O Governo decidiu reduzir as vagas de acesso ao ensino superior em Universidades de Lisboa e Porto (redução de 5%). Tratemos esta decisão num quadro de avaliação de uma proposta de política pública. Primeiro passo, qual o objectivo pretendido, isto é, qual o problema que se pretende resolver e qual a evidência disponível sobre esse problema?
De acordo com declarações várias, o objectivo seria o de colocar mais alunos no interior do país. Este objectivo dito deste modo é claramente incompleto. Será provavelmente mais correcto falar-se em fixar a actividade económica associada com o ensino superior no interior do país como sendo o objectivo central. Ou numa visão ainda mais ampla, desenvolver (ou reverter o despovoamento) do interior do país.
A correta e detalhada especificação do objectivo pretendido é central para se poder discutir a proposta. Isto porque o segundo passo é encontrar opções de politica que procurem satisfazer o objectivo pretendido, e para depois se escolher a melhor entre essas opções.
Se o objectivo for o desenvolvimento do interior do país, importa que seja explicado que outras opções, que outros instrumentos alternativos, existem e porque usar o ensino superior é preferível. Mas vamos admitir que essa reflexão foi feita de forma adequada e que é mesmo uma boa opção levar a que mais alunos do ensino superior sejam colocados em instituições universitárias do interior de Portugal.
A mesma pergunta então deve ser feita para este objectivo mais concreto, quais as opções de intervenção pública disponíveis para levar mais alunos a escolherem instituições de ensino superior no interior do país? seguindo-se logo a pergunta de quais as vantagens e desvantagens de cada opção e quem suporta os custos e/ou recebe os benefícios de cada opção?
A opção anunciada, de reduzir o número de vagas do ensino superior nos grandes centros urbanos, não será a única possibilidade.
Antes de considerar alternativas, é bom ver quais as vantages e as desvantagens desta opção, quem é afectado e o que é necessário para que tenha os resultados pretendidos. Do lado de quem beneficia: a) esta medida é fácil de aplicar, beneficia o Governo em termos de poupança de custos de transação e tempo de aplicação; b) não envolve orçamento do Estado adicional; c) beneficiam as universidades públicos do interior que venham a receber mais alunos; d) beneficiam as zonas geográficas que venham a ter maior atividade económica decorrente de um maior número de alunos a frequentar as universidades do interior (efeito que dependerá de serem alunos dessas regiões ou de serem alunos deslocados de outras zonas do pais); e) beneficiam as universidades privadas dos grandes centros urbanos, que poderão captar alunos que não sejam admitidos agora nas universidades públicas afectadas pela redução de vagas.
Em termos de desvantagens: a) perdem os alunos que não consigam obter a sua colocação preferida devido à limitação de vagas, e que sejam por isso obrigados a ir para outra universidade. Na medida em que as escolhas sejam o reflexo do benefício esperado com a formação (beneficio monetário futuro e também não monetário), então esses alunos assumem um custo futuro; b) perdem as famílias dos alunos deslocados com esta medida que não o seriam de outro modo (note-se que se um novo aluno do ensino superior viesse de outra zona do país para as universidades dos grandes centros urbanos, sendo com esta medida desviado para outro local, não há necessariamente um aumento de encargos financeiros, podendo até haver uma sua diminuição se o custo de vida for menor); c) perde quem, no caso de alunos deslocados para os grandes centros urbanos que deixem de ir para lá, beneficia da actividade local nesses centros urbanos gerada por esses alunos.
Ou seja, comparando com a situação actual, esta medida beneficia actores regionais (universidades e actividade económica), como pretendido, recaindo o custo sobre as universidades e actividade local das zonas com limitação de vagas, por um lado, e sobre os alunos (por limitação das suas escolhas) e respectivas famílias, por outro lado.
A magnitude destes efeitos dependerá também de como for encarada e de como se preparar a oferta privada de ensino superior nas áreas disciplinares onde haja maior limitação de vagas (por exemplo, no caso concreto de economia e gestão, é razoável admitir que alguns dos alunos que não entrem nas universidades públicas afectadas possam optar por universidades privadas, não gerando por isso o efeito de “fluxo migratório” para o interior do pais).
Desconheço se o Governo realizou antecipadamente alguma avaliação quantitativa destes efeitos ou se pretende apenas realizar essa avaliação após o primeiro ano.
O balanço das vantagens e desvantagens da medida anunciada face à opção de manter o status quo, na ausência de informação que permita quantificar os vários efeitos, fica à vontade e percepção de cada um.
A parte seguinte da discussão é olhar para outros instrumentos, alternativas, que possam ser usados. Uma possibilidade seria a de atribuição de bolsas a quem optasse por universidades do interior. Esta alternativa tem como vantagem central tornar voluntária, através da candidatura, a decisão de ir, ou não, para uma universidade do interior par parte de alguns alunos. A grande desvantagem está no impacto orçamental que teria – a medida de apoio financeiro a alunos teria que abranger todos os alunos que optassem por universidades do interior e não apenas os que deixariam de ir para uma universidade dos grandes centros urbanos. O financiamento teria que surgir do aumento de impostos, redução de outra despesa pública ou/e aumento da dívida pública por maior despesa. Na medida em que a opção actual de escolha dos alunos se manteria disponível, não ocorreria um recurso às universidades privadas como resposta a uma política de aumentar o número de alunos no interior.
Uma terceira opção seria a de melhorar a atractividade das universidades do interior, incluindo a sua capacidade de os respectivos alunos terem um melhor desempenho no mercado de trabalho depois da formação (embora essa não seja a única medida para aferir a atractividade). Esta opção tem a vantagem de as escolhas dos alunos por universidades do interior serem voluntárias e não forçadas, e de beneficiarem todos os estudantes das universidades do interior. A desvantagem está nos custos de aplicação, incluindo os custos financeiros para o orçamento do Estado (no que é similar à opção anteriormente discutida). Por outro lado, permitiria numa estratégia mais ampla, também lidar com a preocupação já expressa com a endogamia no ensino superior superior se desse condições de contratação de recursos humanos formados noutras escolas (por questão de espaço não alongo mais essa ramificação da discussão).
Olhando para as estas três opções, medida administrativa de vagas, apoiar os alunos, apoiar as universidades do interior, constata-se que têm custos e benefícios diferentes, quer na sua magnitude quer na sua distribuição (quem beneficia e quem paga o custo). Esses elementos dependem, em parte, da reacção que os estudantes afectados terão. Que pode fazer com que a medida seja um sucesso com poucos custos (suportados pelas alunos e suas famílias) ou que seja completamente ineficaz, com custos para os alunos afectados e beneficiando as universidades privadas das grandes zonas urbanas. O ajustamento dos alunos poderá ser diferente de área para área cientifica. A medida do Governo tem a vantagem de incidir apenas sobre os alunos que se pretende que mudem, e “exporta” os custos para eles e respetivas famílias.
Leitura recomendada sobre metodologias de avaliação de propostas de políticas públicas: Carlos Blanco de Morais, Guia de Avaliação de Impacto Normativo.
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