Momentos económicos… e não só

About economics in general, health economics most of the time


Deixe um comentário

“O trabalho – uma visão de mercado” (2)

O capítulo de Introdução começa por abordar o problema da legislação do mercado de trabalho, caracterizada por 1) imobilismo; e 2) por segmentar o mercado entre os que têm (contrato permanente) e os que não têm. O que faz com que a maior parte do ajustamento do mercado de trabalho seja suportado pelos que “não têm”.  E como os primeiros são os que estão organizados para defender os seus interesses, não há forma de alterar a situação.

O segundo aspecto focado é as origens dos baixos salários em Portugal – a) deficiente funcionamento dos mercados; b) baixa produtividade; c) falta de qualificações de decisores políticos, trabalhadores, empresários e gestores.

Sobre como avançar, o texto de Mário Centeno lança uma linha clara – “as mudanças na legislação laboral devem evitar soluções de caráter intervencionista, devendo apenas alinhar os incentivos de cada um dos intervenientes no mercado de trabalho”. E em particular sugere a redução da intervenção judicial. Como princípio, propõe que “em vez de proteger o emprego, proteja o capital humano, na perspectiva do trabalhador e da empresa”.

Ou seja, em lugar de se ter a obsessão do posto de trabalho, deve-se procurar que a capacidade de ser produtivo é mantida, ou reforçada, qualquer que seja o posto de trabalho ocupado. O que interessa é os trabalhadores terem uma contribuição adequada em termos de produtividade, mesmo que para isso tenham que mudar de posto de trabalho, do que garantir a imutabilidade deste último. Essa capacidade será assegurada por investimento em competências genéricas que pode ser mesmo subsidiado pelo estado, enquanto competências específicas ficam remetidas para a iniciativa das empresas, que terão melhor conhecimento do que necessitam.


1 Comentário

“O trabalho – uma visão de mercado” (1)

Num momento em que discute aspectos de salário mínimo e de funcionamento do mercado de trabalho, é conveniente assentar ideias e conceitos, para o que proponho uma leitura comentada do livro de Mário Centeno (e Álvaro Novo, conforme refere Mário Centeno no prefácio) para a Fundação Francisco Manuel dos Santos – “O trabalho, uma visão de mercado“.

O contexto do ensaio é dado logo à partida – no contexto de uma economia de mercado, o mercado de trabalho tem “falhas” que justificam a existência de “instituições”, mas estas “instituições” nem sempre são benevolentes ou cumprem o papel ideal que lhes esteve na origem. Embora Mário Centeno não o refira tão directamente, haverá também uma atenção às “falhas” das instituições. Por instituições entende-se aqui o quadro legal em vigor como fazendo parte de uma definição lata de como a sociedade procura organizar o funcionamento do mercado de trabalho.

A proposta de reflexão apresentada é arrojada: “Pretendemos neste ensaio apontar erros que não devem ser repetidos. Avançamos com soluções que se baseiam no mercado e nas pessoas.” O ponto central da argumentação será a “transmissão de incentivos correctos”, o que nos forçará a pensar nos três elementos: o que e como é transmitido? o que são incentivos e quais os susceptíveis de serem usados no mercado de trabalho? o que significa “correctos”, qual o ponto de referência para definir o que é correcto? “correcto” em termos económicos, de procurar a melhor afectação de recursos, passando então a ter que se definir o que é “melhor” (mas é mais fácil)? ou “correcto” de um ponto de vista moral, que então terá de ser definido nesse campo?

Sem termos uma forte clareza nestes aspectos será difícil progredir na procura das soluções. Tomemos um exemplo simples – se o ponto de referência é todas as pessoas terem um emprego com igual salário teremos um referencial do que é “correcto” e das instituições que o podem garantir do que se disser que o esforço maior (ou menor) e a capacidade maior (ou menor) deve ser recompensada com maior (ou menor) salário.

O próximo texto tratará do capitulo 1.


Deixe um comentário

Conferência do Nova Economics Club (3 – mercado do trabalho)

Ainda na mesma conferência, a discussão do mercado de trabalho passou pela discussão habitual da rigidez dos seus diversos elementos. Porém, o que me reteve a atenção foram outros aspectos, que talvez possam dar caminhos alternativos para uma discussão algo gasta.

O elemento crucial pareceu-me ser a preocupação com o equilíbrio de forças entre trabalhador e empregador – e em que a nossa pesada legislação é uma pesada manta de retalhos construídos sucessivamente. A pergunta que me ficou na cabeça e sem resposta por agora é se não existem outras formas de pensar nesse equilíbrio, diferentes, e que rompam com a arquitectura actual – que cada vez mais parece desadequada.

Aliás, é curioso pensar que criar barreiras ao despedimento para proteger os trabalhadores, se geram barreiras à criação de emprego – com receio de não poder dispensar trabalhadores, a reacção natureza de uma empresa será não contratar ou procurar usar formas de contratação ainda mais precárias -, como não se gera emprego então vai-se tributar mais os trabalhadores para dar subsídios à contratação (mesmo que seja sob a forma de isenções de contribuições para a segurança social), e tributar significa que os impostos poderiam ser menores se não fossem dados esses subsídios. Não será possível pensar em formas de equilíbrio das relações empresa – trabalhador que não tenham estes custos económicos? Imaginação precisa-se. Não creio que seja uma questão de modernização da lei laboral e sim de repensar qual o aspecto central e qual a melhor forma de o garantir, mesmo que refundando o direito laboral. Ter leis que protegem tendencialmente um conjunto vazio de trabalhadores não parece ser particularmente interessante.

Um outro aspecto, que não foi muito focado, mas que deverá constituir preocupação é saber a partir de que momento o actual nível de desemprego se converte de temporário em desemprego estrutural, isto é, quanto mais tempo se permanecer no desemprego maior será a probabilidade de não voltar a ter emprego. Com os elevados níveis de desemprego que hoje se observam em Portugal, com a antecipação de que não vai ser nos próximos meses que esse desemprego vai baixar, o perigo de um desemprego estrutural muito elevado não pode ser negligenciado. Significaria que mesmo que houvesse um recuperar da economia portuguesa, poderá resultar em salários mais elevados mais do que em maior emprego.


9 comentários

completamente …. o quê?

Hesitei muito sobre se deveria escrever a propósito das declarações de António Borges. Primeiro, porque as sensações imediatas são mais emoções que razão; segundo, porque entretanto toda (ou quase toda) a gente decidiu falar e emitir a sua opinião sobre o assunto. Passados alguns dias, talvez se consiga olhar para o que foi dito com mais calma.

Sobre a dimensão política das afirmações, não me pronuncio. Aliás, essa dimensão foi já suficientemente explorada, tal como a dimensão de estratégia de comunicação. Só achei estranho que nenhum comentador tivesse pedido para ver os exames do curso que António Borges dá, só para tirar as dúvidas do que é suposto os seus alunos saberem.

Interessa-me olhar para a dimensão económica subjacente, até porque como bem notou Marcelo Rebelo de Sousa vai de encontro ao que o próprio primeiro-ministro disse, embora de forma menos agressiva, e que revela (?) o pensamento económico que lhe possa estar subjacente.

Em termos de teoria económica, na representação mais simples de uma economia, em situações de concorrência, a produtividade dos trabalhadores (na última unidade produzida) é o elemento determinante do salário real. Ou, outra forma de o dizer, o valor da produtividade iguala o salário. Se a produtividade aumenta menos do que os salários nominais e os preços dos produtos vendidos não acompanham, cria-se um desfazamento que em termos económicos mais cedo ou mais tarde tem de ser corrigido – ou a empresa desaparece, ou baixa salários, ou aumenta produtividade, admitindo que em termos de preços a empresa tem que acompanhar a concorrência (especialmente verdade no caso das empresas exportadoras, que para a mesma qualidade de produto, em geral, não podem praticar preços muito mais elevados que a sua concorrência).

Do ponto de vista das empresas, o salário relevante neste contexto é o salário acrescido de todas contribuições envolvidas, que é por isso diferente do salário liquido recebido pelos trabalhadores (em que para além das contribuições pagas directamente pelo empregador, ainda têm que pagar a sua parte da contribuição para a segurança social e ver retido a componente de imposto sobre o rendimento).

Uma das implicações mais antigas da teoria económica é que esta diferença entre salário liquido e salário bruto é inibidora de contratações que seriam mutuamente vantajosas para trabalhador e empresa. Uma das distorções no mercado de trabalho, destruidora de emprego, é esta diferença. No caso da medida proposta pelo primeiro-ministro, e defendida por António Borges, esta distorção aumentava, pelo que não pode ser este o motivo de defesa da medida. Também não foi este o argumento invocado contra a proposta por quem se mostrou contra. Note-se que uma descida da TSU do empregador, financiada de outra forma, levaria a uma redução desta distorção. O aumento só surge porque a contribuição do trabalhador aumenta mais do que a redução da contribuição do empregador. O argumento contra esta distorção é o de que actualmente não é por ter salário maior ou menor que as pessoas aceitam um novo emprego ou manter o que já têm. Na actual conjuntura, até pode ser verdade, mas medidas desta natureza para promover o emprego não se espera que tenham resultados a três meses, por isso o prazo relevante de discussão é mesmo o médio prazo, onde a distorção se fará sentir.

Sendo assim, é necessário procurar outras explicações.

Do lado de António Borges, e juntando com declarações de outros defensores da proposta apresentada, as principais vantagens da medida eram a) baixar salários de forma generalizada; b) permitir um aliviar de tesouraria às empresas, substituindo-se esta medida à actuação do sector bancário no proporcionar de liquidez às empresas com maiores dificuldades nesse campo.

Sobre a importância de baixar salários dedicarei outro texto, mas é de notar que nada impedia que os salários fossem aumentados aos trabalhadores pelas empresas que estivessem em condições de o fazer, e que até o poderiam fazer aumentando apenas aqueles trabalhadores que considerassem merecedores, e nos restantes “aceitariam” a imposição de decréscimo salarial. Neste sentido, surge até como uma medida de flexibilidade salarial, e não apenas de decréscimo salarial. Os empregadores poderiam gerir da forma que considerassem adequada a folga gerada pela redução da TSU a seu cargo, mesmo que em termos totais viesse a ocorrer uma maior distorção.

O elemento aparentemente não previsto neste argumento é a reacção emocional e de justiça percepcionada face à medida que faz passar directamente dinheiro do bolso dos trabalhadores, em que já sofreram aumentos de impostos e nalguns casos reduções salariais impostas pelas empresas, em pequenas e médias empresas, para os empregadores, que poderão aplicar essa transferência a salvar a empresa ou simplesmente aumentar os seus rendimentos próprios.

Mas também falhou perceber melhor o lado das empresas.

Do lado dos empregadores, a principal motivação da reacção adversa esteve associada com a motivação dos trabalhadores face a esta medida e as consequências que a mesma pudesse ter. Este argumento não está presente na descrição teórica simples que apresentei inicialmente. O desenvolvimento desse tipo de argumentação está contudo presente na teoria económica, na chamada teoria dos salários de eficiência (o leitor interessado pode ver aqui um resumo e uma visão crítica aqui, mas também existem outros motivos para os empregadores não quererem baixar salários, que em geral estão associados com a ideia de relação de longo prazo com trabalhadores como forma de motivação e promoção da produtividade; um tratamento dos vários motivos pode ser visto aqui). A resistência dos empregadores a baixar salários não resulta apenas e unicamente de aspectos redistributivos, ou sequer de “visões marxistas” da economia. Este aspecto é crucial para perceber a divergência de opiniões entre uma proposta que se julgava “amiga” das empresas e a resposta destas.

A julgar pelas reacções observadas, o factor de perturbação dentro das empresas criado pela redução salarial associada com a proposta apresentada pelo primeiro-ministro teve mais peso que o alivio financeiro proporcionado pela medida. Esse diferente peso também revela que os empregadores dão maior peso ao longo prazo, em que essa perturbação laboral terá mais consequências para a empresa, do que dão ao curto prazo (ou ao futuro imediato), em que certamente o alivio financeiro seria bem vindo.

Não sendo eu especialista no mercado de trabalho, é desejável que outros refinem aspectos da análise acima (mas também não quis escrever um paper científico!), pois há outras características do mercado de trabalho que podem ter relevância, como os processos de negociação salarial, contratação colectiva, etc.

De qualquer modo, é bom saber que os alunos do primeiro ano de António Borges são capazes de articular modelos de determinação salarial complexos com situações de falta de liquidez das empresas em contexto de recessão.


1 Comentário

mercado de trabalho e flexibilidade

Sendo que o desemprego atinge níveis que são inéditos em Portugal, e que a flexibilidade do mercado de trabalho tem sido apontada como uma necessidade para o ajustamento da economia portuguesa, torna-se especialmente relevante dar atenção ao último relatório anual do Banco de Portugal, em que vem evidenciada uma vez mais a dualidade do mercado de trabalho português. De um lado, um grupo de trabalhadores com posição segura nos seus empregos, talvez demasiado segura no sentido em que o seu desempenho em nada afecta a sua remuneração, e de outro lado, trabalhadores com vínculos laborais extremamente precários, que mudam muito frequentemente a sua relação laboral. A mobilidade entre empregos destes trabalhadores é, segundo o relatório do Banco de Portugal, bastante grande.

A informação prestada levanta algumas questões, para as quais não sei a resposta:

– esta margem de flexibilidade no mercado de trabalho é suficiente para se considerar que o mercado de trabalho funciona da forma que melhor serve o crescimento económico? isto é, devem os indicadores sobre flexibilidade no mercado de trabalho serem medidos “na margem” ou “na média”? (sem pensar ainda em juízos de equidade, que podem ser depois adicionados)

– a imposição de grande rotação de posto de trabalho apenas a um franja de trabalhadores garante o melhor “match” trabalhador – empresa?

– a rotação de posto de trabalho é motivada pelas decisões dos trabalhadores ou das empresas? e há algum papel dos sistemas de apoio nessa rotação (por exemplo, financiar primeiros empregos de jovens pode induzir rotação excessiva?)

– ou numa perspectiva mais geral, qual o grau de ineficiência de funcionamento do mercado induzido por esta dualidade?

Responder a estas questões é relevante para saber antecipar quer o que possa ser produzido pelos novos acordos no mercado de trabalho, quer a necessidade de outras medidas e qual a sua natureza. Também aqui há que pensar se as medidas públicas não deverão sair da sua “zona de conforto”.