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taxas moderadoras, uma vez mais

De cada vez que há novo titular da pasta da saúde (nem é necessário haver mudança de Governo), a questão das taxas moderadoras regressa à actualidade pública. Neste momento por conta do que estava escrito no programa de Governo do PS, que aponta para a manutenção das taxas moderadoras embora com valor mais baixo do que o actualmente existente. O efeito na receita total das instituições não será muito importante, pelo que é relevante sobretudo conhecer como será a alteração de comportamento dos utentes face a novos valores. Dado que um número considerável de pessoas estava já isenta de taxas moderadoras, não se espera que essas pessoas alterem o seu comportamento (aqui uma lista do tipo de isenções). Como parte substancial dessas isenções é devida a insuficiência económica, a redução do valor das taxas moderadoras afectará sobretudo rendimentos que são superiores ao limiar de isenção €628,83 para o rendimento médio mensal (ver aqui as regras e como usufruir da isenção).

A última actualização dos dados sobre isenções é de Agosto de 2014 (sim, bem mais de um ano! e entretanto houve o alargamento da isenção para as idades entre os 13 e menos de 18 anos), por isso se alguma coisa sucedeu de lá para cá foi o aumento de casos isentos.

Face aos resultados conhecidos sobre taxas moderadoras como barreira de acesso e alterações de comportamentos face a variações anteriores dos valores das taxas moderadoras, não é esperar grande efeito no sistema de saúde.

Mais interessante é a referência pública que foi feita ao papel do serviço Saúde24, que tem estado claramente menos presente nas respostas procuradas pela população do que seria desejável, embora quem a ele recorra apresente um elevado nível de satisfação com a resolução dos seus problemas (ver aqui uma análise de dados recentes sobre satisfação). Mas quando inquiridos sobre que serviço procuram usar em primeiro lugar, cerca de 1200 pessoas inquiridas em 2013 e outras tantas depois em 2015, menos de 1% referem a utilização deste serviço. Ou seja, haverá provavelmente aqui uma subdivulgação do papel deste serviço, que poderá ser uma “porta de acesso” ao Serviço Nacional de Saúde que está a ser menos usada do que devia. Pensando no tema de como contactar o Serviço Nacional de Saúde quando sentem necessidade, há aparentemente aqui espaço para uma intervenção pública de divulgação e relembrar as pessoas da utilidade que possa ter este contacto.

 

 


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Sustentabilidade financeira nos sistemas de saúde (8)

Continuando com a análise do documento da OCDE sobre sustentabilidade financeira dos sistemas de saúde, capitulo 2 de J White, sobre os desafios de orçamentação de programas de cuidados de saúde.

É referido que se a qualidade dos sistemas de saúde melhorou substancialmente, tal não ajuda em termos de orçamento, pois o problema passa a ser redefinido como resistir ou pagar por essa “qualidade”, em lugar de combater a ineficiência. Ora aqui há que saber se “qualidade” significa apenas tecnologia, que tem levado a maior despesa, ou se “qualidade” pode significar “fazer bem à primeira”, no que seria uma redução do desperdício e ineficiência, reduzindo a despesa (que é o sentido de “qualidade” que é explorado no Relatório Gulbenkian de 2014 sobre o sistema de saúde português).

De uma forma mais geral, este capitulo defende a necessidade de prestar mais atenção do que é definido como “necessidade” de cuidados de saúde, sendo cada vez mais medicalizados pequenos desvios: falta de atenção das crianças na escola é hiperactividade e medicada; tristeza é depressão e medicada; etc.

A questão central, embora não colocada dessa forma, acaba por ser definir-se como “necessidade de saúde” e logo sujeito a protecção financeira que retira a sensibilidade ao preço, criando procura a preços potencialmente elevados, a tudo o que possa ser fornecido aos cidadãos. Ou seja, temos uma versão das questões de indução de procura por parte dos prestadores de cuidados de saúde. Sendo aliás mais fácil “induzir” a necessidade no campo da saúde do que no campo da educação ou da defesa nacional (exemplos de J White).

Resulta daqui que as necessidades orçamentais acrescidas resultam não de factores totalmente inelutáveis mas de decisões que explicitamente ou por omissão são tomadas quanto à cobertura (o que são as necessidades apercebidas em cada momento) e quanto aos preços/custos de novas “tecnologias” (entendidas de forma ampla).

White tem também a visão de que os esforços para ligar o orçamento do desempenho (budget for performance) apresenta diversas limitações:

  • dificuldade de medir o que é desempenho (necessário medir antes, depois e eliminar a influência de outros factores)
  • indicadores simples tipicamente vão apanhar muitas influências
  • comparações entre o valor de diferentes intervenções não são fáceis, dado que umas podem ser mais importantes para uns e outras para outros
  • o nível de desempenho não dá informação sobre a adequação do financiamento – se o mau desempenho for devido a falta de fundos, então é necessário mais fundos; mas adoptar esse princípio como regra significaria que se estava a estimular mau desempenho como forma de obter mais fundos;

Em termos de formas de determinação da despesa pública em cuidados de saúde, White distingue duas formas fundamentais: por departamentos ou áreas – em que é atribuído um orçamento à entidade; e por programas em que a despesa depende das regras de pagamento e da procura desses serviços (e como tal não há uma determinação exacta do montante a ser gasto à partida). Ambas as opções têm vantagens e desvantagens a ser consideradas, em termos das intervenções que podem ser usadas.

A atribuição de orçamentos exerce maior controle sobre a despesa, mas resulta mais facilmente em subfinanciamento e subprovisão dos serviços relevantes. A utilização de pagamento por serviços prestados torna mais fácil utilizar prestadores privados como forma de tentar conseguir mais eficiência. Mas também gera o problema de como lidar com a incerteza quanto ao que possa surgir ou possa ser necessário. A escolha entre prestadores públicos e privados tem também associada uma escolha entre instrumentos para lidar com factores incertos.

Interessante é a forma como avalia a transposição de um conjunto de ideias que têm sido defendidas conceptualmente mas cujos efeitos ainda não se encontram demonstrados: “In the theory of managed competition, informed patients would recognise skimpy performance, risk adjustment would eliminate incentives to avoid sicker patients and market forces would prevent organisational shirking; but this has yet to be demonstrated in practice.” Não há por isso regras absolutas no desenho institucional que se tenha a certeza que produza os resultados desejados de menor despesa em cuidados de saúde para melhores cuidados de saúde, obrigando em cada caso a uma avaliação cuidada de todas as situações.


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Sustentabilidade financeira dos sistemas de saúde (7)

Retomando, após interrupção para outros temas, o documento da OCDE, o capítulo 2 do Relatório  sobre sustentabilidade de sistemas de saúde é dedicado aos desafios de fazer a orçamentação das despesas em saúde, e em lugar de vir assinado pela OCDE tem um autor próprio, o que significa que as posições e opiniões não são necessariamente subscritas pela OCDE.

Desde o início o autor, J White, torna clara a importância das opções políticas neste contexto: “os programas de saúde não são insustentáveis em sentido económico desde que os Governos estejam dispostos a aceitar que as despesas em saúde sejam uma parte crescente do PIB”. Retoma também este autor o argumento da menor importância relativa do envelhecimento para focar depois na tecnologia, referindo que a utilização desta depende de escolhas e que envolve também um alargamento do que as sociedades olham como “necessidade em saúde”.

É também discutida a forma de organizar a despesa pública e se tem, ou deve ter ou não deve ter, financiamento dedicado.

É curioso o cuidado colocado em não dar soluções definitivas, sinal provável da grande incerteza que existe em todo o sistema.

Na discussão sobre a pressão orçamental, é tomado como ponto de comparação as pensões e a pressão que fazem vista como superior, em vários países, à pressão associada com as despesas em saúde. Este é um aspecto que a propósito de Portugal tinha já apontado na comunicação que ia fazer a propósito dos 35 anos do Serviço Nacional de Saúde (em Setembro de 2014).

A atenção dada ao aspecto político das decisões sobre a despesa pública em saúde é ainda reforçado quando se refere que os sistemas de saúde (com despesa pública não só redistribuem dos saudáveis para os doentes como dos que têm maiores rendimentos para os que têm menores rendimentos.

Parte do texto dedica-se a desmontar argumentos de insustentabilidade das despesas em saúde com base em impactos sobre a economia de défices orçamentais que fossem criados pelas despesas em saúde (o que conta é o défice público global), ou nos efeitos decorrentes das distorções na economia associadas com a recolha de fundos.

Onde J White neste capítulo coloca mais atenção é na expansão das necessidades – o que é a definição social de necessidades (de despesas) em saúde expanda-se mais rapidamente e de forma contínua face às necessidades de outras despesas públicas (educação, por exemplo). Um dos pontos centrais deste capítulo é argumentar que este processo de expansão de “necessidade” pode ser tomado erradamente como aumento em tecnologia. A distinção não é irrelevante, uma vez que o processo de aumento de necessidade terá uma natureza sobretudo social, e deverá ser então tratado nesse contexto. Com dificuldades próprias, que o autor exemplifica ao afirmar que “igualizar os factores sociais determinantes da saúde envolveria uma restruturação maciça das sociedades, de formas que os eleitores objectariam por muitas razões que são relacionadas com a saúde”.

No caso de Portugal, e como comentário lateral, temos um caminho similar no campo do medicamento – à medida que a utilização de medicamentos se torna mais geral, e regular (com o aumento de tratamento de condições crónicas por este meio), os aspectos de protecção financeira e aumento da cobertura de “seguro público” vão-se tornando mais centrais, e provavelmente não serão resolvidas unicamente com pressão para redução de preços nos medicamentos vendidos em ambulatório. Os aspectos de acesso a cuidados de saúde tratados noutros textos deste blog ilustram bem essa evolução e a necessidade de olhar para a cobertura financeira nesta área.


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uma nova troika, uma nova vida

Não, não é um novo resgate a Portugal.

Não, não é uma discussão sobre a legitimidade política (ou a sua falta) do Governo que agora tomou a posse.

É sim sobre a troika que é constituída pelas reuniões semanais dos representantes das bancadas parlamentares de apoio ao Governo (mais do que economês, os próximos tempos serão marcados pelo parlamentês). Segundo relatos da imprensa, “Estas reuniões foram decididas entre PS, BE, PCP e PEV por forma a que os partidos partilhem informação e conheçam a agenda do Governo, atempadamente.”

Pressuponho que estas “reuniões de coordenação” permitirão ao Governo antecipar quando uma medida não terá apoio parlamentar suficiente. O que significa que a troika PCP + BE + PEV terá na prática direito de veto sobre as propostas legislativas do PS, em reuniões à porta fechada.

Um aspecto, que cruza economia política e ciência política, é que efeitos pode ter a existência destas reuniões de coordenação, em particular sobre medidas que tenham benefícios concentrados em alguns grupos e custos dispersos pela população, que dão usualmente lugar a actividades de lobbying. Em termos de “convencimento dos méritos” das propostas por parte de grupos, quando há uma maioria absoluta bastará convencer quem detém o poder de decisão relevante no quadro dessa maioria absoluta – por exemplo, uma isenção especial de algum imposto, ou alguma despesa específica num sector ou região particular. Ou seja, quem quiser fazer lobbying terá que centrar-se apenas num ponto. Com a existência desta troika parlamentar, torna-se agora necessário convencer mais do um decisor, mais do que um partido. E ou aumentam os recursos desperdiçados em lobbying ou este será menos eficaz (ou ambas as coisas).

Globalmente, será agora mais natural a manutenção do status quo. Não é so a vida do Governo que se torna mais difícil, é também a vida dos grupos que procuram influenciar medidas legislativas (antecipo que não só em termos de recursos a usar mas como os usar – as agências de comunicação quanto terão de (re)aprender neste campo?). Por exemplo, greves de transportes, “exigências” sobre tempos de reforma, manifestações, serão a nova forma de lobbying, em substituição das “reuniões de gabinetes”?

Será também curioso saber se as medidas fundamentadas tecnicamente terão vida mais fácil do que as medidas de cariz sobretudo político a passar no crivo desta nova troika. Não teremos certamente relatórios trimestrais da troika para acompanhar a acção governativa, veremos se as declarações para a imprensa farão esse papel. Acompanhemos o que nos dizem (e venham a dizer) os “political scientists” do nosso país nos próximos tempos, com esta nova troika e uma nova vida para os mecanismos de produção legislativa.


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Joseph Stiglitz, Desigualdade num mundo globalizado

Ontem, na Fundação Calouste Gulbenkian, cheia como raras vezes terá sucedido, Joseph Stiglitz trouxe a sua visão sobre o crescimento das desigualdades económicas, suas origens e as implicações que daí retira. A análise estatística incidiu sobretudo sobre os Estados Unidos.

Pontos chave da apresentação:

  • a desigualdade na riqueza é maior que a desigualdade nos rendimentos
  • a desigualdade que tinha permanecido constante no pós-segunda guerra mundial cresceu significativamente nos últimos 30/40 anos
  • neste período de crescimento da desigualdade o crescimento dos salários foi inferior ao crescimento da produtividade
  • o crescimento da desigualdade não é decorrente de crescimento diferencial das empresas, pois a desigualdade entre o topo da gestão e os trabalhadores comuns dentro das empresas aumentou muito significativamente
  • não é o mecanismo de acumulação de riqueza apontado por Piketty que está a gerar esta desigualdade (o efeito desse mecanismo é pequeno comparado com o crescimento observado da desigualdade).

Para Stiglitz, a principal razão para o crescimento da desigualdade está nas políticas adoptadas, a nível macroeconómico – a austeridade – e a nível macroeconômico – a regulação e definição de regras de funcionamento para a economia.

Em consequência, a resposta aos problemas da desigualdade terá que passar sobretudo por decisões políticas, micro e macroeconômicas. Sem abandonar a lógica de funcionamento de uma economia de mercado, a proposta de Stiglitz, que está exposta no seu último livro, é a de olhar para as regras de funcionamento das economias, a forma como estruturamos os mercados. A este respeito, teve uma posição bastante crítica dos novos tratados internacionais, nomeadamente o TTIP -Transatlantic Trade and Investment Partnership.

Em termos de intervenção pública, no aspecto microeconómico, a proposta é rever as regras que dão excessivo poder de mercado às empresas, em particular às grandes empresas. Aqui podemos relembrar um outro prémio Nobel da economia, George Stigler, que chamou a atenção para a regulação como uma actividade onde também há procura e oferta, e onde as empresas podem procurar protecção de concorrência via regulação, ou via regras de funcionamento do mercado em geral. Claramente, as regras de defesa da concorrência que temos, e que levam à existência de uma Autoridade da Concorrência em Portugal, e entidades similares nos outros países, não evitam que as empresas desenvolvam outras formas de poder de mercado, nomeadamente influenciando a produção de legislação.

No aspecto macroeconómico, Stiglitz propõe uma expansão orçamental financiada por impostos sobre os lucros das empresas, como forma de proteger a classe média de mais impostos sobre o rendimento (de outro modo, a expansão serviria para aumentar as desigualdades e não diminuir). A necessidade de olhar para os efeitos de impostos sobre as empresas e o seu efeito nas desigualdades mas também na própria orientação do investimento é para mim evidente, como argumentei há dois anos (aqui) quanto ao conhecimento que precisamos de ter a propósito da redução do IRC como mecanismo de estímulo ao crescimento da economia portuguesa.

Algumas partes da intervenção de Joseph Stiglitz tiveram um cunho panfletário, de intervenção política, e menos de análise económica. A essa parte cada um dará o valor que quiser. Os elementos económicos invocados são relevantes, e o deslocar da atenção para o campo das escolhas políticas na definição das regras de funcionamento das economias de mercado é uma proposta válida e importante.

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Programa de Governo e o sector da saúde

Estando para discussão o programa do XXI Governo, a leitura do documento apresentado, no que se refere à área da Saúde, é exactamente igual ao documento que o PS apresentou como programa de Governo. Não encontrei qualquer alteração, até as gralhas persistem (por exemplo, melhoraria da gestão em vez de melhoria da gestão). Com mais graça, é a permanência de uma frase que fazia sentido na proposta de programa de governo e que se torna caricata no programa do governo (“O colapso sentido no acesso às urgências é a marca mais dramática do atual governo”, primeira linha, página 93 do Programa do XXI Governo Constitucional).

Aliás, uma busca no documento pdf por “atual governo” revela o “transporte” de outras críticas ao governo anterior  (que era o “atual governo” quando a proposta foi feita, mas que passou a “anterior governo” no contexto da proposta do novo governo).

Dado que se trata de um documento oficial, outro cuidado de leitura e preparação era adequado.

Mas voltemos ao que se passa na saúde.

Como as medidas são basicamente as mesmas do programa eleitoral do PS, basta-me remeter para os comentários genéricos anteriores (ver aqui). As pequenas alterações que foram introduzidas durante a negociação com os partidos que irão dar suporte parlamentar ao PS não modificaram no essencial essas propostas, até porque havia à partida um consenso geral sobre as grandes linhas de desenvolvimento do sistema de saúde, e do Serviço Nacional de Saúde dentro dele.

Será a prática e as medidas concretas que irão mostrar se há ou não diferenças fundamentais. Será importante não confundir o que serão diferenças de estilo na governação do que serão diferenças de políticas.

O primeiro sinal será dado pelas verbas do Orçamento do Estado para o Serviço Nacional de Saúde.

Num outro nível, a marca distintiva que o PS pretendeu ter também é visível no programa de governo, com as referências às desigualdades, nomeadamente no acesso a cuidados de saúde e no peso financeiro que as despesas em saúde possam ter para as famílias. Ora, acompanhar essas realidades não pode ser feito apenas através das reportagens dos orgãos de comunicação social, que podem reflectir casos extremos mas raramente dão conta das grandes regularidades (que tipicamente têm pouco valor noticioso). Uma proposta interessante neste campo seria o Governo estabelecer uma ligação com o INE e com a Organização Mundial de Saúde (que tem procurado construir metodologias de análise destes aspectos) para fazer um acompanhamento estatístico destes aspectos, por exemplo cada dois anos. Ou seja, senti a falta no programa do governo da criação dos instrumentos que permitam conhecer o que é a realidade da principal bandeira distintiva, o combate às desigualdades. O risco é que depois se fique entre a realidade que é mostrada nas visitas locais dos membros do Governo e a realidade que é mostrada nos orgãos de comunicação social.