Após a “limpeza” de pagamentos em atraso verificada com as transferências adicionais de verba no final de 2022, e com um orçamento para 2023 aprovado com fundos que se antecipava serem suficientes para a atividade esperada do Serviço Nacional de Saúde, com um novo posto de CEO do SNS entregue a uma pessoa, e equipa por ele escolhida, que generalizadamente se reconhece como conhecedor e capaz na gestão do SNS, não deixa de constituir surpresa que, com dois meses de 2023 decorridos, os velhos hábitos de crescimento dos pagamentos em atraso não se tenham alterado. De acordo com os valores divulgados pela Direção-Geral do Orçamento, os dois primeiros meses de 2023 apresentam um ritmo, até elevado do ponto de vista histórico, de crescimento dos pagamentos em atraso. O “Império” dos pagamentos em atraso contra-ataca o esforço financeiro do final de 2022.
É certo que o ritmo observado (crescimento de cerca de 56 milhões de euros por mês) é inferior ao que ser verificou no ciclo anterior de crescimento depois de “limpeza” realizada em finais de 2021, e no verão de 2022 (com a aprovação tardia do Orçamento do Estado), que foi de cerca de 80 milhões de euros por mês. Ainda assim, ambos valores superiores ao que ocorreu no início do primeiro governo de António Costa (ver Figura 3 abaixo). A evolução de Dezembro de 2022 a Fevereiro de 2023 está perfeitamente alinhada com o padrão observado nos anos anteriores (Figura 1 abaixo).
O efeito de “choque de gestão” que pudesse ter sido antecipado pelos hospitais do SNS pela existência de um CEO com natureza mais interveniente no dia a dia do que a “tutela política” e pela “limpeza” dos pagamentos em atraso anteriores não ocorreu. Vai ser necessária uma atuação clara e persistente da nova Direção Executiva do SNS, com eventuais mudanças de equipas de gestão, incluindo equipas intermédias, e até de reconfiguração das unidades hospitalares, para conseguir uma mudança real neste campo. Não basta, aparentemente, ter reforço de orçamento e um CEO reputado (a analogia com o filme Danças com Lobos, por Francisco Velez Roxo, é uma forma interessante de colocar os desafios para o CEO do SNS).
O argumento de que em 2022 se fez o esforço para ter os pagamentos em atraso ao nível mais baixo de sempre dos últimos anos, e num movimento persistente de o fazer, é verdade (a Figura 2 apresenta os valores dos pagamentos em atraso em Dezembro de cada ano). Mas, como tenho chamado a atenção noutros posts, os valores de final de ano escondem uma dinâmica que transmite uma visão diferente dos valores de final de ano. Estes valores de final de ano foram conseguidos não por uma melhor capacidade de gestão financeira (micro dos hospitais, com a despesa que originam; macro do Governo, com o orçamento inicial que estabelece) e sim por um cada vez maior volume de verbas adicionais. Esse ritmo crescente de verbas adicionais cria a expectativa de mais verbas no final do ano seguinte, e logo a manutenção destes pagamentos em atraso.
Ao fim de 10 anos de dados mensais sobre os pagamentos em atraso, excluindo desta linha temporal o ano de 2012 da troika por ter sido de regularização de um passado “escondido” de pagamentos em atraso, não se pode dizer que o problema não é conhecido, não se pode dizer que o padrão não se repete ciclicamente, não se pode dizer que o problema está resolvido porque em Dezembro o valor dos pagamentos em atraso é baixo.
Ainda mantenho a esperança de que o CEO do SNS e a sua equipa terão engenho, capacidade e suporte político para alterarem este padrão. Mas claramente não será por “reputação”, porque nesse caso já Janeiro e Fevereiro deveriam ter sido diferentes do padrão histórico, e não foram.




4 \04\+00:00 Abril \04\+00:00 2023 às 15:09
Oxala nao nos fiquemos por mais um episodio da “Guerra dos Tronos”
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