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O Prémio Nobel da Economia 2025

O Prémio Nobel da Economia foi atribuído a Joel Mokyr, Philippe Aggion e Peter Howitt.

O trabalho mais famoso dos dois últimos autores é “A model of growth through create destruction”, embora também seja bastante importante o trabalho “Competition and Innovation: an inverted-U relationship”, este último tendo também como autores Nick Bloom, Richard Blundell e Rachel Griffith (que poderão um dia receber a distinção do Prémio Nobel, por outros trabalhos que têm realizado).

Embora os títulos dos trabalhos nos levem para os processos de inovação e o crescimento económico como gerado por essa inovação e não apenas crescimento económico resultante de acumulação de investimento, há lições mais profundas que resultam do trabalho que realizaram. 

Estas lições são especialmente significativas no contexto mundial atual, uma vez que tocam em dois aspetos centrais dos últimos tempos: a inteligência artificial como tecnologia transformadora da atividade económica e as guerras tarifárias e tendências protecionistas nas políticas económicas.

De Joel Mokyr, a justificação da distinção com o prémio Nobel foca na distinção entre tipos de conhecimento, fazendo sobressair a importância de “fazer as coisas funcionar” e, num nível mais fundo do funcionamento das sociedades, na tolerância com a diferença e com encontrar mecanismos sociais que permitam a transição para o funcionamento com novas tecnologias, protegendo quem possa eventualmente perder nessa mudança. Os receios dos efeitos da revolução da inteligência artificial retomam receios passados de outras transformações tecnológicas. 

Encontrar as mecanismos institucionais para fazer as mudanças, obter os ganhos e repartir esses benefícios na sociedade é certamente um assunto que irá estar presente da discussão pública e na intervenção pública. Implicitamente, há a defesa da liberdade e da tolerância como elementos de construção de mecanismos sociais para se aproveitarem as oportunidades tecnológicas. 

De Philippe Aghion e de Peter Howitt, o grande assunto subjacente aos seus trabalhos é como o funcionamento das atividades económicas em contexto de mercado pode gerar crescimento económico sustentado, e de que forma a decisão pública pode contribuir para esse efeito. Dois elementos centrais resultam das análises destes dois autores. Sem grande surpresa, a dimensão do mercado é relevante – um maior mercado onde se possam comercializar e vender inovações é naturalmente um mercado que dá maior retorno ao investimento feito e como tal fomenta a inovação. 

No contexto atual, fechar mercados através de tarifas mutuamente impostas entre grandes blocos económicos terá efeitos sobre a taxa de inovação. O funcionamento da economia de mercado como mecanismo descentralizado de ter inovação e crescimento sustentado está no centro dos modelos desenvolvidos, sendo que as políticas públicas devem procurar suportar esses esforços de inovação e não apenas a acumulação de investimento (equipamento). Até aqui, nada de particularmente novo ou surpreendente. Contudo, o trabalho de Aghion e Howitt também sugere que se deve procurar evitar extremos no funcionamento do mercado. 

Empresas monopolistas tendem a ficar acomodadas à sua situação, e a terem menos inovação. A abertura ao comércio internacional é uma forma de evitar monopólios nacionais. Os sectores de atividade económica mais expostos ao ambiente internacional tendem a ser mais inovadores. E para pequenas economias, fechar ao exterior é uma forma de acabar com a inovação. Para Portugal significa que estar na União Europeia é essencial para que se possa ter crescimento económico (e melhores níveis de vida) baseado na inovação. 

Por outro lado, demasiada concorrência entre empresas significa que não há lucros, ainda que temporários, para conseguir a remuneração do investimento em investigação, que depois gere inovação. 

Ou seja, para se ter crescimento económico sustentado em inovação, é necessário ter um nível intermédio de concorrência. Daqui decorre que é necessário existirem mecanismos de apropriação dos ganhos de inovação, seja através de patentes ou de prémios, ou de outras formas que sejam criadas para que o investimento em investigação e em inovação seja recompensado.

Também do trabalho destes dois autores se retira a importância de ter boas instituições em várias áreas, de forma a mitigar efeitos negativos de transição entre tecnologias. A centralização da decisão económica pode limitar a inovação, mas é necessário atingir uma dimensão mínima de atividade para se conseguir ter inovação.  Surge daqui um papel importante das políticas de defesa da concorrência, combinadas com maior integração de mercados. As políticas públicas têm de se adaptar à própria evolução da tecnologia e do que esta vai exigindo. 

O trabalho dos laureados do Prémio Nobel de 2025 sugere, em termos de decisão pública, a necessidade de políticas que apoiem as transformações que a tecnologia implica, incluindo os mecanismos sociais que levem as sociedades a aceitar as mudanças associadas com as novas tecnologias. 


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Observatório da dívida dos hospitais EPE, segundo a execução orçamental (nº 86, outubro de 2025)

Aproxima-se a data de entrega, na Assembleia da República, da proposta de Orçamento do Estado para 2026 (OE). E com ela começa o habitual período de notícias e debates sobre a forma como o Estado intervém no setor da saúde.

O primeiro foco de atenção recai, de forma inevitável, sobre o volume global de fundos atribuídos ao Serviço Nacional de Saúde (SNS). Em segundo plano, como ponto de interesse, surge o texto que enuncia as prioridades do Governo para o setor. No entanto, na última década, esta parte do documento tem evoluído para ter uma componente de crescente de exercício de autoelogio, em vez de uma reflexão crítica: sobre o que foi alcançado, o que ainda falta concretizar e quais devem ser os novos objetivos das políticas públicas na saúde.

A ausência de um verdadeiro “orçamento do SNS”

Falta-nos, desde sempre, um documento que possa ser visto como o Orçamento do SNS, isto é, um documento que esclareça que verbas são atribuídas a quem e com que objetivo de política pública. Naturalmente, garantir o funcionamento normal das entidades do SNS que prestam cuidados à população é uma função central e permanente.

É verdade que há a publicação uma nota explicativa após a divulgação da proposta do OE. Essa nota é útil, mas está longe de ser uma versão do que poderíamos chamar de orçamento do SNS.

Em 2017, o Conselho Nacional de Saúde produziu um mapa de fluxos financeiros no SNS, um instrumento de grande utilidade que permitiria acompanhar o debate orçamental, caso fosse atualizado anualmente. Mas apenas os organismos oficiais dispõem da informação necessária para o fazer.

O problema recorrente dos pagamentos em atraso

Como é habitual, multiplicar-se-ão comentários, estudos e análises sobre o tema. Aliás, o ritmo a que surgem documentos e notícias sobre o setor da saúde é elevado, e continuará a sê-lo muito provavelmente.

No caso do OE para 2026, tenho especial curiosidade em perceber como o Governo pretende lidar com o problema dos pagamentos em atraso no SNS, uma aliança perversa entre orçamentos insuficientes e problemas de gestão.

Apesar dos reforços orçamentais iniciais nos últimos anos, e das injeções financeiras extraordinárias a meio e no final do ano (algo que acontece praticamente desde que existem dados regulares), o problema mantém-se.

Em 2025, a “pacificação” da relação com os profissionais de saúde e o aumento da despesa associada a revisões e aumentos salariais serão, provavelmente, a justificação apresentada. Contudo, se assim for, a questão central permanece: por que razão essa despesa não foi já prevista no orçamento inicial? Perceber a origem desta persistência nos pagamentos em atraso é essencial para avaliar a proposta orçamental de 2026.

O ciclo que se repete

Os dados até agosto de 2025 mostram o padrão habitual: um reforço de verbas durante o verão, que reduz temporariamente o stock de pagamentos em atraso, mas cujo efeito desaparece rapidamente. É quase certo que haverá um novo reforço em novembro, de forma a apresentar, no final do ano, um valor politicamente aceitável.

Assim, repete-se a narrativa: “os pagamentos em atraso estão baixos”. Mas esta é apenas uma ilusão de fim de ano. O problema estrutural, a incapacidade de evitar a acumulação recorrente dessas dívidas, continua disfarçado.

Enquanto as questões de gestão que estão na base dessa situação não forem resolvidas, mais verbas para o SNS significarão apenas mais despesa, sem garantias de melhoria efetiva.

Os números mais recentes são claros. O gráfico habitual mostra a evolução dos pagamentos em atraso e o quadro resume a estimativa do seu crescimento médio mensal, isolando o efeito das transferências extraordinárias: para o ano de 2025, foi de cerca de 85 milhões de euros de acréscimo por mês.

Durante 2025, o ritmo de crescimento mensal dos pagamentos em atraso atingiu um dos valores mais elevados da última década e manteve-se assim durante mais tempo do que em anos anteriores.

Em resumo, as dificuldades de que tanto se fala em público têm uma tradução financeira evidente. Encontrar uma solução continua a ser uma necessidade. Infelizmente, continua também a escapar aos esforços do Ministério da Saúde.