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Linha Saúde24

6 comentários

A linha Saúde24 voltou a estar no foco das atenções nos últimos dias. Sendo a linha Saúde24 um instrumento de acesso ao Serviço Nacional de Saúde, não deixa de ser interessante a discussão que se gerou.

Para perceber as diferentes posições é útil recordar que a Ordem dos Médicos teve, desde que me lembro, uma posição contrária a um papel mais activo de enfermeiros no encaminhamento de doentes (e a linha saúde24 assenta no atendimento por enfermeiros que seguem um protocolo pré-estabelecido), o que também resulta na contestação da “triagem de manchester”, realizada por enfermeiros quando uma pessoa se dirige a uma urgência hospitalar.

Além disso, como a linha saúde24 é explorada num formato de parceria público-privado, as motivações ideológicas contra as PPP estão igualmente presentes nas posições de outros intervenientes do sector da saúde (incluindo os agentes políticos).

É vantajoso, contudo, olhar para a Linha Saúde24 como instrumento ao serviço do cidadão, num contexto em que a utilização do telemóvel é muito ampla e ainda crescente. E nessa perspectiva é adequado pensar na sua expansão (como aliás se está a fazer, atendendo ao que figura no site da Direção-geral de Saúde, ver aqui). O contacto telefónico, ou até um primeiro contacto apenas electrónico para um algoritmo de ajuda baseado em perguntas simples – que ainda não existe mas poderá ser uma possibilidade futura, é uma forma fácil de melhor ajudar quem se sente doente no primeiro passo – se basta auto-cuidados, se é necessário ir a uma unidade do SNS e qual. Para o cidadão as vantagens parecem ser claras, e o que é surpreendente é a pouca utilização pela população (apesar dos milhares de chamadas, quando se inquire as pessoas sobre o que fazem quando se sentem doentes, menos de 1% se lembra de referir a Linha Saúde24). Atualmente, a utilização da Linha Saúde24 tem até vantagens em termos de (não) pagamento de taxas moderadoras (ver aqui) e de atendimento mais rápido dentro do mesmo nível de prioridade clínica (ver aqui). O que parece faltar é informação pública recorrente para que a Linha Saúde24 seja lembrada como opção pelas pessoas quando se sentem doentes.

Uma questão legitima é se o mesmo papel não poderia ser feito pelos cuidados de saúde primários, evitando-se esta estrutura da Linha Saúde24. A resposta, a meu ver, é negativa por vários motivos: a) é importante que a informação prestada por telefone seja consistente e idêntica para todos que a procurem usar –  o custo de construir um algoritmo de atendimento em cada unidade de cuidados de saúde primários seria enorme, e o custo de coordenação entre todas as unidades também. Há aqui uma clara vantagem de centralização; b) é mais fácil uma unidade central ter uma visão geral de para onde encaminhar um atendimento telefónico do que cada unidade de cuidados de saúde primários decidir; c) o atendimento tem que ser dedicado, e não ser realizado no meio de outras tarefas (e extrapolando de uma experiência pessoal, telefonar para um centro de saúde pode resultar num “passeio aleatório” entre extensões e pessoas).

Nesta discussão entrou entretanto também a Assembleia da República, com uma recomendação da reativação da Linha Saúde24 Senior (ver aqui). De acordo com o site da DGS, essa reativação está prevista para o segundo semestre de 2017 (ver aqui). Sobre a Linha Saúde24 senior, a minha opinião foi expressa há cerca de um ano e está disponível aqui, com informação posterior da Direção-Geral de Saúde (via jornal Público, aqui).

Dada a vantagem, que é clara, de ter uma linha de atendimento do SNS, a questão seguinte é a de saber qual a forma de prestar esse serviço, e é aqui que se pode e deve discutir se é em formato PPP ou outro. Essa discussão fica para outra altura.

 

 

 

Autor: Pedro Pita Barros, professor na Nova SBE

Professor de Economia da Universidade Nova de Lisboa.

6 thoughts on “Linha Saúde24

  1. É preciso ter em atenção que quando se fala em Alternativa nos CSPs não se está a falar em contacto com um programa informático com um algoritmo mas sim em contacto telefónico directo com o Médico de Família, o que me parece ser a melhor solução e algo que os utentes devem exigir ser possível

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  2. Não me parece que o contacto telefónico directo com o Médico de Familia seja praticável em larga escala – não é possível garantir que sempre que alguém se sente doente consiga contactar o seu médico de familia. E para um primeiro contacto, a disponibilidade 24 horas por dia 7 dias por semana de uma resposta consistente é importante para dar a resposta no momento imediato. O que seria interessante é a possibilidade de o próprio saúde24 direccionar para um atendimento telefónico pelo médico de família da pessoa, num horário que este tenha pré-destinado para o efeito. É importante pensar que necessidade se está a resolver em cada momento, e a ansiedade de saber o que fazer quando alguém se sente doente pode necessitar de um contacto imediato com alguém do sistema de saúde, mesmo que apenas para remeter para um atendimento médico subsequente.

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  3. Constato sem grande surpresa que também este artigo sobre a Linha Saúde 24 não faz qualquer referência aos ganhos em saúde que se verificaram. E porquê? Porque não há ganhos em saúde. O Senhor Bastonários da Ordem dos Médicos demonstrou bem a nulidade que é a Linha Saúde 24. E os Médicos de Família sabem bem como é inútil. A linha terá evitado uma consulta por Médico de Família de dez em dez dias. E para isso tem um custo de 30 milhões de euros em quatro anos. Mas voltando ao tema dos ganhos em saúde, não basta só que seja utilizada. Por mais que seja utilizada e por mais que seja do agrado dos utilizadores, se é inútil e não traz ganhos em saúde, como não traz, deve ser encerrada.

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    • O argumento é no mínimo incompleto. O benefício da Linha Saúde24 não é unicamente evitar consultas com os Médicos de Família. Há outros aspectos, que poderiam ser medidos sem grande dificuldade. Primeiro, o contacto com a Linha Saúde24 pode ter valor para a pessoa por reduzir a sua ansiedade face ao problema de saúde que sente. O valor da redução da incerteza (que pode não ser eliminação e apenas redução) é algo que deve contado como benefício. Logo, o “agrado dos utilizadores” é algo que tem valor económico, apesar de habitualmente não o contabilizarmos.
      Segundo aspecto, é necessário pensar o que sucederia caso as pessoas não contactassem a Linha Saúde24, e aí podemos ter várias situações: a) pessoas que deixam de ir a consultas, de médicos de familia ou urgências, por se constatar que não há necessidade – é talvez o aspecto de benefício mais óbvio, mas é apenas um dos possíveis benefícios;
      b) pessoas que na ausência deste contacto iriam ao nível de cuidados de saúde desadequado (ir à urgência quando deveriam ir ao médico de família; ou ir ao médico de família quando deviam, face à gravidade do seu caso, ir à urgência); c) pessoas que não contactando a Linha Saúde24 não teriam tão rapidamente um contacto com o sistema de saúde, agravando a sua condição; d) ao direccionar as pessoas para o serviço mais adequado, a Linha Saúde24 pode evitar tempos de espera desnecessários, o que é também um benefício.

      Como contraponto, ao diminuir os custos de acesso ao SNS, poderá estimular uma utilização excessiva.

      De alguma forma implícito no seu comentário está que a Linha Saúde24 nunca poderá ter utilidade pela sua própria natureza – ora, provavelmente mesmo medindo na sua escala limitada de consultas de médicos de família evitadas, provavelmente uma maior utilização da Linha Saúde24 por parte de muitos dos que sentem doentes e não se lembram da sua existência faria aumentar esses benefícios de consultas evitadas.

      Logo, e dado que foi buscar a posição do Bastonário da Ordem dos Médicos, não me parece que este tenha considerado todos os aspectos relevantes para uma avaliação adequada da Linha Saúde24.

      Estaremos de acordo num aspecto – actividades que tenham valor adicional nulo – zero ganhos de saúde – devem ser evitadas. E há certamente várias áreas na saúde onde procurar essas situações.

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  4. Comentários recebidos via facebook:
    [1] Um bom produto/serviço, que não se vende. Urge um investimento em estratégia de notoriedade da marca Linha Saúde24. E nem é preciso inventar a roda, não faltam marketeers competentes e com experiência no mercado.
    (Nota: Imprimir cartazes e colar nos Centros de Saúde não conta como estratégia. Ah, comprar espaços avulsos de mupis nas paragens de autocarro, para além de muito 2002, também não serve. É só parvo e um desperdício de papel.)

    [2] não há mistérios sobre a efectividade dos call centers e contact centers e instrumentos de rastreio e encaminhamento desde os finais dos anos 90’… mas deve-se discutir especificamente em Portugal 3 aspectos presentes: (1) qual os procedimentos adoptados para o encaminhamento, passagem de informação e atendimento mais imediato possível dos serviços do SNS?? Como os serviços de saúde se relacionam com o Saúde 24?? o quanto o Saúde 24 é visto pelos pares como pertencente ao SNS?? (2) A publicidade, o conhecimento e a utilização do serviço pela população esteve sempre comprometido e limitado desde o início. Sabendo que o pagamento da PPP do Saúde 24 é feito pelo serviço prestado e pelo volume de chamadas, a publicitação do serviço pode induzir a procura (até inadequada, e este aspecto pode ser bem mais relevante no caso da população senior) e o aumento o custo do serviço para o Estado, apesar deste poder ser custo efectivo. As limitações orçamentais e contratuais estabelecidas limitam o pleno funcionamento do Saúde 24, sendo necessário analisar qual a melhor forma de estabelecer o serviço no SNS (esta seria a hora adequada qdo está em expansão e em concurso nova PPP) (3) passados tantos anos de funcionamento do Saúde 24, por vários prestadores do serviço, ainda não foi desenvolvidos estudos sobre a eficiência, efectividade ou rentabilidade da prestação do serviço, havendo apenas os dados brutos de produção, o que não ajuda a uma futura selecção e escolha dos componentes, procedimentos processo e mesmo prestadores do serviço futuro…..

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  5. recebido via facebook:
    [3] Pois, eu admito que o preconceito ideológico pese muito. E as declarações do Bastonário da OM não foram “fantásticas”: a linha S24 serve EXACTAMENTE para direccionar as pessoas para os centros de saúde ou para as urgências. É uma triagem “básica”.

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