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pacto para a saúde e a DE-SNS, numa entrevista de Adalberto Campos Fernandes

3 comentários

Adalberto Campos Fernandes, ministro da saúde de 2015 a 2018, deu a 8 de janeiro (2025), uma entrevista ao Jornal público em que coloca várias questões (e propostas de resposta) relevantes.

Primeiro, a necessidade de repensar o que significa o Serviço Nacional de Saúde (SNS) assegurar o acesso a cuidados de saúde na combinação de prestação direta própria (pública, via SNS) e de contratação (e/ou aquisição) de serviços ao sector privado (com ou sem fins lucrativos). Não há referência à revisão de papel do SNS enquanto mecanismo garante de proteção financeira. permanecendo por isso sem contestação a ideia do SNS financiado por impostos como instrumento central de proteção financeira, aliás como estabelecido na Constituição da República Portuguesa. E a revisão desta combinação é vista como levando diversos anos a concretizar, indo além de uma legislatura de 4 anos. Relativamente a este ponto, embora entendendo que seja natural a proposta avançada de um pacto político para a saúde como forma de dar estabilidade à “reforma” de vários anos, creio que se pode pensar numa alternativa- encarar a transformação necessária como um processo permanente de aprendizagem e ajustamento do SNS. É uma forma de reconhecer que qualquer reforma pensada hoje estará provavelmente desatualizada quando terminar a sua implementação. Daí que surge como mais interessante, a meu ver, a noção de aprendizagem e ajustamento regular (pensado em permanência no que deve ser), numa lógica de construção de um sistema de saúde e de um serviço Nacional de Saúde resilientes. Importa por isso fazer uma definição de mecanismos de ajuste contínuo do SNS (por exemplo, um departamento de estudos e de aprendizagem permanente na ACES, ou na DE-SNS, de no próprio ministério da Saúde) em vez de um pacto para a saúde. Claro que as duas ideias não são mutuamente exclusivas.

O segundo grande tema do artigo é o papel da DE-SNS – Direção Executiva do SNS (incluindo a possibilidade da sua extinção). Ora, quanto à DE-SNS, partilho a visão expressa em documento elaborado há poucos anos pelo Health Cluster Portugal, onde se detalha um papel claro de organização e e de gestão para a DE-SNS. O problema atual da DE-SNS não está propriamente na sua existência. Está na ambiguidade de relacionamento que existe dentro do sector público da saúde, com funções repartidas entre ACSS, DE-SNS, SPMS e Ministério da Saúde (por exemplo, as negociações salariais e de condições de trabalho com os sindicatos das profissões de Saúde). As múltiplas “articulações” a estabelecer entre entidades, e as várias consultas, nos processos de decisão, de umas entidades a outras tendem a criar ambiguidade de responsabilidade de decisão e maias morosidade na decisão. É como se uma empresa de grande dimensão se decidisse separar em várias, ficando uma com o CEO (e COO (Chief operating officer)), outra com o CFO (Chief financial officer), outra com o CIO (Chief information officer), etc. Há uma clara necessidade de estabelecer processos de decisão mais escorreitos e sem dúvidas sobre que decisões pertencem a que entidade. Também julgo central que a DE-SNS assuma a realização de explicitar que caminho se pretende seguir na organização das unidades de prestação de cuidados de saúde do SNS, criando os documentos que sirvam de guia estratégico para as Unidades Locais de Saúde (afinal estas são a unidade fundamental em termos da prestação de cuidados de saúde), tendo em conta a sua autonomia de gestão. Precisam de ter um quadro orientador para a definição das suas estratégias próprias. O estabelecer a estratégia global, dentro da visão que seja estabelecida pelo Ministério da Saúde, e a sua comunicação efectiva às ULS deverá ter primazia, na atuação da DE-SNS, face à micro gestão das ULS. Um exemplo dessa micro gestão é ser a DE-SNS a controlar (ou a definir diretamente/ escolas de urgência hospitalar (tarefa que deverá ser realizada por cada ULS). Assim, antes de avançar para uma decisão de extinção da DE-SNS, será de lhe dar o quadro de atuação adequado. As dúvidas levantadas por Adalberto Campos Fernandes têm toda a razão de ser, e é necessário haver uma (re)definição de responsabilidades, incluindo a de condução (explicitação e comunicação) de uma estrátégia para a rede de unidades de prestação de cuidados de saúde que faz parte do SNS. 

(imagem criada com recurso a instrumentos de IA)
Desconhecida's avatar

Autor: Pedro Pita Barros, professor na Nova SBE

Professor de Economia da Universidade Nova de Lisboa.

3 thoughts on “pacto para a saúde e a DE-SNS, numa entrevista de Adalberto Campos Fernandes

  1. Desconhecida's avatar

    Professor, partilho à anos da sua visão que tenho relatado persistentemente ao longo dos anos perante os dirigentes sem qualquer nota de apreciação. Esta colide com incompatibilidades público-privadas, e interesses instalados na aquisição /subsídio / prestação de serviços nos sectores público, privado e de solidariedade social, assim como na luta “entre galos” na Administração do Estado, como referido pelo Almirante Gouveia e Melo, em resultado da ação efetiva de diagnóstico, gestão e intervenção em saúde, que em circunstâncias adversas de emergência pandémica, demonstrou as competências que lhe são reconhecidas, com os escassos recursos em que todos sempre se refugiam.

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  2. Desconhecida's avatar

    Caro Pedro,

    Penso que é possível objectivar um pouco mais este debate.

    1. Há anos que se insiste na necessidade de um Plano Plurianual para o Desenvolvimento do SNS. O anterior Governo, chegado à preparação do OGE para 2024, achou que estavam reunidas as condições para o efeito e elaborou o chamado Quadro Global de Referência do SNS (QGR). Uma primeira aproximação a requerer claramente múltiplos aperfeiçoamentos. O atual Governo, tendo no seu Programa previsto a elaboração de tal Plano, adotou o QGR herdado, formalmente, mas sem nenhum aperfeiçoamento ou análise/debate para esse efeito. Na realidade, parece que foi substituído pelo Plano de Emergência e Transformação da Saúde (PETS), que não lhe faz qualquer referencia. O PETS precisa de facto de ser analisado, não só em relação à realização das suas metas, mas também à sua natureza, objetivos, estrutura e fundamentação.

    O QGR é essential, entre muitos outros aspetos para (a) assegurar a estabilidade e previsibilidade financeira e (b) permitir uma verdadeira política para as profissões de saúde. Aspetos fundamentais e urgentes para a necessária transformação do SNS.

    2. Um segundo elemento fundamental para a evolução do sistema de saúde é uma estratégia explícita, transparente e também plurianual para a cooperação entre o SNS e os setores social e privado. Pode-se dizer que também está em falta.

    3. O posicionamento das distintas formações políticas face a estes 2 instrumentos, permitirá objetivamente aferir do seu grau de convergência ou divergência. E não digressões especulativas estéreis. 

    4. E também a qualidade do debate político: (a) a explicitação da base ideológica de cada formação política – para além “de estamos todos aqui para resolver os problemas do país” – e (b) a efetividade dos mecanismos de controle da representação de interesses privados nas políticas públicas.

    5. Finalmente, a importância da autonomia do SNS, como Instituto Público Especial, também uma “velha aspiração”, muito dependente de 2 fatores: (a) a cultura política predominante que tende a equacionar “o poder real do Ministério da Saúde” com a sua capacidade de intervenção direta na gestão do SNS e (b) a capacidade da DE-SNS de configurar e desenvolver as competências requeridas para liderar as transformações necessárias. Em relação a estes 2 aspetos, não é necessária uma argúcia extraordinária para ver exatamente onde estamos.

    Abraço amigo,

    Constantino Sakellarides.

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  3. Pingback: Ainda a DE-SNS, em reformulação | Momentos económicos... e não só

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