Momentos económicos… e não só

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sobre o ajustamento do consumo privado,

é altura de tentar perceber está a acontecer, que é o tema do artigo de hoje para o dinheirovivo.pt. Além da constatação de que o consumo privado se está a ajustar de forma esperada, face à quebra no PIB e no rendimento disponível das famílias, é útil verificar-se que as despesas alimentares estão mais defendidas (como seria de esperar pela sua usual pouca sensibilidade a variações de rendimento. Os gráficos seguintes completam esta visão, com um índice da despesa em consumo privado (valores nominais) no primeiro caso, e no segundo caso as variações percentuais nas componentes do consumo privado vs a taxa de crescimento do PIB (fonte de dados: INE).

Sem culpas nem castigos

19/11/2012 | 00:00 | Dinheiro Vivo

O ajustamento do consumo das famílias portugueses tem merecido os mais diversos comentários. Alguns aspectos económicos básicos parecem estar muitas vezes arredados das discussões mais apressadas. O primeiro desses aspectos é a relação entre tipos de consumo e o rendimento disponível das famílias.

Em geral, o consumo de bens alimentares é menos sensível a variações de rendimento disponível. Significa que em épocas de crescimento aumenta menos do que outros consumos, e em épocas de recessão também decresce menos. Em contraste, o consumo dos chamados bens duradouros (como automóveis e mobiliário) é normalmente caracterizado por responder fortemente a variações de rendimento – quando este último sobe o consumo de bens duradouros sobe ainda mais rapidamente, e quando desce cai mais rapidamente.

No meio, em termos de sensibilidade às condições económicas, fica o consumo de serviços e bens não alimentares, grande categoria que inclui vestuário, calçado, livros, mas também electricidade, água, combustíveis, restaurantes e despesas com saúde (na parte não coberta pelo Serviço Nacional de Saúde), etc.

O segundo aspecto é as famílias guiarem-se nas suas decisões não só pelo rendimento do ano presente, incluindo expectativas de rendimentos futuros. Sempre que essas expectativas são positivas, e se pensa que nos próximos tempos os salários e os rendimentos possam crescer, as famílias consomem mais hoje, pedindo crédito se necessário contra esses rendimentos futuros. Pelo contrário, se tiverem expectativas negativas, tratarão de poupar hoje para um futuro pouco risonho.

Ora, nas condições actuais, a necessidade de corrigir as expectativas de consumo face a uma década de parco crescimento económico e a urgência de estancar o défice público, não deixam esperança de maiores salários futuros no curto e médio prazo. Assim, o ajustamento que se observa no consumo privado é o esperado.

Mas se o sentido do ajustamento é esse, e não se poderia esperar que fosse diferente pelas condições da economia e pelo próprio discurso político, o que se passa na composição desse ajustamento é também importante.

A maior contracção ocorre nos bens duradouros, acima do que seria previsto pela sensibilidade passada, e com protecção das despesas em bens alimentares, que crescem em termos nominais. Por seu lado, as outras despesas em bens não alimentares e serviços decrescem, mesmo apesar de o IVA acrescido na electricidade e na restauração, por exemplo. E a sua descida é também mais forte do que seria previsto com base dos ajustamentos de anos anteriores.

As previsões de recessão para 2012 e 2013 só levarão a um acentuar deste padrão. Face ao discurso de “não se poder viver acima das possibilidades”, é cada vez mais claro que o consumo privado se ajustou rapidamente. As compras de bens duradouros estão em termos nominais ao nível de 1995. Ao contrário do que sucedeu em final de 2008, início de 2009, os consumos alimentares não diminuem. Se há 4 anos o ajustamento foi de choque mas temporário, as características do trajecto actual sugere uma alteração mais permanente.

Tudo por junto, o ajustamento no consumo privado está a seguir um caminho previsível face ao contexto da economia. Sem culpas nem castigos.

 


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ainda sobre os famosos multiplicadores

e sobre a resposta da Comissão Europeia aos resultados publicados pelo FMI, uma análise do meu colega Francesco Franco, mostrando como na realidade as estimativas da Comissão Europeia não são assim tão diferentes das do FMI, a consultar aqui, no blog ThePortugueseEconomy.


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viver acima das possibilidades (3)

Em dois posts anteriores, tratei do argumento “viver acima das possibilidades” do ponto de vista das familias e do ponto de vista do estado.

Em qualquer dos casos, um aspecto crucial foi a falta de crescimento económico. E é esse tema que é necessário tratar, para fechar este trio de comentários sobre “viver acima das possibilidades”.

A pergunta base é porque não cresceu a economia portuguesa na última década de acordo com as expectativas geradas?

A resposta não é simples, nem é simples alterar a situação. Há duas partes nessa resposta. A primeira é se as expectativas de crescimento que houve no seguimento dos primeiros 15 anos de CEE (depois União Europeia) eram justificadas. Nesses primeiros anos depois da adesão houve de facto maior crescimento económico, e houve aumentos de produtividade. Porém, esses aumentos de produtividade resultaram mais de se fazer o mesmo mas com menos trabalhadores, o que se traduziu num aumento de produtividade mas não num salto generalizado de qualidade ou valor do que é produzido em Portugal.

Se houve ganhos de produtividade em vários sectores por redução de trabalhadores e não houve nessa altura um aumento maciço de desemprego, o que sucedeu? Houve uma expansão de outros sectores, sobretudo ligados aos bens não transaccionáveis (obras públicas, sectores regulados, instituições no âmbito da administração regional e local, mas também pequenos negócios de restauração e outras actividades de proximidade e intensivas na utilização de trabalhadores).

Os sectores de actividade para se efectuou essa transferência de trabalhadores não têm, muitas vezes pela sua própria natureza, a capacidade de ter grandes ganhos de produtividade, pelo que lentamente, ao longo do tempo, se foi perdendo o crescimento da produtividade. Adicionalmente, vários dos grandes grupos económicos portugueses viram nas relações com o estado uma possibilidade de negócio estável, e os bancos consideraram ser essa uma forma mais segura de utilizarem os seus fundos, pelo que tudo se foi conjugando. Este aspecto é um dos nós górdios da actual situação económica e política portuguesa apontados por Vitor Bento num dos seus livros. O problema central é que foram desviados recursos e talento empresarial para sectores onde a capacidade de negociar com o estado é a competência essencial em vez de ser a capacidade de sobreviver num ambiente de concorrência.

A inversão para uma economia mais baseada em sectores com potencial de crescimento está a ser complicada de realizar, uma vez que os lucros garantidos na relação com o estado continuam a fazer com que seja melhor essa relação como estratégia empresarial do que operar num mercado internacional competitivo. E para muitas pequenas empresas que directamente ou indirectamente dependem dos contratos do estado, a capacidade de mudar de agulha para funcionar num espaço geográfico mais alargado não é  grande.

Sendo este o problema fundamental de crescimento a prazo da economia portuguesa, como revelado nos últimos dez anos, a gestão habitual de procura interna ou a despesa pública por despesa pública, só iria atrasar esse processo. A questão é saber qual o trajecto e o custo desse trajecto e suas alternativas para atingir uma diferente estrutura produtiva. Também por isto é ilusório pensar que estar fora do euro ajudaria apenas por se poder desvalorizar a moeda.

Não é também uma questão de horas trabalhadas, uma vez que em Portugal já se trabalha mais horas face a outros países, como a Alemanha, por exemplo. É uma questão do que fazemos com as horas com que trabalhamos.

Ou seja, o “viver acima das possibilidades” também tem muito a ver com não termos conseguido aumentar as “possibilidades”, isto é a produtividade, de forma sensível.

No fim destes três posts, creio que fica claro que para mim o discurso de “viver acima das possibilidades” é muito pouco útil, e não ataca nenhum dos problemas sérios que tem impedido um ciclo de crescimento na economia portuguesa.


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viver acima das possibilidades (2)

Num texto recente explorei o argumento em que à necessidade de ajustamento no padrão de consumo privado não corresponde necessariamente uma situação de consumo desmedido e injustificado face ao enquadramento económico que estava presente. O elemento crucial que motiva o actual ajustamento no consumo das familias é a falha da economia em conseguir aumentos de produtividade que sustentem crescimento económico. O passo seguinte é perceber o que se passou do lado do estado e do lado das empresas.

Começando pelo estado. O estado tem, nas suas funções económicas, objectivos que não podem ser prosseguidos de forma individual: estabilização macroeconómica, resposta a falhas de mercado e redistribuição de rendimento são as que me parecem fundamentais. O formato exacto de como cada destes objectivos é alcançado (ou se tenta alcançar) influencia todos os outros e também a capacidade de o conseguir alcançar. Todos estes objectivos implicam alguma forma de despesa pública, pelo que é necessário obter receita. No campo da obtenção da receita, o estado possui o poder coercivo de obrigar a contribuições por parte da população e das empresas.

Parte dos problemas actuais da economia portuguesa resultam da má utilização destes quatro elementos. A estabilização macroeconómica passou, em dado momento, a ser sinónimo de grandes obras públicas, sem quase cuidar dos seus efeitos sobre a economia. A resposta a falhas de mercado serviu de pretexto para uma intervenção extensa do estado como empresário, mas sem correr os riscos de ser empresário (ou seja, falhar, falir e sair). A redistribuição de rendimento implica desequilíbrios que precisam de ser compensados, mas cujo verdadeiro efeito foi sempre sendo adiado. E quando se fala em redistribuição de rendimento, tem-se que pensar nas funções de seguro (por exemplo, apoio no desemprego), mas também nas pensões, além dos óbvios mecanismos de apoio a falta de rendimento.

Estas despesas públicas têm que encontrar contrapartida no crescimento da receita fiscal (entendida em sentido lato) ou na emissão de dívida pública. O crescimento da receita fiscal, para taxas de imposto constantes depende do crescimento da economia. Aumentos das taxas de imposto dão um aumento da carga fiscal num ano, mas não garantem a capacidade de crescimento dessa receita de forma sustentada se não for crescimento da economia subjacente. A emissão de dívida por seu lado gera compromissos de pagamento de juros e de pagamento do empréstimo que serão factor de aumento da despesa pública futura. A solução de emissão de dívida depende de haver alguém que esteja disposto a comprar a essa dívida, na expectativa do retorno de juros que terá essa cedência de fundos. Quando uma destas contrapartidas falha, ou é compensada pela outra ou tem que ocorrer uma redução de despesa pública. No caso português, com a falta de crescimento económico mas aumento da despesa pública, a compensação por emissão de dívida foi possível durante algum tempo, mas agora torna-se necessário outro factor entrar em campo.

O estado ficou também refém das expectativas de crescimento da economia que existiam há uma década atrás não se terem materializado. Contudo, o estado contribuiu de forma activa para que o crescimento da economia fosse menor do que poderia ter sido. Não o fez com esse objectivo claro, mas acabou por ser esse o efeito. Para esse papel do estado contribuiu, a meu ver, em parte um efeito de crowding-out – o financiamento do estado por emissão de dívida tem que incluir as actividades das grandes empresas públicas, dos grandes investimentos e das parcerias público-privadas que atraíram fundos para investimentos e actividades de pouco retorno produtivo, a nível nacional, a nível regional e a nível local, e que se adivinharia à partida serem de pouco retorno produtivo.

Com o argumento de “regulação de mercados”, o estado conseguiu também justificar uma actividade quase empresarial mas sem defrontar os riscos e os incentivos que esses riscos criam para a eficiência que o sector privado tem que enfrentar. A “fuga” à própria burocracia acumulada de décadas (séculos) do estado pelo próprio estado gerou estruturas paralelas (institutos públicos, por exemplo; empresas multimunicipais, etc.) que só adicionou complexidade e despesa.

Toda esta evolução deixa o estado com problemas para cumprir os seus objectivos base. Por exemplo, na gestão macroeconómica que interage com as funções de seguro face à ocorrência de desemprego, é natural que as despesas aumentem por essa via, o que deveria ser compensado por menor despesa futura, nos ciclos bons da economia. Mas se nesses ciclos bons, as maiores receitas são usadas para gerar maior despesa, então rapidamente a função de estabilização intertemporal deixa de ser possível.

Adicione-se a estes factores de dentro do funcionamento do estado o facto de as entidades privadas se terem apercebido, conscientemente ou não, que o poder coercivo do estado, via regulamentação e regulação ou via sistema fiscal, é uma fonte de garantia de receitas, que lhes permite uma vida sossegada, sem os riscos inerentes à concorrência privada. E é sempre fácil apresentar a protecção, mais ou menos explícita, de uma empresa ou actividade como sendo de interesse público ou merecendo esse apoio. Sobretudo quando o estado tem (ou tinha) a capacidade de remeter facilmente para o futuro os custos inerentes, recolhendo as vantagens no momento imediato. A construção de auto-estradas é sempre justificável pela acessibilidade do e ao interior. A recuperação de edifícios municipais é justificável pela dignidade das funções. A construção de piscinas é justificável pela redução das desigualdades de equipamentos (mesmo que depois não funcionem). A concessão de benefícios fiscais é justificável pela importância da indústria ou sector para o desenvolvimento da economia e para a protecção do emprego em determinadas regiões. A imposição de taxas obrigatórias que revertem a favor de empresas é justificável pelo serviço público (chegando-se mesmo ao ponto, como já assinalaram algumas pessoas, de se ter a cobrança de IVA sobre taxas criadas pelo próprio estado). Só falando nos benefícios é fácil as entidades privadas estabelecerem contratos e relações com o estado que na verdade constituem formas implícitas e indirectas de usarem o poder coercivo do estado para assegurarem as suas receitas, frequentemente com a vantagem de com maiores custos conseguirem também maiores receitas.

Desta forma, o estado foi criando com o passar do tempo toda uma teia de despesas e compromissos que são de decisão própria nalguns casos mas que noutros casos constituem “direitos” cedidos a privados sobre as suas receitas (daí a dificuldade com as parcerias público-privadas, por exemplo; ou com as dívidas assumidas perante fornecedores extra-orçamentos das entidades).

Dentro deste quadro, pode-se dizer que o estado “viveu acima das possibilidades”? em certa medida, sim, o estado claramente foi além das suas funções normais, e sucessivos governos deixaram-se arrastar para a “função” de “grande planeador social que iria transformar e revolucionar mentalidades, trazendo o progresso e felicidade a todo o país e a todos os portugueses”. Acresce que os portugueses em geral, não excluindo daqui a maioria do tecido empresarial, vê no estado a protecção e a responsabilidade por todos os eventos. Se há uma seca, é o estado que tem de dar seguro; se há um negócio que falha, é por falta de apoio do estado. É raro ouvir-se alguém dizer que o seu negócio falhou porque a ideia afinal não era tão boa assim, ou porque não se empenhou o suficiente, ou porque simplesmente teve azar no momento e condições. E assim o estado foi alargando a sua intervenção para áreas menos naturais muitas vezes por solicitação de grupos da própria sociedade portuguesa e da economia.

 


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há dias houve uma notícia que me chamou a atenção,

as exportações estariam a ser prejudicadas pela greve nos portos. Embora tal seja provavelmente uma realidade, ainda assim pensei que seria bom perceber se a desaceleração das exportações era de facto só causada por esse aspecto, ou se haveria algo mais de fundamental. Foi este o início do artigo para o dinheirovivo.pt de hoje. E talvez haja motivo para maior preocupação do que apenas a greve nos portos, e a greve nos portos pode até ter consequências maiores do que as dificuldades de exportação nos dias que correm.


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viver acima das possibilidades

Uma das frases que mais entrou no grupo de termos frequentes usados em discussões sobre o estado da economia portuguesa é que “vivemos acima das possibilidades”, e como tal contraímos dívida que temos de pagar. Esta mesma frase é rejeitada por muitos outros, que reclamam o que agora se chama (novo termo da moda) “narrativa alternativa”.

Parte das reacções ao termo “viver acima das possibilidades” está associada à censura implícita que o termo parece conter, e a reacção é, também muitas vezes, implícita, porque não havemos de ter a expectativa de uma vida melhor. Se juntarmos a isto o termo “empobrecer” e a exigência de que “temos de empobrecer”, o que conseguimos realmente ter é uma tensão e animosidade crescente.

Pessoalmente, creio que devíamos abandonar estes termos e focar apenas em dois, ajustamento do consumo e aumento da produtividade. E para justificar porquê e porque não têm estes termos a carga negativa dos que têm sido frequentemente usados, nada melhor do que recorrer a um pequeno modelo económico (no sentido de simplificação da realidade, para fazer ressaltar os elementos essenciais).

Ponto primeiro, focar a atenção na decisão de cada cidadão ou agregado familiar. Depois, mais tarde, junta-se o resto da economia. Nos últimos 25 anos o que encontramos? em 1986 a adesão à então CEE e em 1992 o programa do mercado único. Foram tempos de crescimento económico na economia portuguesa. Inicia-se depois a preparação para o euro, que conseguimos fazer. No momento de entrada do euro, temos três características económicas fundamentais para as decisões de consumo: redução das taxas de juro, redução da taxa de inflação e expectativas de crescimento económico.

Como é que estes factores afectam o padrão de consumo?

Entra agora o modelo económico, muito simplificado. Suponhamos que antes desta entrada no euro, um cidadão comum tinha um rendimento de 5 e esperava ter no futuro um rendimento de 5. Faria umas poupanças, pelas quais receberia um juro, ou até poderia pedir um empréstimo, pelo qual pagaria uma outra taxa de juro.

Com a entrada no euro, por via do efeito do crescimento económico que todos esperam, faz uma revisão dos seus rendimentos futuros, que passam a ser de 7. Como deve agora ajustar o seu consumo? bom, poderá pensar em pedir emprestado, permitindo-lhe consumir mais hoje à custa de algum consumo no futuro, por exemplo consumir 5,9 hoje e 5,9 no futuro, em que os 0,2 que faltam para a soma dos rendimentos é o juro que paga no empréstimo que transfere rendimento e consumo do futuro para o momento presente. E este endividamento não tem nada de mal, e corresponde a um processo de decisão racional e equilibrado.

Adicionemos aqui a redução da taxa de juro, que passou de valores como 17% ao ano para cerca de 4 a 5%. Só para dar uma ideia esta redução de taxa de juro permite reduzir para cerca de 1/3 a prestação mensal associada com um empréstimo a 30 anos para compra de casa. Pedir emprestado torna-se mais barato. Ou seja, é preciso sacrificar menos de rendimento /consumo futuro para um mesmo aumento de consumo hoje. Ou, para o mesmo sacrifício de rendimento futuro, obtém-se mais consumo hoje. Também aqui a reacção normal será a de aumento de consumo hoje, aumento de endividamento. Mais uma vez é um processo de decisão racional e equilibrado.

Qual é então a razão do ajustamento actual e do “viver acima das possibilidades”? Bem, esta argumentação de efeitos esteve baseada num pressuposto, o que no futuro o crescimento económico iria garantir um rendimento de 7. Infelizmente, não foi isso que sucedeu. A economia portuguesa não cresceu de forma a satisfazer as expectativas de consumo criadas e que estiveram subjacentes na criação de dívida privada. No exemplo acima, em vez de ter 7 no momento futuro, quando lá se chegou tem-se apenas os mesmos 5, que se revelam então insuficientes para manter o consumo de 5,9 que vinha do passado e pagar os juros. Surge então neste momento a necessidade de ajustar o consumo.

O “viver acima das possibilidades” resulta então de não se terem concretizado expectativas de crescimento da economia. Um exemplo de textos técnicos que antes da entrada no euro encontravam fortes efeitos positivos pode ser encontrado aqui, mas já em Dezembro de 2000 o Banco de Portugal alertava para os perigos de endividamento e de consumo acima do que se produz, aqui, lendo-se na página 6 “A economia não pode continuar indefinidamente com níveis de despesa muito acima do que produz.” O crucial é aqui o indefinidamente – o comportamento individual acima descrito envolve um primeiro momento de endividamento, e um segundo momento de pagamento sem redução de nível de vida se a economia crescer, mas com redução do nível de consumo se a economia não crescer.

Porque a economia não cresceu é tema para outras discussões, mas pelo menos que a frase “viver acima das possibilidades” não seja interpretada de forma negativa ou culposa do ponto de vista das decisões individuais. Mostrou apenas que os portugueses reagiram de forma natural ao enquadramento económico em que se encontravam. Não impede que seja necessário um ajustamento. É. Já quanto às decisões de despesa pública, também deverá ser objecto de análise própria.


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o regresso do estado gestor de empresas

ao mesmo tempo que se afirma defensor da iniciativa privada, o estado recupera todo o voluntarismo do estado gestor de empresas.

Não sendo viável o estado empresário – o estado lançar-se ele próprio em novos negócios – o mais próximo que consegue é o ser o estado gestor. Na versão estado empresário o mais próximo será o anunciado (? pelo menos na imprensa) banco de fomento. Mas na versão estado gestor, observamos vários exemplos em que o estado afirma, determina, o que as empresas privadas devem ou não devem fazer. Há uma diferença grande entre criar enquadramento e depois deixar funcionar a iniciativa privada, e ser o estado a substituir-se às empresas privadas na tomada de decisão.

A situação que melhor ilustra este aspecto nos dias que correm é o dos combustíveis low-cost. Aparentemente, as duas opções a serem consideradas são

a) o estado obrigar as bombas privadas a oferecerem combustível low-cost, e provavelmente terão que fixar também o respectivo preço, de outro modo as empresas terão a liberdade de aproximar o preço deste tipo de combustível ao que já vendem actualmente, o que levantará a questão de saber se fixam o preço apenas para estas bombas ou para todas, incluindo as que têm apenas combustível low-cost, mas então não estarão já a fixar coisas a mais e a reduzir a própria concorrência no mercado – aliás, se decidirem fixar o preço do combustível low-cost terão que criar um comité de análise, que não poderá deixar de ter as principais operadoras, que com isso farão com que os preços fixados sejam provavelmente superiores aos que actualmente existem, ou então terão que dar representação desproporcionada aos pequenos operadores, só que parte substancial das bombas low-cost são de grandes superfícies comerciais, e isto tudo já ficou uma grande embrulhada – ter o Estado Combustíveis SGPS não se afigura particularmente atractivo

b) o estado facilitar as condições em que pequenos operadores podem abrir e ter postos de combustível low-cost. Aqui, o argumento é distinto e consiste em facilitar o acesso a liquidez desses pequenos operadores para que entrem no mercado. É uma opção mais natural numa economia de mercado. Na verdade, o pensamento deverá ser em termos de reduzir as barreiras à entrada que possam existir e que antecipo o acesso à liquidez seja apenas uma delas. Certamente a primeira a ser ultrapassada, mas depois é fácil imaginar que o próprio acesso ao produto venha a ser dificultado. Ou seja, será necessário assegurar que esses pequenos operadores têm capacidade para comprar gasolina e gasoleo que possam depois vender. Dado o número de refinarias existentes em Portugal e sua propriedade, dadas as condições de armazenagem em tanques existente em Portugal e sua propriedade, será de seguir com atenção essa capacidade de aquisição. Não haverá certamente recusas de venda, mas dificuldades no abastecimento, problemas técnicos, condições abusivas impostas para esse abastecimento de combustível para revenda dos pequenos operadores. Será um campo fértil mas difícil para a actuação / monitorização da autoridade da concorrência. De outro modo, não será difícil prever que os investimentos dos pequenos operadores, apoiados por fundos públicos, resultarão em falências a breve ou médio prazo, traduzindo-se depois num baixo retorno no investimento realizado (seguindo aliás uma tradição portuguesa de mal investir, mas essa é outra história).

Ou seja, do que está em discussão, ainda assim, a opção b) faz mais sentido, mas convém que seja acompanhada pela Autoridade da Concorrência.


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para a série “desabafos”

comentário recebido por email, sobre a  “refundação”, “reforma”, “reavaliação”, “re-qualquer-coisa” do estado social, a propósito do meu artigo no dinheiro vivo:

“Será que conseguimos? Penso que de uma forma justa e equilibrada, não. Porquê? Porque sempre que se fazem alterações na FP têm sido “cegas”, apenas para cortar alguns gastos ( e que se revelam sem grandes resultados).
Para conseguirmos isso, para além de ter que ser bem definido de que serviços necessitamos (na minha experiência  há uma série de duplicação de tarefas) é fundamental perceber que a gestão adequada de um serviço passa pelo adequado perfil das suas chefias. No meu entender, não há maus trabalhadores (exagerando, claro, pois há sempre uma margem deles) há, sobretudo, muito más chefias que tratam os serviços públicos ao seu gosto pessoal sem critério ou regra e são, muitas vezes, pouco sabedores e motivadores.
Também erradamente, os lugares de chefia na FP passam a ser uma carreira. Ou seja, se consegues ser chefe continuas chefe. Exemplo: uma pessoa que foi diretor de serviço e foi, por convite, para um lugar de  subdiretor noutro serviço, quando regressa, não interessa porquê, já nunca faz o papel de técnico superior. Ou lhe arranjam outro lugar de chefia ou fica com previlégios especiais. isto não é fição, é realidade.
No meu serviço há direções de serviços que só têm uma divisão, isto é, poderiam juntar-se a outra divisão e poupar recursos. Mas isso retiraria lugares de chefia (…).
Enfim desculpa o desabafo. Mas a questão é esta, se eu vejo isto claramente, também outros o vêm, mas nada fazem porque não há interesse nisso.”


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receitas de taxas moderadoras

regressado de uma conferência em Berlim, e a ver as notícias dos últimos dias, encontrei esta:

“Governo falha metas nas taxas moderadoras

O Ministério da Saúde não vai conseguir cumprir as metas preconizadas no âmbito do memorando de entendimento no que diz respeito às taxas moderadoras. Foi o próprio secretário de Estado Manuel Teixeira quem admitiu hoje, numa audição no Parlamento, que a receita a arrecadar ficará 176 milhões de euros abaixo do previsto nos próximos dois anos, já que era de esperar uma receita de 530 milhões.

As previsões visavam a arrecadação de cerca de 240 milhões de euros só em 2012, mas, segundo Manuel Teixeira, deverão ser atingidos apenas “164 milhões de euros. Já em 2013, serão arrecadados 190 milhões de receita, 85 dos quais em unidades SPA e os restantes 105 milhões em EPE”. No entanto, o memorando da previa uma arrecadação adicional de 50 milhões de euros, ou seja, 290 milhões de euros no total.

O secretário de Estado referiu que “o desvio da receita será compensado por medidas de corte da despesa, que já estão explicitadas. Medidas de contenção de custos e racionalização e que totalizam os tais 487 milhões de euros”, avançou.(…)”

Ora, como argumentei aqui, que recupera o que já tinha escrito no livro sobre 1 da troika, não é nada de espantar este resultado. Agora, não sei é se é necessário ir procurar o desvio da receita da forma como foi dito – o primeiro passo é perceber se esta menor receita das taxas moderadoras se deveu a uma menor utilização em casos desnecessários de cuidados de saúde, e em caso afirmativo quanto se poupou em despesa evitada com esses casos. Provavelmente é muito mais do que o valor das taxas moderadoras. E nesse caso, não é preciso estar a insistir mais na questão. Apresentem-se os valores à troika.

Mas se em vez disso se concluir que se evitaram cuidados de saúde necessários, há que procurar alterar essa situação, pois serão custos adicionais, privados para as pessoas por não se tratarem, mas também sociais por provavelmente se reflectirem em maiores custos futuros.

Antes de mais medidas (e não evidente que sejam criadas mais medidas, pois a citação do secretário de estado aponta para que considerem já estar a situação incluída em tudo o que foi apresentado), convém sabermos o que se passa realmente. É que neste caso impor mais redução de despesa sem saber mais sobre o porquê de não se ter alcançado a receita pretendida, quando o próprio objectivo de receita era contraditório com outro objectivo e com as medidas adoptadas, não parece ser o melhor caminho.

 


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sobre a discussão da “refundação do estado social”

no dinheirovivo de hoje, com a proposta de três planos de análise. O tema não é pacífico e desperta muitas reacções emocionais, sobretudo no momento actual. Por isso mesmo, é relevante tentar uma organização da discussão e uma discussão aberta e sensata.

 

Conseguiremos fazer? (refundar o Estado social)

05/11/2012 | 00:17 | Dinheiro Vivo

O tema quente do momento é a refundação do memorando (revisão do estado social ou outra combinação de termos similares). As reacções têm sido as esperadas, com muito de combate político, como teria de ser necessariamente nas actuais condições.

Há a necessidade de tornar esta discussão objectiva e produtiva.

O ponto de partida é saber se é necessária uma revisão do funcionamento do sector público. Face aos problemas actuais, há que reconhecer que estes não nasceram com a crise internacional, que os veio apenas agravar. De uma forma genérica, os problemas centrais do sector público estão três áreas. A primeira é o processo de decisão política da despesa pública (porque se gasta, onde se gasta, quem decide, como decide). Dentro desta área caiem as decisões sobre as auto-estradas, SCUT ou não, as PPP, as obras de arte nas rotundas, os pequenos e os grandes desvios nas obras públicas mal planeadas, mas também as grandes empresas públicas, como as de transportes, que serviram de veículo para investimentos que o Estado não podia ou não queria suportar no seu orçamento.

A segunda área está na produtividade do sector público. O sector público ajudou a absorver num momento histórico um tremendo choque no mercado de trabalho, na sequência da descolonização. Mas nos últimos 20 anos foi incapaz de se orientar para servir o cidadão, apesar de algumas bem sucedidas acções de modernização. Os serviços da administração central e local revelam todos os dias a quem por eles passa situações que não se poderão manter. Nalguns casos, apenas a dispensa de pessoas poderá ajudar a resolver essas situações.

Antecipo que a propósito deste argumento se venha falar do número de funcionários públicos em Portugal comparado com outros países. O perigo da estatísticas mal usadas está ai para confundir a discussão. Por exemplo, desde que se criaram os hospitais EPE, os seus trabalhadores deixaram de contar para estas estatísticas, apesar de continuarem a ser empregues pelo sector público. Aqui há mesmo uma necessidade de definir processos e tarefas dentro do sector público, ainda que todas as funções actuais não se alterassem.

A terceira área de revisão está precisamente nas funções que se pretende que o Estado desempenhe numa sociedade moderna. Não pode ser unicamente uma discussão de cortes de despesa e de custos. O quanto custa terá que ser introduzido na discussão em algum momento, mas primeiro é preciso definir qual o papel do Estado em várias áreas de intervenção, e qual a melhor forma de fazer essa intervenção. Surge nesta área a discussão de prestação directa pelo Estado, ou de intervenção privada, a contrato ou não com o Estado.

Cada uma destas três áreas envolve decisões que não pacíficas nem fáceis. É pouco provável que actuar apenas numa destas áreas resolva de forma permanente a questão central do Estado ser uma força de desenvolvimento da sociedade (e da economia) e não um factor de resistência a esse desenvolvimento.

Tendo presentes estas três áreas, há que perguntar se acreditamos que temos a capacidade de fazer a reflexão sobre elas de forma ponderada, e que leve a decisões operacionais. Ora, é aqui que o Estado pode observar o que o mundo empresarial costuma fazer. Raramente mudanças desta natureza são feitas com base apenas em pensamento interno. Há o recurso a consultores externos, que trazem duas vantagens, uma visão de fora e descomprometida, e conhecimento de outras situações similares ou próximas. No caso do sector público, os “consultores” são naturalmente entidades como o Fundo Monetário Internacional ou a OCDE, por exemplo. As decisões serão nacionais (exige-se que assim seja) mas podemos beneficiar da visão e conhecimento que poderão vir de fora.

Há que mostrar, por parte de todos os agentes políticos, económicos e sociais, a capacidade de discutir e decidir, ouvindo todas as visões, incluindo as que vêm de fora, para que como sociedade tomemos decisões sobre o sector público que queremos ter. Conseguiremos fazer?