Uma das primeiras decisões de António Costa quanto tomar posse novamente como primeiro-ministro será apresentar um programa de Governo e um Orçamento do Estado. Como o Orçamento do Estado prometido (e brandido) antes das eleições foi feito para ser apresentado em Outubro de 2021, como o programa eleitoral do Partido Socialista foi apresentado em Janeiro de 2022 aos eleitores, como, entretanto, a Rússia invadiu a Ucrânia, muito terá que mudar no Orçamento do Estado.
Não foram apenas as condições económicas globais que se alteraram de forma importante. Também o papel da União Europeia como um bloco de países que decide em conjunto mudou. Em termos económicos, temos atualmente um choque de aumento dos custos de energia que fará subir muitos preços de forma permanente e é um choque negativo nas economias comum a todos os países da União Europeia. Temos igualmente um choque de refugiados, com maior peso nos países geograficamente mais próximos da Ucrânia. A resposta a esse choque terá de ser solidariamente distribuído dentro da União Europeia (com o acolhimento não se sabe por quanto tempo destes refugiados e com o apoio financeiro que será certamente dado aos países que mais afetados estão a ser por este movimento de milhões de pessoas). Há, ainda, o choque de apoio à Ucrânia, seja agora em termos de ajuda humanitária e de apoio, quer seja, muito provavelmente, mais tarde para o esforço de reconstrução das infraestruturas do país, produtivas e de habitação. Há o potencial (e previsível) choque alimentar caso a situação de guerra venha a impedir a grande parte (a maioria? a totalidade?) das culturas agrícolas da Ucrânia e com a quebra de relações comerciais com a Rússia.
Nos próximos tempos, decisões importantes que afetarão a economia portuguesa irão ser tomadas coletivamente como União Europeia (o que é diferente de serem decisões da Comissão Europeia), numa responsabilidade coletiva de todos os países. E com choques negativos de várias naturezas sobre a economia será impossível tomar medidas que “façam de conta” que estes choques não existem, em particular não será possível sustentar medidas de apoio que procurem manter tudo como estava (antes da pandemia).
Enquanto o choque da pandemia da COVID-19 se antevia como um choque transitório, o choque da guerra na Ucrânia será um choque permanente em toda a Europa, mesmo para os países que não são parte direta nos combates. As medidas de apoio económico não vão poder ser as mesmas. Os objetivos que lhes vão estar subjacentes vão ser diferentes.
Em consequência, será de esperar que à medida que o tempo corre, a sensibilidade à situação de guerra diminua e a preocupação com os efeitos no dia-a-dia aumente na população. Provavelmente haverá contestação social de uma forma que não se teve durante a pandemia.
O contexto para a decisão política é muito diferente, e vai exigir novas prioridades para a ação governativa e um novo Orçamento do Estado. Essas novas prioridades vão implicar escolhas. Não vai ser possível voltar a que era a economia pré-pandemia e tentar fazê-lo irá ser pior para toda a economia portuguesa a breve prazo. Há que compreender e acomodar o que forem efeitos permanentes dos atuais choques.
As escolhas económicas que se aproximam não vão ser simples nem evidentes. Não o fazer já no orçamento do Estado que o novo Governo irá apresentar significa apenas criar a necessidade de um orçamento retificativo daqui a uns meses.