Terminou a 06 de maio a consulta pública da Entidade Reguladora da Saúde sobre a “Recomendação do Conselho de Administração da Entidade Reguladora” referente ao acesso a cuidados de saúde por imigrantes. Tendo sido assunto “quente” no início do ano, com a ida para eleições saiu da agenda imediata da discussão na área da saúde, e outros assuntos entretanto ganharam espaço na discussão pública. Ainda assim, é um tema que voltará a estar na agenda, e a intervenção da Entidade Reguladora da Saúde voltará a receber atenção.
A informação sobre a consulta pública está disponível no website da ERS, aqui. Deixo abaixo, de forma pública, os meus comentários à proposta de recomendação da ERS (o documento da ERS tem 8 páginas, pelo que não é a extensão um obstáculo à leitura e participação na discussão). A versão resumida é: ” (…) o Conselho de Administração da ERS delibera, (…) recomendar às Unidades Locais de Saúde: (i) o cabal cumprimento do Despacho n.º 1668/2023, de 2 de fevereiro, até ao termo da sua vigência, do Despacho n.º 14830/2024, de 16 de dezembro, o qual produzirá efeitos a partir do dia 1 de abril de 2025, e das demais normas e orientações em vigor, bem como as que venham a ser emitidas sobre esta matéria, garantindo o correto registo no RNU dos cidadãos estrangeiros e, por conseguinte, o respeito pelo seu direito de acesso a cuidados de saúde; (ii) que assegurem a existência de procedimentos e/ou normas internos aptos a garantir o cumprimento do previsto na subalínea anterior; (iii) que garantam em permanência que os procedimentos e/ou normas internos descritos na subalínea anterior são do conhecimento dos seus profissionais e por estes efetivamente cumpridos, promovendo a divulgação interna de orientações e boas práticas.”
Observações à Recomendação (e parte das observações respeitam à parte inicial do documento da ERS, pelo que para quem não leu as poucas páginas do documento da ERS, sugiro saltar para o ponto 7 abaixo) :
- O ponto I do documento remete para as atribuições da Entidade Reguladora da Saúde (ERS), não havendo comentários a apresentar.
- O ponto II retira os pontos essenciais, segundo a ERS, do estudo realizado em 2015, onde se encontraram barreiras no acesso a cuidados de saúde por parte de imigrantes, que estão em linha com o conhecimento geral, de vários países, sobre o assunto. Este estudo deu origem a recomendação dirigida a organismos do Serviço Nacional de Saúde. Formalmente, teria sido útil elencar as ações tomadas pelas entidades na sequência desse conjunto de recomendações.
- O ponto III retira os pontos essenciais, segundo a ERS, do estudo realizado em 2024. Destacam-se problemas de “registo, tratamento e monitorização dos dados e informações sobre os cidadãos estrangeiros que acedem aos cuidados de saúde no SNS”, incluindo lacunas no Registo Nacional de Utentes (RNU). Aponta-se por isso para problemas operacionais, e não para questões de princípio.
- A recomendação é por isso no sentido de melhorar esses aspetos operacionais.
- A recomendação proposta revela-se bem estruturada.
- A recomendação proposta, e a sua justificação, estabelece de forma clara as responsabilidades das Unidades Locais de Saúde, para o cumprimento dos enquadramentos legais vigentes.
- No enquadramento da recomendação será útil explicitar mais os princípios base a serem observados no acesso de imigrantes à cobertura pelo Serviço Nacional de Saúde: equidade e não discriminação (acesso em condições de igualdade com os cidadãos portugueses); transparência e acesso a informação (informação clara, acessível e visível); comunicação clara e efetiva (com as adequadas competências culturais e linguísticas); simplicidade administrativa; integridade dos dados (registo rigoroso e monitorização do acesso aos cuidados de saúde); participação (as comunidades imigrantes devem ter oportunidades para dar informação relevante).
- A recomendação é, em si mesma, uma condição que se afigura necessária para a melhoria do acesso a cuidados de saúde no SNS, e as melhorias do sistema de informação beneficiarão todos os cidadãos.
- Não será, porventura, condição suficiente, e por esse motivo será útil, a nosso ver, completar a recomendação com elementos adicionais.
- Primeiro, Melhoria da coordenação institutional: recomendar à Direção-Executiva do SNS que garante as condições necessárias e suficientes, incluindo identificação e disseminação de melhores práticas e garantia de harmonização de procedimentos, para as Unidades Locais de Saúde respondam integralmente à recomendação emitida.
- Segundo, Modernização do RNU: recomendar à ACSS, enquanto entidade gestora do RNU, que indique as especificações técnicas essenciais no sistema de registo, para que a informação possa ser recolhida e disponibilizada da melhor forma possível (por exemplo, poderá considerar-se a importação de informação contida noutros registos do sector público, como o subjacente ao número de identificação fiscal, ou de segurança social?).
- Terceiro, Guia Operacional: a força da recomendação seria maior se a recomendação for acompanhada de um guia operacional explícito sobre os passos a serem adotados, bem como a inclusão de uma proposta de calendário, indicadores de desempenho e mecanismos de responsabilização, cabendo depois aos organismos do SNS a sua implementação. Em alternativa, deverá recomendar que uma entidade do SNS tenha a responsabilidade de elaborar estes elementos, num prazo curto (até Julho de 2025).
- Quarto, Participação Comunitária: a recomendação poderá incluir a criação de mecanismos contínuos de informação por parte das comunidades imigrantes (ou seus representantes formais) nos modelos de governação local de saúde, para melhor conhecimento mútuo das obrigações e direitos.
Por fim, a ERS deverá instituir mecanismos de monitorização da Recomendação. Sugere-se que tal seja feito através de um relatório anual de monitorização, incluindo auditorias às ULS, de forma aleatória (por exemplo, todos os anos serem incluídas nestas auditorias 5 ULS decididas por sorteio, podendo haver repetição de auditoria a uma mesma ULS), bem como a definição de critérios específicos para avaliação do cumprimento da recomendação, usando informação de rotina disponível.