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Dez anos depois, continua a fazer sentido

2 comentários

Há 10 anos atrás (1 de Julho de 2001), um Ministro que tomava então posse escreveu uma carta aberta a si próprio, que decidi reproduzir (ainda deu trabalho a encontrar!):

“Carta a um amigo que foi para o Governo

Apresento-te, meu caro F., dez conselhos para poderes melhorar o teu desempenho no novo cargo para que foste nomeado. Espero que os consideres uma prova de amizade.

1. Identifica bem a tua principal missão. Experimenta escrevê-la numa só frase, ainda que longa. Especifica os objectivos e para cada um deles tenta uma análise SWOT (forças, fraquezas, oportunidades e riscos) com as cinco pessoas mais chegadas ao gabinete. Ao fim de 2 anos, renova o exercício, como avaliação. Se estiveres globalmente frustrado, pede para sair. Farás um favor ao País, ao Primeiro-Ministro, à tua família e a ti próprio.

2. Segue como única linha de rumo o respeito pelo interesse público, a imparcialidade, a defesa dos que têm menos voz. Não é difícil. Quando a tua agenda coincidir com a das corporações, estarás no mau caminho, já capturado.

3. Aprende a conhecer a Administração e respeita-a. Ela é em geral muito mais competente, confiável, leal e efectiva, do que poderás julgar. Pode ser lenta, mas está lá sempre. Não executes no teu gabinete o que a Administração pode melhor fazer. Farás depressa mas mal e tudo se perderá ao fim de quatro anos. Procura ter um gabinete pequeno e muito competente. Um gabinete de amizades, simpatias, tende para a incompetência, é objecto de zombaria geral. O descrédito propaga-se mais depressa que a confiança.

4. Legisla o menos possível. Temos muitas e óptimas leis. Se possível revoga ou simplifica as más, mas procura inovar o mínimo possível. Usa o mais possível as resoluções do conselho de ministros, para fixar estratégia e articular sectores verticais. Executa com equipas de missão, de vida efémera. Saem mais baratas.

5. Não deixes crescer mais a Administração Central. Pelo contrário procura reduzi-la, aproveitando a oportunidade da desconcentração territorial.

6. Não pretendas caçar na coutada do vizinho. Terás muito que fazer portas adentro. A cobiça de território é um puro instinto animal que o homem tem de aprender a sublimar. E sobretudo procura evitar essa prática recorrente de todos os ministros se sentirem vocacionados para a cooperação com os PALOP. Deixa ao MNE a orientação e poupa em missões numerosas e representação inconsequente. Quando saíres do Governo nada restará, foi tudo fogo-de-artifício. E quando julgaste ter conseguido algo nesta matéria onde não és especialista, será de péssima qualidade. Tenderás sempre a dar o peixe em vez da cana de pesca.

7. Não poupes tempo em leitura e estudo. Não temas as críticas de que há estudos, relatórios, livros brancos em excesso. Eles nunca serão a mais. Nenhum governo passa sem estudos. O progresso não nasce da intuição, mas de anos de trabalho afincado e competente. E se o resultado for transparente e participado, estreita as diferenças entre ti e os que são relutantes às reformas.

8. Viaja o mínimo possível, mas alguma coisa. Dentro do País procura utilizar o comboio. É mais seguro que o automóvel, permite ler e escrever, não viola os limites de velocidade, não é poluente e é económico. Optando pelo comboio dás um sinal da prioridade nacional em comunicações. Comboios rápidos e seguros serão a prioridade nacional para a próxima década.

9. Conversa de vez em quando, com os amigos de cá de fora. Uma vez por semestre recorre ao transporte público para ouvir o povo. Anda a pé sempre que te for possível, pois tenderás a engordar com o stress e a boa comida. Cada vez que viajes ao interior procura ouvir o país profundo, mesmo que seja mediatizado por reuniões partidárias locais. Não guardes esse contacto com o povo apenas para as eleições.

10. Finalmente, deixa que te recomende que não mudes de comportamento. Um nosso amigo comum, com grande experiência de liderança política, costuma dividir os seus amigos, quando vão para o Governo, entre “os que mudam” e “os que não mudam”. Lembra-te de que há eleições em cada 4 anos e os teus amigos de antes podem não ter paciência para esperar 4 ou 8 anos para te reaver. É que, poderás já ser dificilmente recuperável como amigo.

Dito isto, não quero deixar de te desejar felicidades. O teu sucesso será a nossa satisfação”

 

Este texto escrito há dez anos por António Correia de Campos apresenta-se perfeitamente actual na mensagem principal – evitar o divórcio entre quem governa e a realidade do país. Concordando, parcialmente, totalmente ou  não concordando mesmo, vale a pena a recordar a importância de evitar o “autismo na governação”.

Desconhecida's avatar

Autor: Pedro Pita Barros, professor na Nova SBE

Professor de Economia da Universidade Nova de Lisboa.

2 thoughts on “Dez anos depois, continua a fazer sentido

  1. Nuno Vaz da Silva's avatar

    Muito pertinente! Falta pelo menos um ponto, que eu adicionaria ao 2:
    “(…) Não te esqueças que o governo é apoiado por um partido, que tem muitos militantes e amigos. São eles que te podem apoiar mas que te farão cair logo que rejeites partilhar o poder com os mais influentes (que podem não ser os mais indicados para determinado cargo). Resiste com sabedoria às ambições politicas alheias para que possas sobreviver em prol do interesse do país! Todos serão úteis para termos um país melhor. Mas nem todos podem (e alguns nem devem) ser chefes!.”

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