Momentos económicos… e não só

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Os programas partidários na Saúde – uma visão rápida

Aproveitando a sessão dos 40 anos do SNS da Ordem dos Médicos, onde se falou dos desafios para o SNS, decidi comparar esses desafios com as propostas dos partidos. Constata-se que há vários desafios que não têm resposta (pelo menos, clara) nos programas dos partidos.

Mas também há ideias nos programas dos partidos que não foram identificados nesta sessão: participação dos cidadãos nas decisões do sistema de saúde, hospitalização domiciliária, saúde mental, novo apoio domiciliário, unidades móveis de proximidade nos cuidados de saúde primários, extinção das ARS (com algum do seu papel de coordenação local transferida para uma generalização da presença das unidades locais de saúde), por exemplo.

Também há algumas ideias erradas que surgem nalguns programas: (a) ter objectivos de despesa pública em saúde estabelecidos em percentagem do PIB (é má ideia por várias razões, entre elas forçar a que a despesa desça se o PIB descer – ou seja, cortar recursos em períodos de crise económica; permitir aumentar despesa apenas por efeitos preço); (b) contradições entre liberdade de escolha e outras medidas; (c) informação incompleta quanto à concretização – o principal exemplo é a atribuição de médico de família a todos os residentes (que o pretendam, subentende-se), pode ser feito por recrutamento de mais médicos (o que foi tentado) e/ou por alargamento da lista de inscritos (em que a discussão tem sido mais para reduzir). O facto de ser uma promessa já feita em vários anos por vários ministros sem ser concretizada deveria obrigar quem renova essa promessa a explicar como espera ter sucesso onde outros falharam.

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(o quadro deve ser lido à luz dos desafios falados no post anterior)


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SNS aos 40 anos, na Ordem dos Médicos

Ainda no ritmo das várias comemorações dos 40 anos do SNS, realizou-se uma sessão no dia 20 de setembro de 2019, na sede da Ordem dos Medicos, sobre os desafios que se colocam ao SNS.

Olhemos então para o tema, e para (alguns) elementos do que foi a discussão na primeira  parte da manhã.

Proponho dividirmos os desafios em grupos de acordo com serem desafios associados a restrições ou constrangimentos, ou desafios que correspondem a ambições, ou princípios base, para o SNS. E de serem desafios imediatos (no curto prazo), ou desafios que vão exigir um maior trabalho.

A ideia inicial foi criar uma lista de tipos de desafios, para ver quais eram os mencionados na sessão em que participei. O quadro abaixo apresenta os meus desafios iniciais, entre parêntesis coloco quem os mencionou, e se estiver em itálico corresponde a desafios em que não pensei antecipadamente e que foram introduzidos na discussão.

Desafios: Ambições / principios base Constrangimentos/ restrições
Curto prazo ·      Proteção financeira e pagamentos directos

·      Mecanismos de melhoria contínua na gestão do SNS

·      Relação Médico – doente (NH, FF)

 

 

·      Qualidade da gestão intermédia do SNS (acesso, listas de espera) (NH)

·      Renovação de equipamentos no SNS (NH)

·      Profissões de saúde (salários e horários), ou relação médicos – SNS (NH, FF, MG)

·      Resposta integrada (RD)

·      Financiamento do SNS e dívidas (NH)

Médio e longo prazo ·      “horses for courses” (PPPs, concorrência, outros instrumentos…)

·      Visão de longo prazo de percursos profissionais (NH, FF, MG)

·      Necessidade de alterar a procura para se ter um SNS robusto, resiliente e sustentável (nas suas quatro dimensões – financeira, técnica, social e política)

·      Respeito pelas preferências individuais dos cidadãos nas escolhas – condições para vida saudável e de acordo com os objectivos de vida de cada cidadão (NH)

·      Cuidados de saúde primários como ponto central da coordenação de cuidados

·      Digital como instrumento de mudança (de cultura de prestação de cuidados, emergência de novas profissões) (RD)

·      Promoção da saúde (NH, FF, MG)

·      Crise de reconhecimento do SNS (GF)

·      Transparência (GF)

·      Canais de comunicação do SNS com os cidadãos (GF)

·      Mecanismos de financiamento do SNS (atendendo a nível de financiamento e incentivos)

·      Preços na aquisição de bens e serviços (exemplo: medicamentos)

 

Mencionados também por NH – Nadim Habib, FF – Filipe Froes, GF – Graça Freitas, MG – Miguel Guimarães, RD – Raquel Duarte

Em itálico, os que foram adicionados (e bem) durante a sessão. A classificação na matriz é da minha responsabilidade.

Além dos desafios, alguns comentários adicionais, decorrentes do que foi dito na sessão:

a) integração de cuidados – é fácil, demasiado fácil, concordar com a proposta de integração de cuidados; mas “integração” trás consigo uma ideia de integração organizacional (ou quase), com regras de articulação, que não são verificadas nem usadas. E se tem ou precisa de regras não vai ser flexível, adaptada à necessidade de decisão local que seja necessária. A meu ver, será melhor falar em coordenação, que permita a utilização de vários mecanismos, incluindo “preços internos”, para que haja partilha dos ganhos de melhor coordenação dos cuidados prestados. Coordenação significa que não é preciso haver um líder da “organização”, e sim várias organizações que têm de falar e de partilhar as vantagens que possam existir da coordenação dos cuidados que prestam.

b) Nadim Habib lançou a ideia de ser necessário um diagnóstico. Confesso que a primeira reação foi a de que já temos bons roteiros (relembro o relatório gulbenkian de 2014, Um futuro para a Saúde, que me parece ainda bastante atual como visão). A diferença está se, em linha com o resto da apresentação, Nadim Habib pretende um diagnóstico que use mais o lado do cidadão do que os “actores habituais” dos serviços de saúde anunciarem o que o cidadão tem de querer. Assim talvez haja alguma novidade, na procura de responder à heterogeneidade de preferências dos cidadãos.

c) interessante a “rebeldia” de Filipe Froes contra a utilização de certas métricas para caracterizar o SNS. Tem alguma razão. As métricas devem corresponder a objectivos do sistema de saúde. Ter mais (cirurgias, consultas, médicos, enfermeiros) não é um fim em si mesmo. Pode ser bom sinal, se corresponder a satisfazer necessidades da população que não são evitáveis. Pode ser um mau sinal, se corresponder a um acréscimo por necessidades que seriam evitáveis.

d) assinalo também o “desabafo” de Graça Freitas sobre a falta de reconhecimento do SNS, nomeadamente pelos profissionais de saúde, e pelo desânimo que sentem em trabalhar no SNS nos dias de hoje. Ideia de alguma forma retomada por Miguel Guimarães na sua intervenção, sobre como se sentem os médicos no SNS de hoje. Interessante o anúncio de uma reflexão sobre repensar e refazer o relatório das carreiras médicas (creio que foi esta a expressão usada).

e) Falou-se de promoção da saúde, mas rapidamente, e creio que é por ser difícil fugir aos lugares comuns que têm estados presentes. A este respeito, para daqui a umas semanas, sugiro acompanhar o que será o relatório do EC Expert Panel on Effective Ways of Investing in Health, com sessão pública a 23 de outubro (ver  aqui, e termos de referência aqui, o relatório preliminar estará disponível em breve).

 

(fotos retiradas do facebook da ordem dos médicos)

 


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“The role of data in health economics”, for a data scientists’ audience, by an economist

Tive o desafio da Data Science Portuguese Association para falar sobre “the role of data in health economics” (obrigado Guilherme Ramos Pereira!). Entre apresentar um paper (singelo) ou fazer uma apresentação genérica, a escolha acaba sempre na última – apesar de usar dados não sou data scientist, mas para quem possa ter interesse, deixo aqui a apresentação de hoje. Calculo que as discussões sérias tenham surgido depois.

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Observatório mensal da dívida dos hospitais EPE, segundo a execução orçamental (nº 58/59 – Julho/Agosto 2019)

Após o tempo de férias, é tempo de retomar a análise da evolução dos pagamentos em atraso (dívidas) dos hospitais EPE. Os dois últimos valores publicados em Julho e Agosto (referentes respectivamente a Junho e Julho) mostram uma diminuição da dívida em Junho, resultado provável da utilização de verbas adicionais que foram anunciadas no início do ano, seguido de novo crescimento (acelerado face ao período imediatamente anterior à queda de Junho de 2019). É um movimento que tem sido regular, na figura abaixo é fácil identificar essas situações – a linha vermelha, no início de 2017, tem esse efeito, tam como sucede novamente no final de 2017, com a linha laranja (que foi o momento, felizmente curto, de maior crescimento das dívidas em atraso). Durante a maior parte do ano de 2019, o ritmo de crescimento, descontadas as injeções de verbas, foi mais lento do que em 2018 (26 milhões de euros/mês nos primeiros meses de 2019, contra quase 34 milhões de euros/mês na maior parte do ano de 2018). O salto dado em Julho de 2019 ainda não pode ser considerado uma nova tendência em termos quantitativos (por ter apenas um ponto de crescimento, com cerca de 70 milhões de euros), mas é mais um ponto de quebra instantânea, e em que a primeira observação depois dessa queda não é diferente do padrão histórico passado. As diferentes regularizações vão levar à comparação dos stocks de dívida entre momentos. Em período eleitoral, irá certamente haver o esforço de se dizer que a dívida é mais baixa hoje do que foi no passado; escolhendo adequadamente o ponto de comparação isso será sempre possível. Mas dificilmente se poderá afirmar de forma séria que o problema dinâmico está resolvido, e que as causas deste persistente crescimento dos pagamentos em atraso estão identificadas e alteradas. É notório que houve um esforço diferente no último ano e meio, com algumas iniciativas com a intenção de alterar as causas (despejar dinheiro com verbas adicionais, sem mais nada, não é uma uma dessas iniciativas; a criação da estrutura de missão conjunta entre ministério das finanças e ministério da saúde é uma dessas iniciativas – como discutido em posts anteriores).

Para o período eleitoral que se aproxima, veremos se as diferentes propostas de programa dos vários partidos incluem elementos de solução desta questão, e em caso afirmativo, que equilíbrio procuram encontrar entre a ação macro (verbas disponibilizadas, valor e como deve ser calculado, em versão do jargão popular no sector: como terminar com o subfinanciamento crónico) e a ação micro (como levar a um melhor funcionamento dos hospitais, que lhes permita ser eficientes no sentido de utilizar apenas os recursos necessários e suficientes para o que lhes é solicitado em termos assistenciais, ou em versão mais directa: reduzir o desperdício de recursos).

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