Aproxima-se a data de entrega, na Assembleia da República, da proposta de Orçamento do Estado para 2026 (OE). E com ela começa o habitual período de notícias e debates sobre a forma como o Estado intervém no setor da saúde.
O primeiro foco de atenção recai, de forma inevitável, sobre o volume global de fundos atribuídos ao Serviço Nacional de Saúde (SNS). Em segundo plano, como ponto de interesse, surge o texto que enuncia as prioridades do Governo para o setor. No entanto, na última década, esta parte do documento tem evoluído para ter uma componente de crescente de exercício de autoelogio, em vez de uma reflexão crítica: sobre o que foi alcançado, o que ainda falta concretizar e quais devem ser os novos objetivos das políticas públicas na saúde.
A ausência de um verdadeiro “orçamento do SNS”
Falta-nos, desde sempre, um documento que possa ser visto como o Orçamento do SNS, isto é, um documento que esclareça que verbas são atribuídas a quem e com que objetivo de política pública. Naturalmente, garantir o funcionamento normal das entidades do SNS que prestam cuidados à população é uma função central e permanente.
É verdade que há a publicação uma nota explicativa após a divulgação da proposta do OE. Essa nota é útil, mas está longe de ser uma versão do que poderíamos chamar de orçamento do SNS.
Em 2017, o Conselho Nacional de Saúde produziu um mapa de fluxos financeiros no SNS, um instrumento de grande utilidade que permitiria acompanhar o debate orçamental, caso fosse atualizado anualmente. Mas apenas os organismos oficiais dispõem da informação necessária para o fazer.
O problema recorrente dos pagamentos em atraso
Como é habitual, multiplicar-se-ão comentários, estudos e análises sobre o tema. Aliás, o ritmo a que surgem documentos e notícias sobre o setor da saúde é elevado, e continuará a sê-lo muito provavelmente.
No caso do OE para 2026, tenho especial curiosidade em perceber como o Governo pretende lidar com o problema dos pagamentos em atraso no SNS, uma aliança perversa entre orçamentos insuficientes e problemas de gestão.
Apesar dos reforços orçamentais iniciais nos últimos anos, e das injeções financeiras extraordinárias a meio e no final do ano (algo que acontece praticamente desde que existem dados regulares), o problema mantém-se.
Em 2025, a “pacificação” da relação com os profissionais de saúde e o aumento da despesa associada a revisões e aumentos salariais serão, provavelmente, a justificação apresentada. Contudo, se assim for, a questão central permanece: por que razão essa despesa não foi já prevista no orçamento inicial? Perceber a origem desta persistência nos pagamentos em atraso é essencial para avaliar a proposta orçamental de 2026.
O ciclo que se repete
Os dados até agosto de 2025 mostram o padrão habitual: um reforço de verbas durante o verão, que reduz temporariamente o stock de pagamentos em atraso, mas cujo efeito desaparece rapidamente. É quase certo que haverá um novo reforço em novembro, de forma a apresentar, no final do ano, um valor politicamente aceitável.
Assim, repete-se a narrativa: “os pagamentos em atraso estão baixos”. Mas esta é apenas uma ilusão de fim de ano. O problema estrutural, a incapacidade de evitar a acumulação recorrente dessas dívidas, continua disfarçado.
Enquanto as questões de gestão que estão na base dessa situação não forem resolvidas, mais verbas para o SNS significarão apenas mais despesa, sem garantias de melhoria efetiva.
Os números mais recentes são claros. O gráfico habitual mostra a evolução dos pagamentos em atraso e o quadro resume a estimativa do seu crescimento médio mensal, isolando o efeito das transferências extraordinárias: para o ano de 2025, foi de cerca de 85 milhões de euros de acréscimo por mês.
Durante 2025, o ritmo de crescimento mensal dos pagamentos em atraso atingiu um dos valores mais elevados da última década e manteve-se assim durante mais tempo do que em anos anteriores.
Em resumo, as dificuldades de que tanto se fala em público têm uma tradução financeira evidente. Encontrar uma solução continua a ser uma necessidade. Infelizmente, continua também a escapar aos esforços do Ministério da Saúde.


