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jogada de risco: Pingo Doce deixa de aceitar cartões em pagamentos inferiores a 20 euros

11 comentários

Hoje, através da rádio, fiquei a saber desta decisão do Pingo Doce, que aparece também em vários locais da imprensa online.

O argumento apresentado é o a da poupança de 5 milhões de euros. Deixemos por um momento de parte saber como esta poupança será repartida entre clientes e empresa.

A minha dúvida é se esta poupança existirá de facto em termos globais. Em particular, interessa-me pensar na forma como o comportamento dos consumidores /clientes do Pingo Doce se poderá alterar.

Para pequenas compras, inferiores a 20 euros, terão que andar com dinheiro na carteira, e se quiserem pagar com cartão terão fazer compras de maior valor. Significa que se os clientes tiverem uma forte preferência por pagar com cartão, irão juntar várias compras feitas actualmente numa só, para acumular valor e não terem problemas com pagar com cartão. As pequenas compras de impulso, de baixo valor, que seriam pagas com cartão tenderão a desaparecer. Por outro lado, ao pagar com “dinheiro vivo” a percepção da despesa passa a ser maior – pagar 5 euros e ver que se fica apenas com mais 5 ou 10 euros na carteira poderá dissuadir da compra, enquanto o débito no cartão é normalmente mais indolor. Claro que se pode tentar argumentar que se o cliente quiser mesmo pagar com cartão então vai comprar mais coisas. Pessoalmente, creio que apenas pontualmente tal poderá suceder, e os clientes rapidamente ajustarão o seu comportamento de aquisição.

Adicione-se a este aspecto a existência de alternativas, de outras cadeias de distribuição na proximidade. Se um cliente / consumidor quiser mesmo pagar com cartão de débito ou crédito, poderá dirigir-se a uma loja de uma cadeia concorrente, mas se o fizer para as pequenas compras poderá também passar a fazê-lo para as grandes compras, e lá se vai a “fidelidade” do cliente. Novamente, pode ser que este seja um grupo pequeno de pessoas, ou talvez não…

Por fim, será que os clientes serão sensíveis à poupança assim alcançada? admitamos que é toda transferida para os clientes. Qual será a poupança alcançada em cada transacção realizada? Numa transacção de 10 euros, uma taxa de 2,25% cobrada pela rede de cartões corresponde a 22,5 cêntimos, mas se o Pingo Doce como grande comerciante conseguir, digamos, uma taxa melhor pelo elevado volume transacções, por exemplo, 1,55%, então seriam 11,5 cêntimos de poupança para o consumidor numa compra de 10 euros, caso toda a poupança fosse canalizada para essa compra. Só que há um ligeiro problema – os mesmos produtos não vão ter preços diferentes consoante a forma de pagamento do cliente, e por isso uma redução de preços que transfira toda a poupança gerada será distribuída por todos os consumidores (e eventualmente por muitos produtos). Significa que a poupança que cada consumidor sentirá como resultado de não pagar com cartão de pagamento será virtualmente nula – fica apenas o incómodo de ter de pagar com dinheiro quando preferia pagar com cartão, o benefício fica diluído e pouco perceptível. Não vejo como se pode esperar que o consumidor seja sensível a pagar à poupança gerada. Talvez se passarem a oferecer os sacos (que agora são pagos) em todas as compras abaixo de 20 euros?

Ou seja, gostaria de saber se a poupança de 5 milhões é apenas devida à taxa de serviço que está associada às transacções que deixarão de ter como pagamento o cartão de débito e/ou crédito, ou se de alguma forma incorporaram o efeito sobre as vendas e as respectivas margens para a empresa que poderá resultar do ajustamento do comportamento do cliente / consumidor.

Se estes efeitos não foram pensados, então tem-se uma jogada de risco por parte do Pingo Doce; veremos no final se valeu a pena ou não.

Desconhecida's avatar

Autor: Pedro Pita Barros, professor na Nova SBE

Professor de Economia da Universidade Nova de Lisboa.

11 thoughts on “jogada de risco: Pingo Doce deixa de aceitar cartões em pagamentos inferiores a 20 euros

  1. Sandra Pinho's avatar

    não creio que o argumento de ter de andar com mais dinheiro na carteira pese muito. na verdade, a maior parte dos supermercados tem caixas MB à entrada. basta aos bancos fazer uma análise da necessidade de incremento do valor carregado nas máquinas ou de aumento do número de máquinas (para não haver escassez de dinheiro) e as pessoas passam a levantar dinheiro imediatamente antes de fazerem as compras. mas o tempo dirá.

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  2. Pedro Pita Barros, professor na Nova SBE's avatar

    Sandra, certo que as pessoas podem levantar dinheiro nas caixas, mas passam a ter mais um “custo” nem que seja de tempo de fazer uma pequena compra – levantar o dinheiro e depois fazer a compra; de qualquer modo a percepção do dinheiro a sair da carteira será mais forte por o ver fisicamente do que pagando com cartão.
    Estou curioso para ver o efeito real da medida, e também curioso de saber como foram estimados e incorporados no processo de decisão estes outros aspectos de comportamento dos consumidores.
    A minha sensação é todos os argumentos contra são “pequeninos” quando tomados individualmente, mas poderão fazer diferença quando somados.

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  3. Nuno Vaz da Silva's avatar

    Concordo que é uma jogada de risco, na qual o Pingo Doce leva o seu lema quase ao extremo: Sem cartões nem complicações! (se bem que neste caso as complicações vão aumentar, assim como o peso na carteira).

    Será também relevante saber se a concorrência segue esta estratégia comercial e também limita o valor mínimo para compras com cartões.
    Mas introduzindo ainda mais uma variável, sendo o Pingo Doce uma marca de retalho localizada essencialmente em zonas residenciais, é expectável que os clientes se desloquem com uma maior frequência às lojas do que usualmente fazem nas grandes superfícies (não conheço o valor médio das compras por cliente mas provavelmente será inferior no Pingo Doce do que no Jumbo ou no Continente). Estas preferências (a confirmarem-se) implicam um risco adicional com esta medida, com eventual perda de clientes para mercearias de bairro (para pequenas compras) ou para grandes superfícies (em compras maiores).
    Se a politica de taxação dos sacos de plástico teve um argumentário essencialmente ecológico (facto bem recebido por grande parte da população, embora esteja disfarçada uma implícita poupança de custos), esta medida tem justificações financeiras, o que é mais difícil de explicar quando o cliente não beneficia dessa medida.
    Admito que o consumidor médio poderá até fazer mais compras do que habitualmente para alcançar o limite mínimo de pagamento com cartão mas o resultado desta medida será arriscado e incerto, a não ser que tenha sido uma orientação concertada das médias e grandes superfícies.
    Veremos se haverá ou não seguidores da medida e de que forma reagirá a SIBS e as Instituições Financeiras!

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    • CSJ's avatar

      É bom recordar que o Continente não é só “grande superfície”. Todos os Modelo são desde há bastante tempo Continente. E depois há mais: Minipreço, Lidl etc, etc.

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    • Desconhecida's avatar

      O grupo Jerónimo Martins tem um problema, acha que está a gastar demasiado em transações comerciais, e, na impossibilidade de resolver esse problema com as entidades intervenientes, passa esse problema aos clientes.
      Quer dizer, ao fim do dia de trabalho, necessito de fazer meia dúzia de compras (fruta, pão, leite, etc) e tenho que obrigatóriamente, mesmo tendo um meio de pagamento no bolso, me deslocar a uma caixa multibanco para levantar dinheiro porque aquilo que vou comprar pode, ou não, perfazer o limite imposto pelo estabelecimento.
      Sinceramente, tenho mais com que me preocupar, na minha vida, do que com problemas que não são meus.
      A minha posição em relação a situações deste tipo é muito simples; eu possuo meios de pagamento, que não só são autorizados pelo governo português como me custam uma determinada quantia anual (anuidade).
      Portanto farei as minhas compras nos estabelecimentos que os aceitarem, ignorando os outros.
      Se a situação se generalizar, então chegarei ao meu banco, entregarei o cartão, que então deixará de servir para alguma coisa, e deixo de pagar uma anuidade por ele.
      A única coisa que lamento é que os Portugueses de hoje sejam tão maleáveis em relação a situações deste tipo (e a outras análogas a estas), e se deixem pressionar, acabando por fazer aquilo que meia dúzia de ‘espertalhões’ lhes impõem.

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  4. CSJ's avatar

    Não me parece que se possa analisar estas estratégias isoladamente. Isto é a continuação do “programa 50% de desconto”. Faz-se pagar aos produtores, aos clientes e … aos contribuintes! O fisco deve olhar para estes movimentos também.
    Qualquer dia – no aperfeiçoamento do programa ” nós queremos o melhor para os nossos clientes que quase tratamos como sócios… mas os nossos lucros são só para nós e têm de aumentar MUITO” – põem os produtos no chão para não pagarem aos repositores. E por aí adiante. Agora até “mandam” nas formas de pagamento dos clientes. Esperemos que estes saibam dar a resposta acertada.
    É sempre bom ver a floresta e não olhar só para a folha da árvore.

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  5. Nuno Vaz da Silva's avatar

    Parecia que adivinhava as cenas dos próximos capítulos com o meu comentário anterior…aqui fica o link:
    http://www.dinheirovivo.pt/Empresas/Artigo/CIECO056534.html

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    • CSJ's avatar

      O Continente já fez uma declaração pública s/o assunto. Vai continuar a aceitar pagamento c/cartões para qualquer valor de compra.
      Aliás, não será mesmo ilegal restringir o uso de cartões ( especialmente o de débito) para pagamentos inferiores a determinado montante?

      É esclarecedor quando uma empresa impõe condições leoninas nos contratos com produtores (e em certa medida também aos clientes) e depois é tão “fraca” e subserviente na negociação com bancos, SIBS & Compª. Alguém acredita?

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  6. Maria Mourao's avatar

    Penso que s elevadas taxas cobradas pelos bancos sobre as transacções com cartão precisam de ser questionadas, mas esta política de merceeiro centrada no “el contado” sem qualquer controle fiscal, pode implicar ainda maiores poupanças na engenharia contabilística do Pingo Doce.

    Resta aos contribuintes pedirem factura em todas as transacções inferiores a 20 Euros.

    Um negócio só é bom quando ficam todos a ganhar… o estado, os contribuintes, as empresas.

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  7. Pedro Pita Barros, professor na Nova SBE's avatar

    Desconheço se é possível para um mesmo produto recusar um meio de pagamento consoante o cabaz global adquirido. Os comerciantes têm a liberdade de aderir ou não às redes de cartões de pagamento, havendo diversas redes concorrentes e nem todos os comerciantes aderem a todas as redes. Também durante épocas de saldos por vezes não se aceitam pagamentos com cartões. Ainda assim esta será uma situação diferente, uma vez que a condicionalidade de aceitação de cartão de pagamento depende do valor do cabaz em que se encontra inserido.

    Sobre se outros grupos vão ou não seguir a mesma estratégia, bem lembrado, obrigado Nuno. Curiosas as posições opostas do Jumbo e do Continente a este respeito.

    Controle fiscal – não sendo pago com cartão de pagamento, não sei se haverá maior facilidade da grande distribuição evitar impostos. Haverá é certamente maior confusão nas caixas com os trocos, e o maior manuseamento de notas e moedas é susceptível de criar mais “erros de caixa” (trocos mal dados, notas que caiem, etc.).

    Outras pequenas situações de incómodo poderão surgir – só na caixa o consumidor descobrir que não tem dinheiro suficiente ou que a compra não atinge os 20 euros, obrigando a anular a compra ou a esperar que vá levantar dinheiro.

    E quando acabar o dinheiro na caixa multibanco, quantas compras deixarão de ser realizadas até ser reposto? e o multibanco der apenas notas de 50 euros por as outras já estarem esgotadas, que opção farão as pessoas?

    Quando se julgava que a tendência era para a desmaterialização da moeda, uma decisão destas se generalizada vai no sentido contrário. Quando noutras áreas se fala em inovações tecnológicas como pagamento através de telemóvel, que poderá ser uma alternativa ao habitual cartão de pagamento, há aqui um retrocesso ao nível da tecnologia de pagamento.

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  8. CSJ's avatar

    Na minha opinião esta medida do PD destina-se unicamente a levar os clientes, por comodidade, a fazerem compras acima de 2o€, obrigando-os a pagar as maravilhosas promoções de 50% (e seguintes).
    Quanto aos custos para o PD com o uso de cartões, deixo aqui um comentário que vi num jornal diário, e talvez alguém possa verificar se é mesmo assim:

    ” Snarf , Lisboa. 21.08.2012
    RE: Pagar fica assim tão caro ao Pingo Doce.

    Eles não pagam imposto nenhum…. (bem pelo contrário, em 2012, 87% das receitas feitas nos hipermercados PD, irão pagar 2% de imposto sobre o lucro. Só o IVA é pago cá em Portugal, a nível de IRC, só a SGPS é que irá pagar cá em Portugal, tudo o resto irá pagar 2% na Holanda)

    O que eles pagam é a taxa de usar o serviço multibanco. Para uma grande superfície (valores acima de 10 milhões pagos por mês), eles pagam 0,06% por cada pagamento efectuado com cartão de débito e 0,1% por cada pagamento feito com cartão de crédito. E deste valor que eles dizem que estão a pagar 5 milhões por ano, devido aos pagamentos feitos com cartões abaixo dos 20 euros….”

    Agora acrescento eu:
    Só a segurança às caixas por terem mais dinheiro e o transporte de valores, somado aos custos em tempo de pagamentos e trocos, bem como abandono das compras nas caixas ou “vou ali ao MB”, custa muito mais ao PD.
    E já viram qual é o sistema deles quande se pede uma factura?
    Pois, o melhor é a DGCI se interessar verdadeiramente por esta medida.

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