Troika, “mercados” (investidores financeiros internacionais), orçamento, redução do défice público e austeridade.
Estas palavras têm-se tornado quase sinónimos nas discussões em Portugal. É errado fazê-lo.
De momento é certo que todas elas parecem querer traduzir a mesma coisa, mas há mais além do óbvio na sua utilização.
Temos, como país, um problema imediato. Despesa pública acima das receitas, que gera a necessidade de colocação de dívida. Quem compra essa dívida (em grande medida, os investidores financeiros internacionais, através dos leilões de dívida pública, mas depois querem ter a possibilidade de vender e comprar consoante as suas próprias necessidades e interesses, no que são mercados financeiros) precisa de ter uma certa certeza de que vai recuperar o que emprestou. Quanto maior incerteza relativamente a essa capacidade de recuperar o que empresta, maiores serão os juros cobrados. E claro que se continuar a aumentar o défice público, aumenta a necessidade de colocação de dívida, até ao ponto em que se deixa de conseguir pedir emprestado, e nesse caso o estado deixa de pagar os juros da dívida anterior, deixando de pagar a quem emprestou. Assim, quanto maior o défice maior a incerteza que os investidores de hoje na dívida pública portuguesa têm quanto à possibilidade de virem a recuperar o seu capital investido no futuro. A independência destes mecanismos só é possível quando se tem moeda própria (em vez de emitir dívida emite-se moeda – que tem outras implicações -), ou quando alguém empresta sem ter que se estar a ver emissão a emissão (é o que nos fez a troika nestes três anos), ou quando as condições de funcionamento do estado garantem que haverá capacidade de pagamento. Não tendo a primeira, o desafio destes anos é deixar a segunda opção (troika) para passar à terceira.
Esta terceira opção depende da forma como esses investidores avaliam a capacidade de pagamento. Aqui entram os ratings das agências de avaliação (que depois de terem tido grande destaque há três anos passaram agora a um estranho silêncio), mas também a forma como esses investidores incorporam as decisões e também o processo de tomada de decisão português na sua percepção de como serão as políticas públicas portuguesas nos próximos anos, que lhes garanta o pagamento da dívida pelo estado português. Aqui a instabilidade política, por exemplo, mostra que o processo de decisão público em Portugal não é fiável. Logo o risco de não conseguirem ser pagos aumenta. Logo ou aumentam os juros ou optam por não emprestar. Mas também a capacidade de crescimento da economia, com o consequente aumento de receitas fiscais por esse motivo, é relevante. E igualmente aí não temos grandes novidades positivas a apresentar, pelo menos por enquanto. A pergunta que cada um deve fazer é: se tivesse 100,000 colocava em dívida pública portuguesa ou preferia colocar num banco suíço ou, vá lá, alemão? Se a sua resposta não for a primeira opção, porque deveria ser essa a resposta dos outros?! Uma reforma do estado clara, que desse alguma certeza sobre processos e rumo da despesa pública ajudaria não só pelo volume de despesa que fosse menor mas pelo processo que garantisse um controle de défices futuros.
Estes são os factores de curto prazo para a reforma do estado. A eles acrescem os factores de longo prazo. É necessário ter um estado que proteja os cidadãos em diferentes dimensões e que ao mesmo tempo contribua para a liberdade económica e para o crescimento económico através da facilitação das condições para esse crescimento. Definir as fronteiras da intervenção do estado, por um lado, e o modo como o estado actua dentro do que for considerado a sua intervenção natural é o aspecto central para esta perspectiva de longo prazo.
Cortes como os que são efectuados nas pensões e nos salários, da forma como estão a ser anunciados e sem serem acompanhados de mecanismos e de um sentido de propósito comum à sociedade, são uma mensagem de cortar agora para cumprir o objectivo imediato, mas logo que seja possível voltaremos à prática antiga se nos deixarem. E estou a admitir que os cortes conseguem atingir os objectivos de défice público estipulado (o que é discutível e discutido, para a discussão técnica sugiro a leitura do que o Francesco Franco vai escrevendo).
Ou seja, mesmo sendo necessário cortar salários e pensões, é importante saber porquê, a quem, por quanto tempo, em que se baseiam esses cortes e qual a contribuição esperada para um melhor funcionamento do estado, como contribui para os objectivos de curto prazo e como contribui para os objectivos de longo prazo. Não são perguntas fáceis, mas não as responder deixará um sentido de arbitrariedade no que é feito, e mais do que isso será facilmente reversível ao primeiro virar de esquina.
18 \18\+00:00 Outubro \18\+00:00 2013 às 08:19
Mas comprar dívida é o mesmo que pagar impostos antecipadamente, para não ter de os pagar no futuro …
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18 \18\+00:00 Outubro \18\+00:00 2013 às 10:31
De acordo. Tal como emitir moeda e criar com isso inflação é também uma forma de tributação. Criar dívida significa pagar impostos, mas quando, sob que forma e quem paga é que difere.
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18 \18\+00:00 Outubro \18\+00:00 2013 às 13:47
Cortar nos salários da função pública de forma permanente, assim como nas pensões, não deixa de ser um corte na despesa. Não sei que reforma do Estado fala o Professor Pedro Pita, mas a que se pretende, é uma privatização selvagem, veja-se as novas escolas privadas GPS, feitas com dinheiros públicos, pertencentes a anteriores políticos ou com relações próximas, e que vivem que nem reis(veja entrevista Ana Leal). Se essa a reforma do estado que pretende, desde que não se cortem salários e pensões, então vivemos num egoísmo moral destruidor da possibilidade de uma sociedade que partilhe valores comuns. Claro que cortar nos desperdícios é emergente, mas, protege-se todo o empregado do estado a partir de determinado nível, de tal forma que só restava cortar nos mais fragilizados( era mais uma reforma do estado, diria darwinista). O problema do Estado é que emprega milhares de pessoas protegidas pelo regime, doutorados, licenciados, qualquer militar de topo tem o filho bem empregado no estado, já para não falar de outras classes. Isto ninguém diz, pelo menos alguém que seja responsável politicamente pelo país, porquê??
Quanto à dívida, existe uma grande hipocrisia, pois em 2007/2008 tínhamos um deficit de 2 por centro, mesmo que três que fosse, e o estado conseguia pagar toda a sua estrutura, com a crise e a subida dos juros acompanhado com uma redução drástica do PIB verificamos que entramos numa situação insustentável, que suporta todos os cortes praticados pelo governo. Confiantes ou não, irredutívelmente o único caminho para atingirmos o crescimento,assim como, voltarmos ao mercados, a financiarmo-nos. Ora, a crise não é como nos venderam a toda a hora e continuam a fazê-lo apenas um problema de dívida, mas um problema global, que nos atingiu de uma forma brutal porque retirou-nos mercados responsáveis nosso crescimento, e ao mesmo tempo os juros dispararam provocando uma situação de insustentabilidade. Teria de haver consciência europeia para perceber o antes e o agora da crise. o rácio de dívida em relação ao produto(PIB) nos PIIGS tinha vindo a melhorar de 1999 até 2007( dados de Krugman). “”well, Europe has its own distorting narrative, a false account of the causes of crisis that gets in the way of real solution and in fact leads to policies that make things worse.” Krugman – End This Depression Now
Por esse facto, o FMI devia-nos ter financiado ao preço que estavam os juros antes da crise, até porque eles próprios foram os responsáveis na altura pelos juros tão baixos. O problema da crise, das suas causas nada tem a ver com a dívida, o problema da dívida é uma consequência das verdadeiras causas que são exteriores ao nosso pequeno, sublinho a pequenez , país.
As dívidas dos estados são para se pagar, contudo, são infinitas, desde que o produto num determinado período cresça mais que a dívida, contudo, se a dívida tiver de aumentar num período recessivo, essa deve criar nos anos seguintes produto para voltar a reequilibrar-se á capacidade produtiva. Mesmo que para isso, seja necessário períodos de inflação que possam corroer em parte interesses particulares em virtude do bem comum. O que estou a afirmar é que a dívida só se poderá tornar sustentável se a Troika
baixar juros, percebendo as verdadeiras causas da crise, e fizessem, porque podem, instaurar a confiança nos mercados, assim como, instaurarem políticas monetárias que provoque uma ligeira inflação nos próximos dez anos. Agora, com juros altos, sem crescimento, sem políticas monetárias apropriadas( leia-se Krugman, elas estão lá todas), é a escravatura, dos países ricos sobre os pobres, e dentro dos países pobres assistimos a uma espécie de fascismo, dos ricos sobre os mais pobres.
Caro Pedro Pita, não é esta a Europa que quero para os meus filhos, compreendo que muita gente se sinta beneficiada com a Europa, mas, cuidado que a maioria da população a partir de determinado limiar, pode ser que abra os olhos. também não é este país que quero para eles, Que á partida, podem estar excluídos de estudar, de ter acesso à saúde, de ter emprego porque não tem cunha, só porque os pais auferem 1000euros os dois, e nesta sociedade portuguesa são considerados pessoas sem qualquer beneficio. Sabe Professor, enquanto não fizermos uma suspensão dos nossos interesses particulares nunca teremos uma lei que seja filantrópica.
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18 \18\+00:00 Outubro \18\+00:00 2013 às 16:31
Caro Prof. Pita Barros,
O que eu acho piada no meio disto tudo – e não percebendo nada de contabilidade pública – é que tivemos em 2011 e 2012 saldos orçamentais primários positivos. Ou seja, todas estas medidas – salvo incompreensão da minha parte – são apenas para pagar juros e reembolsar os empréstimos. Se a situação é, de facto, assim, o que impede o Governo de fazer entrar voluntariamente em default?
O risco que é apregoado constantemente é o de o Estado deixar de se poder financiar nos mercados por longos anos. Ao que eu digo, óptimo! Excelente! Se em muitos casos o financiamento privado já é ridiculamente desnecessário (coisas como criar dívida para pagar dividendos!), no caso do Estado é-o de todo.
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18 \18\+00:00 Outubro \18\+00:00 2013 às 16:32
Uma nota ao comentário anterior: eu não sou a favor de um default total ou mesmo de haircuts. Apenas à suspensão do pagamento dos juros (cupões) e reescalonamento da dívida (a juro zero) por um período mais longo.
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18 \18\+00:00 Outubro \18\+00:00 2013 às 20:25
@Carlos Duarte – não creio que se tenha chegado a saldos primários estruturais positivos em 2011 e 2012, apesar das previsões do Governo. Mas terei de ir verificar. O estrutural significa que se fizeram ajustamentos para o ciclo económico pelo o saldo do ano foi negativo dadas as despesas pró-ciclicas de apoio social e da redução de receita fiscal decorrente da contracção económica.
@Pedro Pinheiro – também não sei que estado queremos ter, mas precisamente sem debater não saberemos. Não tenho a certeza que se saiba de forma generalizada o que o estado faz por todo o país, em todos os seus níveis, desde poder local ao poder central.
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23 \23\+00:00 Novembro \23\+00:00 2013 às 16:10
Meu caro Pedro Pita Barros, duvido muito que seja já só uma questão de comunicação e explicação de medidas!
Nada me faz acreditar já, que haja um plano feito, pensado e delineado, com calendarização temporal e estrutural real, pensado de forma sustentada e prudencial, para além de um atamancar atabalhoado e casuístico das “sugestões” vindas “de fora”.
Nem à medida que o tempo passa, já nem tenho esperança alguma, que exista ou tenha existido, algo vagamente parecido com isso.
Repare-se que o único departamento que ainda vai resistindo ao desnorte é o da Saúde onde um gestor sério competente e profissional faz o pino para manter as coisas a rolar, com um minino de meios, que pela sua exiguidade actual ,não tardam a começar a fazer emperrar todo o sistema de saúde, mesmo assim.
No resto parece mais o resultado operacional de um bando de “gestores de café” equipados com manuais de Seja Gestor No Minuto, a comandar os departamentos do governamentais a partir de uma “consola da play station” enquanto estão sentados no sofá da sala lá de casa a depenicar pipocas!
“Ná!”… É tudo por demais amador para ser verdade!
Já não é defensável seja qual for a óptica por onde se veja.
Deus queira, que não se esteja a matar a possibilidade de ter alguma vez mais a esperança de ter gente a sério e séria, no comando da Coisa Publica!
Deus queira mesmo!
Que isto, já passou a seu uma questão… do domínio da fé!
JB
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