Embora os títulos dos trabalhos nos levem para os processos de inovação e o crescimento económico como gerado por essa inovação e não apenas crescimento económico resultante de acumulação de investimento, há lições mais profundas que resultam do trabalho que realizaram.
Estas lições são especialmente significativas no contexto mundial atual, uma vez que tocam em dois aspetos centrais dos últimos tempos: a inteligência artificial como tecnologia transformadora da atividade económica e as guerras tarifárias e tendências protecionistas nas políticas económicas.
De Joel Mokyr, a justificação da distinção com o prémio Nobel foca na distinção entre tipos de conhecimento, fazendo sobressair a importância de “fazer as coisas funcionar” e, num nível mais fundo do funcionamento das sociedades, na tolerância com a diferença e com encontrar mecanismos sociais que permitam a transição para o funcionamento com novas tecnologias, protegendo quem possa eventualmente perder nessa mudança. Os receios dos efeitos da revolução da inteligência artificial retomam receios passados de outras transformações tecnológicas.
Encontrar as mecanismos institucionais para fazer as mudanças, obter os ganhos e repartir esses benefícios na sociedade é certamente um assunto que irá estar presente da discussão pública e na intervenção pública. Implicitamente, há a defesa da liberdade e da tolerância como elementos de construção de mecanismos sociais para se aproveitarem as oportunidades tecnológicas.
De Philippe Aghion e de Peter Howitt, o grande assunto subjacente aos seus trabalhos é como o funcionamento das atividades económicas em contexto de mercado pode gerar crescimento económico sustentado, e de que forma a decisão pública pode contribuir para esse efeito. Dois elementos centrais resultam das análises destes dois autores. Sem grande surpresa, a dimensão do mercado é relevante – um maior mercado onde se possam comercializar e vender inovações é naturalmente um mercado que dá maior retorno ao investimento feito e como tal fomenta a inovação.
No contexto atual, fechar mercados através de tarifas mutuamente impostas entre grandes blocos económicos terá efeitos sobre a taxa de inovação. O funcionamento da economia de mercado como mecanismo descentralizado de ter inovação e crescimento sustentado está no centro dos modelos desenvolvidos, sendo que as políticas públicas devem procurar suportar esses esforços de inovação e não apenas a acumulação de investimento (equipamento). Até aqui, nada de particularmente novo ou surpreendente. Contudo, o trabalho de Aghion e Howitt também sugere que se deve procurar evitar extremos no funcionamento do mercado.
Empresas monopolistas tendem a ficar acomodadas à sua situação, e a terem menos inovação. A abertura ao comércio internacional é uma forma de evitar monopólios nacionais. Os sectores de atividade económica mais expostos ao ambiente internacional tendem a ser mais inovadores. E para pequenas economias, fechar ao exterior é uma forma de acabar com a inovação. Para Portugal significa que estar na União Europeia é essencial para que se possa ter crescimento económico (e melhores níveis de vida) baseado na inovação.
Por outro lado, demasiada concorrência entre empresas significa que não há lucros, ainda que temporários, para conseguir a remuneração do investimento em investigação, que depois gere inovação.
Ou seja, para se ter crescimento económico sustentado em inovação, é necessário ter um nível intermédio de concorrência. Daqui decorre que é necessário existirem mecanismos de apropriação dos ganhos de inovação, seja através de patentes ou de prémios, ou de outras formas que sejam criadas para que o investimento em investigação e em inovação seja recompensado.
Também do trabalho destes dois autores se retira a importância de ter boas instituições em várias áreas, de forma a mitigar efeitos negativos de transição entre tecnologias. A centralização da decisão económica pode limitar a inovação, mas é necessário atingir uma dimensão mínima de atividade para se conseguir ter inovação. Surge daqui um papel importante das políticas de defesa da concorrência, combinadas com maior integração de mercados. As políticas públicas têm de se adaptar à própria evolução da tecnologia e do que esta vai exigindo.
O trabalho dos laureados do Prémio Nobel de 2025 sugere, em termos de decisão pública, a necessidade de políticas que apoiem as transformações que a tecnologia implica, incluindo os mecanismos sociais que levem as sociedades a aceitar as mudanças associadas com as novas tecnologias.
Na sexta-feira, 17/01/2025, tive o prazer de participar numa das sessões da conferência dos 160 anos do DN (parabéns DN!)
O alinhamento do dia leva-me a fazer um pouco de resumo das duas sessões, a que acrescento alguns pontos adicionais que não houve tempo de introduzir.
O ínicio da tarde da conferência tinha:
As perspetivas para a economia portuguesa
Pedro Reis, Ministro da Economia
14h20 – As opções estratégicas da economia portuguesa
António Mendonça, Bastonário da Ordem dos Economistas
Isabel Ucha, CEO da Euronext Lisbon
João Moreira Rato, Presidente do Instituto Português de Corporate Governance
Pedro Pita Barros, Professor da Nova Business School
Moderação por Nuno Vinha, Diretor Adjunto do Diário de Notícias
As perspetivas para a economia portuguesa
As perspetivas para a economia portuguesa inserem-se num contexto internacional marcado por desafios e oportunidades. A confiança em políticas que fomentem o crescimento ganha força devido ao controlo da inflação, enquanto a Comissão Europeia, ao implementar o relatório Draghi, reforça a ideia de um novo ciclo que impulsione a economia europeia. Há aqui uma perspetiva positiva.
Prevê-se (deseja-se) a criação ou o crescimento de clusters estratégicos em setores como defesa, espaço, energia, indústria farmacêutica e logística, além de iniciativas relacionadas com a reindustrialização europeia. No entanto, há grande incerteza decorrente do conflito na Ucrânia, que representa um ponto de interrogação para 2025, considerado um ano de transição que poderá marcar uma evolução positiva ou negativa.
Portugal encontra-se numa posição estratégica para aproveitar estas dinâmicas globais. A aposta no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) surge como uma base essencial para preparar o país para um futuro mais otimista em 2026. O país tem sido reconhecido como um destino de políticas favoráveis ao investimento, mas enfrenta o desafio de reduzir tanto a carga fiscal como a burocrática para aumentar a atratividade para investidores estrangeiros. Além disso, o papel das grandes economias europeias, como Alemanha e França, é crucial neste contexto, dado o impacto da sua trajetória em áreas como a independência energética, a digitalização e as mudanças políticas.
A reindustrialização e a transição para uma economia verde são vistas como pilares centrais do crescimento sustentável. Esta visão inclui a promoção de tecnologias avançadas, mas com a cautela de evitar investimentos em tecnologias que ainda não estejam suficientemente maduras. A ideia de clusterização por blocos económicos, com enfoque na autonomia estratégica e integração europeia, surge como um caminho promissor. A verticalização das indústrias, a criação de projetos de grande dimensão e a atração de centros de competência europeus são considerados essenciais para a competitividade do país.
A simplificação dos processos administrativos é outro elemento-chave abordado. Iniciativas como a substituição de verificações manuais por verificações automáticas e a adoção de mecanismos pós-verificação visam desburocratizar o funcionamento do Estado. Esta abordagem foca-se na desmaterialização e na redução das obrigações de reporte, criando um ambiente mais ágil para as empresas e facilitando a execução de novos projetos.
Assim, do Ministro da Economia, há, como se poderia esperar, uma perspetiva positiva para alguns sectores, embora me pareça que teria sido igualmente útil saber que sectores poderão perder posicionamento relativo, pois não acredito que seja possível crescer significativamente em todas as áreas de atividade económica ao mesmo tempo (até porque algumas delas irão competir pelos mesmos recursos humanos).
As opções estratégicas da economia portuguesa
Esta sessão tem um título muito aberto, fazendo com que a discussão se disperse por vários aspetos, de acordo com a formação e a experiência profissional de cada um dos intervenientes.
Sem preocupação de identificar quem introduziu que tema, porque várias observações são suficientemente consensuais para receberem concordância de vários, da maioria ou nalguns casos, até de todos os intervenientes.
Foi referido que a dimensão do capital humano é crítica, o que será um dos pontos unânimes. A incapacidade de reter profissionais altamente qualificados, devido a condições salariais e de carreira pouco competitivas, reflete-se como uma limitação estrutural. É necessário criar condições atrativas para estas profissões, investindo em serviços de valor acrescentado e aprendendo com modelos de sucesso, como o irlandês. A automatização industrial, que aproxima cada vez mais a indústria do setor de serviços, é vista como um fator que redefine a produtividade, exigindo mais robótica e inovação. Aqui, a meu reparo pessoal é fazer mais sentido tornar Portugal um local interessante para ter as empresas com as posições que requerem elevadas qualificações, qualquer que seja a nacionalidade da pessoa. É mais exigente, e provavelmente mais duradouro.
O papel da inteligência artificial é destacado como uma área de potencial estratégico. Portugal tem oportunidades para se posicionar como um polo de inovação nesta área, investindo em infraestruturas como centros de dados e na melhoria da qualidade dos dados da administração pública. A simplificação regulatória e o fomento à inovação tecnológica podem tornar o país mais competitivo a nível global. No entanto, para isso, é necessário alinhar as políticas fiscais e regulamentares, garantindo uma paridade entre impostos para estrangeiros e portugueses, além de flexibilizar a legislação educacional para promover a formação de talentos.
No campo financeiro, enfatizou-se a importância de uma reforma fiscal que permita uma melhor canalização das poupanças para investimentos produtivos. Atualmente, grande parte das poupanças portuguesas está alocada em instrumentos de baixo risco e baixa remuneração, o que limita o seu impacto no crescimento económico. É fundamental explorar alternativas como mecanismos privados de acumulação de fundos para a reforma, incentivando uma maior diversificação e rentabilidade dos investimentos.
Em última análise, reflete-se sobre o papel de Portugal no panorama europeu e global, destacando a necessidade de pensar estrategicamente o futuro do país. Esta reflexão exige, a meu ver, uma abordagem diferente na noção de resiliência associada ao PRR (mais dinheiro), deve-se ter uma ideia de resiliência como capacidade de antecipar choques (vários foram apontados como possíveis face à evolução geopolítica mundial), absorver impactos, aprender com a experiência e ajustar-se rapidamente às mudanças.
Comentário geral e algumas coisas mais
Curiosamente, a conversa acabou por não tocar num ponto que politicamente tem vindo a emergir: a escolha entre política industrial focada em sectores (ou até em empresas que sejam campeões nacionais) e política industrial focada sobretudo criação de condições estruturais para o crescimento dos sectores que melhor os aproveitem. Para conseguir perceber melhor as opções e as escolhas a fazer deve-se começar por explicitar quais são os objectivos que se tem para a política industrial.
Coloquemos como objectivo central a melhoria das condições de vida, o que inclui o crescimento económico medido pelo aumento do PIB, mas também a procura da sustentabilidade ambiental, maior equidade na distribuição de rendimento e riqueza, e maior qualidade de vida. E se o crescimento económico é objetivo, então o crescimento da produtividade é um elemento central para o desejado crescimento económico, com aumento de salários e de riqueza. O foco deve estar em olhar para opções estratégicas que tenham a capacidade de aumentar a produtividade da economia portuguesa na próxima década.
Aumentar a produtividade média da economia decorre de conseguir aumentar a produtividade das empresas (através de investimento e de inovação), de fazer crescer as empresas de maior produtividade em cada sector, transformar ou fazer sair de atividade as empresas de menor produtividade, e aceitar que sectores económicos de maior produtividade crescem e sectores de menor produtividade encolhem. Não se pode desligar a evolução da produtividade da dinâmica empresarial.
Em geral, nos últimos tempos, quando se fala de opções estratégicas, remete-se para a escolha de sectores que se deve apoiar, em termos de políticas públicas, de alguma forma. O “alguma forma” pode ser dar apoios diretos ou indiretos ou pode ser remover obstáculos ao crescimento da produtividade.
Olhando para os obstáculos principais, consegue-se também perceber as motivações das várias das propostas que surgem com regularidade, sobre a necessidade de facilitar e induzir o investimento em inovação, mudanças no mercado de trabalho e falta de escala de muitas empresas portuguesas.
Então o que podem ser opções estratégicas?
Tenho uma clara opção por criar primeiro condições estruturais, e depois remover barreiras que possam existir em alguns sectores. Estar a escolher sectores pode correr mal, até porque essa escolha é feita num contexto onde muitos outros países têm empresas dinâmicas, e/ou intervenções de muito maior dimensão do que possível fazer a partir de Portugal.
Três “opções estratégicas” que me parecem centrais são:
Infraestrutura digital: assegurar o seu desenvolvimento de modo a que possa ser aproveitada por todas as empresas, incluindo as PME mais pequenas, e que favoreça o seu aumento de dimensão. Usar a Alemanha como ponto de referência para a criação de programas específicos ajudam pequenas e médias empresas (PME) a adotar tecnologias digitais, fornecendo financiamento, formação e acesso a redes de inovação é um bom ponto de partida.
Uma segunda grande opção estratégica é deixar de proteger o status quo e aceitar que o crescimento da produtividade decorre também da dinâmica empresarial, da criação de novas empresas e desaparecimento de outras. As políticas públicas devem ajudar às transições – colocar rapidamente disponíveis os ativos produtivos das empresas que fecham para que outras os possam usar – a preocupação com o fecho de empresas tem de incluir, além do que sucede aos trabalhadores, como se coloca a uso rapidamente os ativos produtivos dessas empresas, facilitar a passagem de trabalhadores de uns sectores para outros através da formação de novas competências.
A escolha de setores de atividade estratégicos é sempre tentadora, e se há bons motivos para argumentar que deve ser feita, também se encontram bons motivos para argumentar porque é dificil ser bem feita (como saber o que resultará no futuro de forma segura, com objetividade suficiente para ultrapassar entusiasmos do momento?). A minha sugestão é que essas escolhas sejam feitas com base nas áreas onde a investigação cientifica portuguesa se tenha conseguido destacar mais.
Embora seja frequente falar-se na maior ligação das universidades às empresas, ou das empresas às universidades, a opção estratégica deverá ser a de mudar a forma dos mecanismos financeiros usados: dar apoio às empresas, com discriminação positiva para pequenas e médias empresas (mas não as demasiado pequenas), para comprarem serviços de desenvolvimento tecnológico às universidades – pelo fluxo do dinheiro, tornar claro que as universidades têm de criar inovação para dar resposta às solicitações das empresas, que por sua vez devem ter como objetivo produtos e serviços que possam ser colocados no mercado europeu, pelo menos. Na verdade, o que importa é criar mecanismos financeiros que levem às empresas identificarem oportunidades de inovação, de produto ou de processo, que levam às universidades, que ganham se responderem aos desafios vindos das empresas. A inovação virá da universidade, mas a identificação da necessidade é trazida pela empresa. Ou seja, deixar de proteger o status quo também no formato dos mecanismos usados, e ter a ambição de procurar outros mecanismos que possam ser mais eficazes.
A forma pela qual se regem os apoios públicos é também ela uma opção estratégica até certo ponto. Que áreas de atividade económica se irão desenvolver mais decorrerá da capacidade de identificar oportunidades de forma descentralizada, por parte de cada empresa, e não da vontade de uma burocracia mais, ou menos, iluminada quanto aos sectores de atividade que serão campeões nacionais no futuro.
A terceira opção estratégica é pensar sempre à escala europeia, pelo menos. Qualquer apoio, sectorial ou a empresas, que seja dado através das políticas públicas deverá favorecer as empresas que tenham capacidade demonstrada ou a ambição clara e o potencial de a concretizar de serem internacionais. É essencial que as vantagens de dimensão do mercado europeu sejam usadas para garantir maior produtividade. Desenvolver projetos, empresas ou mesmo sectores de atividade que apenas têm viabilidade financeira de longo prazo se mantiverem uma situação protegida em Portugal deverão ser preteridos.
Não sendo propriamente uma opção estratégica, há uma preocupação adicional a ter em qualquer típo de política industrial que seja adoptada: assegurar a transparência e o escrutínio público da aplicação dos fundos públicos disponibilizados.
Uma escolha direta de setores preferenciais tem dois problemas de partida: a) saber quais são esses setores de sucesso futuro, em que a determinação burocrática poderá ser pior do que a tentativa e erro de ideias de forma descentralizada; b) outros países vão tentar fazer o mesmo, e como assegurar então que se consegue ter sucesso se todos estiverem a procura fazer o mesmo. Para que uma escolha de setores específicos possa ter resultados positivos, e não apenas “afundar” riqueza do país via despesa pública, é necessário garantir transparência e escrutínio público em todas as fases dessa escolha, é necessário evitar “teimosia de longo prazo” (continuar a insistir quando a informação que se recebe e o conhecimento que se constrói aconselham o contrário), e é necessário mostrar o retorno económico e social dos investimentos públicos realizados.
Estas ideias podem ser usadas para criar uma lista de verificação para avaliar propostas de opções estratégicas na economia portuguesa:
A proposta de opção estratégica, seja a nível das infraestruturas, das empresas ou sectorial, tem potencial para melhorar a produtividade média da economia através da inovação e/ou digitalização?
A proposta de opção estratégica tem, a médio prazo, capacidade para criar ou aumentar a escala europeia ou mundial de empresas de base portuguesa?
A proposta de opção estratégia favorece o alinhamento do meio cientifico e académico com as atividades económicas, no sentido que as universidades e os centros de investigação têm mais interesse em fornecer soluções para desafios identificados pelas empresas, seja no médio prazo através da investigação fundamental, seja no curto prazo, através de investigação aplicada?
A proposta opção estratégica é susceptível de incluir medidas de requalificação e transição dos trabalhadores para setores de mais elevada produtividade, facilitando a adaptação a novos trabalhos com novas competências?
A proposta de opção estratégia, se beneficiar de apoio de fundos públicos, tem mecanismos de transparência e responsabilização, assegurando que as decisões de financiamento público são transparentes, sujeitas a escrutínio e associadas a retornos económicos e sociais mensuráveis?
As respostas podem ser positivas, neutras ou negativas. Se uma proposta de “opção estratégica” (o que quer que seja incluído nesse termo) falhar em dois ou mais destes critérios (tiver duas ou mais respostas negativas), deverá ser reformulada ou abandonada.
Deixo a cada um o “divertimento” de aplicar estas cinco perguntas à sua “opção estratégica” preferida.