Momentos económicos… e não só

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Relatório da Primavera 2012 (4)

4 comentários

Um aspecto que vem sendo repetido, de forma mais ou menos explícita ao longo dos anos, pelo OPSS é “A falta de uma verdadeira política de saúde que enquadre as medidas de racionalização e contenção de gastos e que minimize os seus efeitos negativos.”

Esta critica é sempre fácil de fazer, e sempre válida, até porque não se sabe qual a definição de “verdadeira política de saúde”, que pode facilmente ser confundida com “a política de saúde que os autores têm a certeza que é a correcta e que deveria ser seguida”.  Mas esta é também uma crítica fácil à observação do OPSS.

Tentando aplicar alguns princípios económicos, há algo mais que pode ser dito. Toda a análise económica tem como base definir-se o valor de alternativas possíveis, definir-se as restrições que se defrontam e dentro dessas restrições fazer as escolhas que alcançam o maior valor social.

E olhando desta forma, a crítica base do OPSS tem alguma razão de ser. “Alternativas” tem aqui uma tradução clara em termos de objectivos para a saúde da população. O que se valoriza, o que se deseja, em termos de saúde é relevante ser explicitado. É esse o papel de, por exemplo, elaborar um Plano Nacional de Saúde – expressa as preocupações e as necessidades, numa perspectiva geral.

Mas tipicamente não existem numa sociedade recursos para se fazer tudo o que possa ser identificado como tendo mérito suficiente para figurar num plano nacional de saúde. A existência de fortes restrições financeiras dita que terão de ser realizadas escolhas. Aliás, mesmo fora do actual contexto económico, dificilmente se terá recursos para se alcançar tudo o que seja especificado num plano nacional de saúde.

Claro que num contexto de forte contenção da despesa pública, incluindo a saúde, tem que ser mais claro quais as escolhas que se querem fazer, e estas devem ser guiadas pelo valor que têm para a sociedade.

O desafio é encarar a restrição orçamental existente como uma limitação ao que se pretende alcançar em termos de saúde para a população e não como um objectivo em si mesmo. Só que em termos de gestão, e pensando em termos de gestão por objectivos dentro das organizações, a tendência é para pensar no controle da despesa como objectivo por si.

Não quero ser mal interpretado. É necessário contenção de despesa. Só que a forma como um mesmo nível de despesa é alcançado tem implicações muito diferentes.

Um exemplo simples – tendo a redução da despesa como objectivo de gestão, as decisões irão ser as de cortar despesa onde for mais rápido e fácil fazê-lo. É a melhor forma de cumprir esse objectivo de garantir uma determinada despesa. Procurar o que na linguagem das consultoras se chama de “quick wins”. E a medida do sucesso é ter cumprido a despesa. Fácil de verificar.

Na abordagem alternativa, decorrente da análise económica, para essa mesma despesa deverá cortar-se nas despesas que têm menor valor social, até ao ponto em que se atinja a restrição orçamental imposta. Não se está à procura das áreas onde é mais fácil reduzir despesa, mas das áreas onde a redução de despesa tem menos impacto sobre a saúde da população, ou sobre os objectivos definidos no plano nacional de saúde (por exemplo).

Ora, onde é mais fácil cortar despesa pode não ser o mesmo que onde se corta com menor impacto sobre os objectivos de saúde.

Uma perspectiva de gestão não é a mesma coisa que uma perspectiva de economia.

E se a critica do OPSS é a de que falta uma perspectiva dos objectivos de saúde, então tem alguma razão. Se, porém, a critica é que não se vão atingir todos os objectivos de saúde, então essa critica é eterna porque nunca haverá os recursos financeiros e/ou humanos e/ou tecnológicos para alcançar tudo.

A meu ver, para se compreender e avaliar as políticas seguidas pelo Ministério da Saúde na perspectiva que me parece subjacente às análises do OPSS, falta conhecer publicamente dois documentos: o Plano Nacional de Saúde (ou documento equivalente), e o plano estratégico para o serviço nacional de saúde (que está previsto no âmbito do Memorando de Entendimento, o que aliás faz com que a critica do OPSS de a troika se focar apenas nas questões financeiras de curto prazo não seja totalmente correcta).

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Autor: Pedro Pita Barros, professor na Nova SBE

Professor de Economia da Universidade Nova de Lisboa.

4 thoughts on “Relatório da Primavera 2012 (4)

  1. Francisco Velez Roxo's avatar

    Caro Pedro
    Lido o teu comentário e retida frase:”Uma perspectiva de gestão não é a mesma coisa que uma perspectiva de economia.” porque e marcante e demarcante, aponto 2 aspectos em que nao concordo contigo ( sem discordar nas raízes do problema…):
    1- A trilogia Estratégia,Plano e orçamento na Saude nao pode ser separada.E este e um total campo de integração da Economia e Gestao, pelo menos na visao AngloSaxonica.Com a qual concordo.
    E certo que estratégia, para muitos,sao uns ” palpites powerpointados” e Planos uns ” documentos bem escritos” e o problema e quando se chega ao orçamento “pesado” no OE.E aqui entra a Gestao: como e possível alterar o rigor prospectivo quando a extrapolação da tendência era o melhor instrumento para dizer: custa x milhoes e daqui para baixo o ” povo sofre”. Um Plano Anual de um Centro Hospitalar com base no modelo de Financiamento e de Controlo de Gestao existente, facilmente e um centro de debate egoista e sem integracao de recursos e metodos de trabalho.
    Donde OPSS e MS só tem na analise conjunta do Relatorio um S em comum: o da Saude.
    Aguardemos pelo PNS(2012-…) e pelo relatório de Outono lá mais par quando o OE ou for ou nao OE.
    Abraco Roxo
    francisco

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  2. Francisco Velez Roxo's avatar

    Adenda de esclarecimento ao comentário anterior:
    O ponto 2 e : Um Plano Anual de um Centro Hospitalar com base no modelo de Financiamento e de Controlo de Gestao existente, facilmente e um centro de debate egoista e sem integracao de recursos e metodos de trabalho.
    Donde OPSS e MS só tem na analise conjunta do Relatorio um S em comum: o da Saude.
    Aguardemos pelo PNS(2012-…) e pelo relatório de Outono lá mais par quando o OE ou for ou nao OE.”
    Colocado o ponto ( em que o exemplo e apenas de um Centro Hospitalar) ficou afastar o exemplo das ULS que ainda e mais desafiante relativamente a tua dicotomia Economia e Gestao 🙂
    Francisco

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  3. Pedro Pita Barros, professor na Nova SBE's avatar

    Olá Francisco,
    Obrigado pelo teu comentário. Sempre atento :D.

    Não sei se temos mesmo discordância – nada impede que o objectivo dado à Gestão de uma unidade de saúde seja um objectivo de obter os maiores ganhos de saúde na população servida face a um orçamento que é disponibilizado. A questão é que esse não é a única formulação de objectivos possível.

    E se for dada à Gestão o objectivo de não gastar mais do que tantos milhões de euros, então as decisões de gestão serão diferentes, bem como a avaliação do desempenho que é feito.

    Também pode ser dado o objectivo à Gestão de não gastar mais do que tantos milhões de euros e não deixar que haja decréscimo no estado de saúde da população servida, o que pode ser contraditório em termos de objectivos.

    A importância de um plano estratégico é a de definir conveniente os objectivos, e as restrições, e depois deixar a gestão encontrar a melhor forma de actuar.

    A forma como se define um objectivo global e depois a partir dele, face às restrições, se estabelecem os objectivos das unidades de saúde, faz diferença, e é neste passo que é fácil fazer a “troca” entre o que é “objectivo” e o que é “restrição” em sentido económico. Creio que isto é compatível com a tua trilogia estratégia-plano-orçamento.

    De qualquer modo, a existência de um Plano Nacional de Saúde é parte essencial do traçar de rumo para o sistema de saúde, e para o Serviço Nacional de Saúde.

    Abraço
    Pedro

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  4. Francisco Velez Roxo's avatar

    Depois da vitoria de Portugal contra a Holanda( a tal que nao e Beveridge nem Bismark) penso que o MS vai ter mais espaço para poder apresentar o Plano nacional da Saude ( com estratégia, planos e programas orçamentados ).E, concordando contigo depois desta tua amavel e bem construida explanação (porque a Saude e um quase mercado…) fica-me ainda uma duvida: saber se o ” mamute” que e o monstro MS esta preparado para assumir uma efectiva mudanca, como de resto os sucessivos relatórios primaveris teem apontado.
    Por exemplo,chego a perguntar-me se as ARS nao servem para dinamizar uma mudanca profunda on the job , como a que pode e deve decorrer de uma estratégia sustentada e sustentável para a Saude , se nao estarão a mais neste processo.
    Vamos lá então beber um sumo de laranja:)
    Francisco

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