Ainda no ritmo das várias comemorações dos 40 anos do SNS, realizou-se uma sessão no dia 20 de setembro de 2019, na sede da Ordem dos Medicos, sobre os desafios que se colocam ao SNS.
Olhemos então para o tema, e para (alguns) elementos do que foi a discussão na primeira parte da manhã.
Proponho dividirmos os desafios em grupos de acordo com serem desafios associados a restrições ou constrangimentos, ou desafios que correspondem a ambições, ou princípios base, para o SNS. E de serem desafios imediatos (no curto prazo), ou desafios que vão exigir um maior trabalho.
A ideia inicial foi criar uma lista de tipos de desafios, para ver quais eram os mencionados na sessão em que participei. O quadro abaixo apresenta os meus desafios iniciais, entre parêntesis coloco quem os mencionou, e se estiver em itálico corresponde a desafios em que não pensei antecipadamente e que foram introduzidos na discussão.
Desafios: |
Ambições / principios base |
Constrangimentos/ restrições |
Curto prazo |
· Proteção financeira e pagamentos directos
· Mecanismos de melhoria contínua na gestão do SNS
· Relação Médico – doente (NH, FF)
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· Qualidade da gestão intermédia do SNS (acesso, listas de espera) (NH)
· Renovação de equipamentos no SNS (NH)
· Profissões de saúde (salários e horários), ou relação médicos – SNS (NH, FF, MG)
· Resposta integrada (RD)
· Financiamento do SNS e dívidas (NH) |
Médio e longo prazo |
· “horses for courses” (PPPs, concorrência, outros instrumentos…)
· Visão de longo prazo de percursos profissionais (NH, FF, MG)
· Necessidade de alterar a procura para se ter um SNS robusto, resiliente e sustentável (nas suas quatro dimensões – financeira, técnica, social e política)
· Respeito pelas preferências individuais dos cidadãos nas escolhas – condições para vida saudável e de acordo com os objectivos de vida de cada cidadão (NH)
· Cuidados de saúde primários como ponto central da coordenação de cuidados
· Digital como instrumento de mudança (de cultura de prestação de cuidados, emergência de novas profissões) (RD)
· Promoção da saúde (NH, FF, MG)
· Crise de reconhecimento do SNS (GF)
· Transparência (GF)
· Canais de comunicação do SNS com os cidadãos (GF) |
· Mecanismos de financiamento do SNS (atendendo a nível de financiamento e incentivos)
· Preços na aquisição de bens e serviços (exemplo: medicamentos)
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Mencionados também por NH – Nadim Habib, FF – Filipe Froes, GF – Graça Freitas, MG – Miguel Guimarães, RD – Raquel Duarte
Em itálico, os que foram adicionados (e bem) durante a sessão. A classificação na matriz é da minha responsabilidade.
Além dos desafios, alguns comentários adicionais, decorrentes do que foi dito na sessão:
a) integração de cuidados – é fácil, demasiado fácil, concordar com a proposta de integração de cuidados; mas “integração” trás consigo uma ideia de integração organizacional (ou quase), com regras de articulação, que não são verificadas nem usadas. E se tem ou precisa de regras não vai ser flexível, adaptada à necessidade de decisão local que seja necessária. A meu ver, será melhor falar em coordenação, que permita a utilização de vários mecanismos, incluindo “preços internos”, para que haja partilha dos ganhos de melhor coordenação dos cuidados prestados. Coordenação significa que não é preciso haver um líder da “organização”, e sim várias organizações que têm de falar e de partilhar as vantagens que possam existir da coordenação dos cuidados que prestam.
b) Nadim Habib lançou a ideia de ser necessário um diagnóstico. Confesso que a primeira reação foi a de que já temos bons roteiros (relembro o relatório gulbenkian de 2014, Um futuro para a Saúde, que me parece ainda bastante atual como visão). A diferença está se, em linha com o resto da apresentação, Nadim Habib pretende um diagnóstico que use mais o lado do cidadão do que os “actores habituais” dos serviços de saúde anunciarem o que o cidadão tem de querer. Assim talvez haja alguma novidade, na procura de responder à heterogeneidade de preferências dos cidadãos.
c) interessante a “rebeldia” de Filipe Froes contra a utilização de certas métricas para caracterizar o SNS. Tem alguma razão. As métricas devem corresponder a objectivos do sistema de saúde. Ter mais (cirurgias, consultas, médicos, enfermeiros) não é um fim em si mesmo. Pode ser bom sinal, se corresponder a satisfazer necessidades da população que não são evitáveis. Pode ser um mau sinal, se corresponder a um acréscimo por necessidades que seriam evitáveis.
d) assinalo também o “desabafo” de Graça Freitas sobre a falta de reconhecimento do SNS, nomeadamente pelos profissionais de saúde, e pelo desânimo que sentem em trabalhar no SNS nos dias de hoje. Ideia de alguma forma retomada por Miguel Guimarães na sua intervenção, sobre como se sentem os médicos no SNS de hoje. Interessante o anúncio de uma reflexão sobre repensar e refazer o relatório das carreiras médicas (creio que foi esta a expressão usada).
e) Falou-se de promoção da saúde, mas rapidamente, e creio que é por ser difícil fugir aos lugares comuns que têm estados presentes. A este respeito, para daqui a umas semanas, sugiro acompanhar o que será o relatório do EC Expert Panel on Effective Ways of Investing in Health, com sessão pública a 23 de outubro (ver aqui, e termos de referência aqui, o relatório preliminar estará disponível em breve).
(fotos retiradas do facebook da ordem dos médicos)
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