Este foi o titulo de uma noticia do fim de semana, e juntando esta a outras notícias que têm surgido no braço-de-ferro entre Governo e Universidades, o “generosos” que figura no título motiva naturalmente uma reação de quem lê. Diferente para quem está dentro do dia a dia das universidade e para quem vê de fora. E o “Governo pagar” também merece neste momento um comentário.
Primeiro, declaração de interesses: trabalho numa Universidade pública, onde este ano houve um excedente, que muitos classificarão como generoso, e que vem mencionado na notícia, e por funções exercidas até Setembro de 2017 acompanhei a evolução da situação económica e financeira das universidades.
Segundo, o “braço-de-ferro” tem duas componentes para discussão – por um lado, o que serão, pelo menos nalgumas instituições e nalguns casos, estes excedentes, e por outro lado, o que é a palavra dada e escrita pelo Governo.
Vamos então à primeira parte. Cada vez mais tem sido pedido às universidades portuguesas que participem em atividades cientificas internacionais e que ganhem bolsas de investigação atribuídas de forma competitiva. Essa atividade de projetos científicos significa que os investigadores, quando ganham essas bolsas e desenvolvem os projetos subjacentes, recebem nas suas instituições de origem financiamento adiantado, mas que se encontra consignado a despesas – por exemplo, se receber um milhão de euros para o funcionamento de um laboratório por um ano (recursos humanos e equipamento) em novembro, então haverá muitos meses desse fundo que serão “excedente generoso” mas que já se encontra comprometido. O problema está em que a contabilidade desses fundos não reflete desde logo o compromisso com a despesa, e como tal o excedente realmente não existe. O Governo, os vários ministérios envolvidos, sabe desta natureza de parte dos saldos, pelo que dificilmente compreendo como se continua a insistir no mesmo argumento. Se se pretende usar seriamente a existência de “generosos excedentes” então estes excedentes, ou saldos, deveriam ser calculados de forma a eliminar despesas que se sabe terem que ir ocorrer por conta destes compromissos. Por curiosidade, no caso da Universidade Nova de Lisboa, que veio explicitamente citado, a grande maioria do valor do saldo (“generoso excedente” decorre da venda de imobiliário para financiar (parcialmente) o novo campus da Faculdade de Economia – Nova School of Business and Economics, pelo que rapidamente desaparecerá esse “generoso excedente”, conforme consta de uma Resolução do Conselho de Ministros de 9 de Maio de 2016. Surpresa será que o ministério das finanças tenha surpresa com o saldo da Universidade Nova de Lisboa.
A segunda parte é de natureza diferente. O Governo assinou com as universidades um compromisso de legislatura, denominado “Contrato de confiança”, onde assumia a obrigação de fazer o pagamento dos encargos salariais adicionais decorrentes de alterações legislativas – ou de outra forma, a reposição de salários no ensino superior seria paga por reforço de verbas do orçamento do estado, e não por diminuição de outras despesas que as universidades tenham. O que aqui interessa é que um compromisso que se julgava credível por parte do Governo para um acordo de legislatura (palavras usadas se não me engano por pelo menos um ministro do Governo) afinal não pretende ser respeitado, ou apenas respeitado de acordo com o que for a vontade do ministério das finanças. Tal transforma qualquer contrato de confiança em qualquer área governativa em contrato de desconfiança. O ministro que tem a seu cargo o ensino superior, pelas noticias reportadas, teve a noção clara da importância de manter o compromisso assumido.
O que me surpreende é que no ministério das finanças, ao nível dos seus responsáveis, há economistas que conhecem bem os conceitos de “credibilidade” e “reputação” e sua importância para evitar os problemas da denominada “(in)consistência intertemporal de políticas” – ou em linguagem comum, mudar de ideias a meio e não cumprir o que se prometeu altera a capacidade de estabelecer politicas de longo prazo. O que se fica a saber é que o Governo assumir compromissos não significa que os mesmos venham a ser respeitados. Que destruir a palavra dada seja escondido debaixo da pergunta que deu origem à noticia e ao titulo deste post é o que mais custará a prazo, e não os poucos milhões que estarão aqui a ser poupados. Ainda assim antecipo que se possa argumentar que esta posição de força perante as universidades servirá de exemplo para outros, que esses casos sim trarão reais poupanças para as contas públicas. Até admito que possa haver algum desse efeito positivo de curto prazo, mas receio que o efeito negativo de longo prazo acabe por ser mais danoso. Será possível estabelecer contratos de confiança, pactos de regime, ou outro nome para qualquer compromisso de longo prazo, quando se sabe, por observação das ações passadas, que não há certeza que o Estado o cumpra?
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