Presente envenenado
30/04/2012 | 00:24 | Dinheiro Vivo
A preocupação com o crescimento económico tem levado à apresentação de diversas propostas, e criação de “agendas” de medidas para estimular esse crescimento. Como é conhecido, existem duas grandes visões – uma baseada em estímulos por parte da despesa pública e outra baseada em investimento privado, em que a despesa pública se deve abster de utilizar crédito que fique disponível para o investimento privado.
No actual contexto da economia portuguesa, é obviamente difícil falar em estímulo fiscal, deslocando-se a atenção para um estímulo a nível europeu.
Porém, mesmo que a Comissão Europeia consiga coordenar um esforço a nível europeu, tal não resolverá os problemas da economia portuguesa. Haver maior procura de produtos a nível da Europa permitirá, naturalmente, uma maior utilização da capacidade produtiva existente.
Mas o problema estrutural da economia portuguesa é a desadequação da estrutura produtiva, pelo que um programa europeu de estímulo às economias dá um espaço adicional para as empresas mas não é solução duradoura.
Aliás, se não for feito com cuidado pode ser mesmo prejudicial ao processo de transformação da especialização produtiva da economia portuguesa. Imaginemos que os fundos que a Comissão Europeia consiga juntar para este projecto de estímulo se destinam a infraestruturas, e que para se aproveitar os fundos de investimento cada país tem que assegurar um cofinanciamento nacional. Ora, para Portugal, investir em mais infraestruturas de transporte, por exemplo, neste momento, com comparticipação do Estado significa que uma de três escolhas tem que ser feita: 1) aumentar impostos para poder assegurar esse cofinanciamento; 2) reduzir mais os salários e as pensões para poupar fundos para esse cofinanciamento; 3) pedir emprestado, digamos que aos bancos nacionais, para conseguir cofinanciar (usando se for caso disso uma vez mais as empresas públicas que ainda estejam fora do perímetro orçamental); ou 4) não aproveitar esses fundos para investimento em infraestruturas.
Ora, destas quatro opções, a primeira não parece possível de conseguir, nem a segunda, sem uma convulsão social que até agora se tem evitado. A terceira é um expediente já usado no passado e que deixou as empresas públicas da área dos transportes em difíceis condições financeiras, além de ir retirar crédito que é necessário no sector privado. Só que a quarta opção será dificilmente aceitável do ponto de vista político.
A necessidade de uma quinta via é evidente, só que tem de ser concertada a nível europeu. E para a definir é necessário não apenas o empenho político, mas uma elevada qualidade técnica da propostas portuguesas.
Só “despejar” fundos em Portugal dará maus resultados, como em geral sucedeu no nosso passado recente (e no passado não tão recente também). Não se deve menosprezar a capacidade nacional de transformar qualquer fundo vindo de fora em consumo maioritariamente de importações.
É provavelmente mais interessante para a economia portuguesa um programa de estímulo europeu que faça aumentar as compras por consumidores ou empresas de outros países de produtos e serviços nacionais, do que “oferecer” dinheiro a Portugal, para que com cofinanciamento público, se construam infra-estruturas, por exemplo um TGV onde circularão depois os equipamentos e a tecnologias desenvolvidas na Alemanha ou em França, ou mesmo Itália. O que nos interessa é o contrário, que haja dos consumidores desses países maior exigência e desenvolvimento dos bens e serviços portugueses, para que ocorra de facto crescimento da economia nacional, e não apenas um “boom” de consumo que teria de ser pago no futuro, uma vez mais.
Cabe-nos a nós garantir que um programa europeu de crescimento não é um presente envenenado para a transformação da economia nacional.