundos atribuídos ao Serviço Nacional de Saúde (SNS). Em segundo plano, como ponto de interesse, surge o texto que enuncia as prioridades do Governo para o setor. No entanto, na última década, esta parte do documento tem evoluído para ter uma componente de crescente de exercício de autoelogio, em vez de uma reflexão crítica: sobre o que foi alcançado, o que ainda falta concretizar e quais devem ser os novos objetivos das políticas públicas na saúde.

A ausência de um verdadeiro “orçamento do SNS”

Falta-nos, desde sempre, um documento que possa ser visto como o Orçamento do SNS, isto é, um documento que esclareça que verbas são atribuídas a quem e com que objetivo de política pública. Naturalmente, garantir o funcionamento normal das entidades do SNS que prestam cuidados à população é uma função central e permanente.

É verdade que há a publicação uma nota explicativa após a divulgação da proposta do OE. Essa nota é útil, mas está longe de ser uma versão do que poderíamos chamar de orçamento do SNS.

Em 2017, o Conselho Nacional de Saúde produziu um mapa de fluxos financeiros no SNS, um instrumento de grande utilidade que permitiria acompanhar o debate orçamental, caso fosse atualizado anualmente. Mas apenas os organismos oficiais dispõem da informação necessária para o fazer.

O problema recorrente dos pagamentos em atraso

Como é habitual, multiplicar-se-ão comentários, estudos e análises sobre o tema. Aliás, o ritmo a que surgem documentos e notícias sobre o setor da saúde é elevado, e continuará a sê-lo muito provavelmente.

No caso do OE para 2026, tenho especial curiosidade em perceber como o Governo pretende lidar com o problema dos pagamentos em atraso no SNS, uma aliança perversa entre orçamentos insuficientes e problemas de gestão.

Apesar dos reforços orçamentais iniciais nos últimos anos, e das injeções financeiras extraordinárias a meio e no final do ano (algo que acontece praticamente desde que existem dados regulares), o problema mantém-se.

Em 2025, a “pacificação” da relação com os profissionais de saúde e o aumento da despesa associada a revisões e aumentos salariais serão, provavelmente, a justificação apresentada. Contudo, se assim for, a questão central permanece: por que razão essa despesa não foi já prevista no orçamento inicial? Perceber a origem desta persistência nos pagamentos em atraso é essencial para avaliar a proposta orçamental de 2026.

O ciclo que se repete

Os dados até agosto de 2025 mostram o padrão habitual: um reforço de verbas durante o verão, que reduz temporariamente o stock de pagamentos em atraso, mas cujo efeito desaparece rapidamente. É quase certo que haverá um novo reforço em novembro, de forma a apresentar, no final do ano, um valor politicamente aceitável.

Assim, repete-se a narrativa: “os pagamentos em atraso estão baixos”. Mas esta é apenas uma ilusão de fim de ano. O problema estrutural, a incapacidade de evitar a acumulação recorrente dessas dívidas, continua disfarçado.

Enquanto as questões de gestão que estão na base dessa situação não forem resolvidas, mais verbas para o SNS significarão apenas mais despesa, sem garantias de melhoria efetiva.

Os números mais recentes são claros. O gráfico habitual mostra a evolução dos pagamentos em atraso e o quadro resume a estimativa do seu crescimento médio mensal, isolando o efeito das transferências extraordinárias: para o ano de 2025, foi de cerca de 85 milhões de euros de acréscimo por mês.

Durante 2025, o ritmo de crescimento mensal dos pagamentos em atraso atingiu um dos valores mais elevados da última década e manteve-se assim durante mais tempo do que em anos anteriores.

Em resumo, as dificuldades de que tanto se fala em público têm uma tradução financeira evidente. Encontrar uma solução continua a ser uma necessidade. Infelizmente, continua também a escapar aos esforços do Ministério da Saúde.


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Observatório da dívida dos hospitais EPE, segundo a execução orçamental (nº 83, março de 2025)

Após as verbas extraordinárias de novembro de 2024 terem eliminado as dívidas e os pagamentos em atraso das ULS (antes hospitais EPE), e de para 2025 ter existido mais um reforço orçamental inicial, tinha (uma vez mais…) a esperança de se ter conseguido controlar o crescimento dos pagamentos em atraso no SNS. Estes pagamentos em atraso passaram dos hospitais EPE para as Unidades Locais de Saúde em que estes se encontram inseridos.

Contudo, hábitos antigos custam a desaparecer, e nos primeiros três meses de 2025 assiste-se a um retomar dos pagamentos em atraso, primeiro de forma lenta e agora a acelerar. Ainda se está longe do que foi o ritmo de crescimento dos pagamentos em atraso (descontados os efeitos das transferências extraordinárias de verbas, usualmente no final do ano), como se pode ver na Figura 1 abaixo.

O ritmo de crescimento mensal dos pagamentos em atraso está nos 26 milhões de euros por mês, similar ao que se observou em alguns períodos do passado (ver figura 2), e abaixo do ritmo de crescimento do último ano (onde andou pelos 55 milhões de euros por mês), estando porém acima dos primeiros meses do ano passado (momento em que também ocorreu transferência de verbas no final do ano anterior – final de 2023 – e reforço de orçamento global do SNS para 2024).

Infelizmente, continuam a existir forças fundamentais de crescimento da despesa além do orçamento estabelecido, mesmo quando este orçamento é reforçado de forma assinalável. Pressuponho que as despesas com pessoal estejam, em grande medida, por detrás desta situação. Contudo, ou se está a gastar a mais com pouco controle, ou a dotação orçamental foi mal calculada face aos acordos de remunerações que foram estabelecidos, ou outra explicação existe (?).

Torna-se um pouco repetitivo, mas se foram colocadas verbas substanciais no SNS nos últimos anos, como explicar o crescimento contínuo dos pagamentos em atraso depois de cada regularização, e sem que se detecte uma melhoria sensível no funcionamento do SNS? (alguém virá falar do aumento da atividade registada, ainda assim face às verbas disponibilizadas, a continuação de vários problemas não deixa de ser um puzzle não resolvido).

Figura 1
Figura 2
Figura 3


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Observatório da dívida dos hospitais EPE, segundo a execução orçamental (nº 82, janeiro de 2025)

Em dezembro de 2024 tornou-se conhecido o valor da habitual transferência extraordinária para as entidades do SNS (agora as Unidades Locais de Saúde, anteriormente os hospitais EPE) regularizarem as dívidas vencidas (que incluem os pagamentos em atraso, ou seja 90 dias de atraso adicionais aos 90 dias que definem o que é a dívida vencida). 

O valor de cerca de 975 milhões de euros aproxima-se, em larga medida, do valor esperado da dívida vencida até ao final do ano (os números finais de 2024 ainda não se encontram no domínio público), sendo superior ao valor dos pagamentos em atraso conhecidos. Em novembro de 2024, o último valor conhecido à data de escrita, os pagamentos em atraso tiveram uma magnitude de 554,5 milhões de euros, com um ritmo médio mensal de crescimento de cerca de 55 milhões de euros (embora em aceleração).

Será de esperar que em janeiro de 2025 o valor dos pagamentos em atraso seja residual, uma vez que a transferência realizada deverá permitir eliminar quer o stock de pagamentos em atraso quer o fluxo provável adicional a partir da dívida vencida (que se não for paga passará a pagamentos em atraso).

Deste ponto de vista, a transferência definida em dezembro de 2024 tem o potencial de (quase) “zerar” os pagamentos em atraso.

Em contraponto a esta visão positiva do efeito, imediato, há a tradição de transferências passadas, de elevada magnitude, não terem conseguido, nos últimos 13 anos (desde que há dados fiáveis e regulares), resolver o problema. Em anos recentes, os pagamentos em atraso no final do ano, após a transferência extraordinária, aproximaram-se de zero, e os orçamentos iniciais do SNS tiveram reforços generosos das verbas iniciais.

Mesmo no ano de 2024, o ritmo de crescimento dos pagamentos em atraso foi em média de 55 milhões de euros por mês, sem efeito aparente resultante da mudança de Governo ou de mudança da Direção-Executiva do SNS (sensivelmente pouco mais de um mês depois da entrada em vigor do novo Governo). 

Assim, embora o Governo tenha criado condições que surgem adequadas para acabar com o problema dos pagamentos em atraso, é natural que permaneça alguma dúvida sobre se tal será o caso. Apesar de só no futuro se vir a conhecer o resultado deste esforço, também aparenta ser razoável esperar que futuras decisões sobre continuação, ou até substituição antecipada, de equipas de gestão das ULS possa vir a estar ligada à evolução dos respetivos pagamentos em atraso, como indicador da respetiva capacidade de gestão, num quadro inicial de orçamento “adequado” e baixo volume de dívida vencida e de pagamento em atraso, um renovar do problema dos pagamentos em atraso numa ULS terá de ser muito claramente explicado. O facto de se “limpar” dívidas passadas deverá permitir um pagamento atempado regular, o que se deverá materializar em preços mais baixos de fornecedores (que deixaram de precisar de incluir no preço o custo financeiro de receber as verbas devidas com grande atraso).

Neste contexto, é de esperar que em 2025 haja algures no Ministério da Saúde ou no SNS uma equipa com a missão de acompanhar a gestão financeira das ULS (seja na Direção-Executiva do SNS, seja na Secretaria de Estado da Gestão da Saúde, ou mesmo com ambas, com alguma redundância, que poderá ser útil nesta fase).

As duas figuras seguintes ilustram o ciclo de crescimento dos pagamentos em atraso, seguido de regularizações extraordinárias, seguidas de novo crescimento. A segunda figura contém as estimativas de crescimento médio mensal, com um valor de 55 milhões de euros na última fase de tendência, que é similar os meses anteriores à pandemia.


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Observatório da dívida dos hospitais EPE, segundo a execução orçamental (nº 81, Fevereiro de 2024)

Saiu recentemente a informação sobre Dezembro de 2024 sobre as dividas e pagamentos em atraso no Serviço Nacional de Saúde (SNS). Como antecipado, a regularização de final de ano fez cair o valor de pagamentos em atraso para um valor baixo (não tão baixo como no ano passado), suficientemente baixo para que se possa considerar, uma vez mais, tal, como no ano passado, que se parte de uma base quase limpa de dívidas. Tal como no ano passado, há reforço assinalável do orçamento inicial do SNS. No ano passado, estas condições de partida não resultaram em capacidade de controlo financeiro. De momento, não há um conhecimento completo sobre o que esteja por detrás dessa situação (há vários fatores candidatos, incluindo ineficiências, inflação, despesas inesperadas para assegurar os recursos humanos necessários, mesmo que em formato de empresas de prestação de serviços, etc).

Para 2024, é incerto o que se pode esperar. Por um lado, há as mesmas condições de orçamento inicial e baixo stock de pagamentos em atraso (e dívidas) em 2024 face a 2023. Por outro lado, há a criação das novas Unidades Locais de Saúde (ULS), com os consequentes desafios de construção das novas unidades, e a (eventual) maior autonomia de gestão, embora num contexto de turbulência política associada com as eleições. Num ano de transição de gestão para parte substancial do SNS, conseguir alinhar a gestão financeira com as necessidades de satisfação das necessidades da população será um desafio grande.

Numa frase final, em 2024, veremos se o SNS consegue garantir uma gestão financeira rigorosa e uma implementação eficaz das reformas, com o objetivo final de melhorar a prestação de cuidados de saúde à população portuguesa num contexto de mudança.


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Observatório da dívida dos hospitais EPE, segundo a execução orçamental (nº 80, Janeiro de 2024)

De acordo com notícias publicadas recentemente, houve antes do final do ano de 2023, a tradicional transferência financeira para regularizar as dívidas e pagamentos em atraso do SNS. Essa injeção financeira levou, segundo as informações públicas, o valor da dívida vencida para 443 milhões de euros. Curiosamente, não é referido o valor previsto dos pagamentos em atraso (talvez ainda não esteja apurado), que são a dívida vencida com mais de 90 dias de atraso no pagamento.

Sendo tradicional esta injeção financeira, significa que nada se alterou durante o ano de 2023 quanto às disfuncionalidades de gestão financeira dos hospitais EPE e as implicações que tal tem para a sua gestão. Com a passagem a Unidades Locais de Saúde (ULS) em 2024, teria sido de toda a vantagem ter resolvido o problema de acumulação de pagamentos em atraso ao longo do ano, em lugar de se pretender dizer que está tudo bem apenas porque se baixa o stock de dívida no final do ano.

Os dados públicos mais recentes são referentes a Novembro (publicados pela Direção Geral do Orçamento, na sua publicação sobre execução orçamental), e mostram que o ano de 2023 foi em tudo idêntico ao de 2022. Resta saber apenas se a transferência do final de 2023 irá recolocar os pagamentos em atraso acima ou abaixo do valor de final de ano de 2022. Até o valor de novembro de 2022 é similar ao valor de novembro de 2023 (os valores de novembro correspondem aos valores antes das transferências extraordinárias habituais de final de ano). O ritmo de crescimento mensal dos pagamentos em atraso foi de 78 milhões de euros nos dois anos, sendo essencialmente igual do ponto de vista estatístico. Historicamente é o período de segundo maior ritmo de crescimento mensal, embora se deva ter em conta que são valores que não estão descontados da inflação (que ganhou expressão relevante nos últimos dois anos) e que ter em conta a inflação nos produtos e serviços adquiridos pelos hospitais poderá colocar o ritmo de crescimento em termos reais próximos de outros valores passados, entre os 60 e 70 milhões de euros (em valores equivalentes aos de há 5 anos atrás). (nota: usar a inflação medida pelo IPC – Indice de preços no Consumidor não faz aqui muito sentido, porque o conjunto de produtos e serviços adquiridos pelos hospitais não é o mesmo que o consumidor padrão compra).

Também em 2023 houve como em 2022 um acelerar dos pagamentos em atraso registados nos dois meses anteriores à (provavelmente) antecipada transferência extraordinária.
Esta foi uma área onde nada aconteceu de relevante para alterar os problemas existentes, sendo que era legitima a expectativa de que houvesse mudanças depois dos esforços feitos de trazer o stock de pagamentos em atraso para valores historicamente mínimos no início do ano. E até houve algumas iniciativas da equipa do Ministério da Saúde para que os instrumentos de gestão pudessem ter utilidade (planos de atividades e orçamento das instituições aprovados antes do ano começar, aspeto onde segundo se consegue perceber o Ministério das Finanças também não ajudou a dar credibilidade). E é natural que a partir do momento em que se lança a transformação das ULS, os elementos financeiros e de gestão tenham perdido “tempo de atenção” das equipas de gestão. Esperemos que esta não seja uma bomba-relógio que venha a perturbar desnecessariamente o funcionamento das novas ULS.