Momentos económicos… e não só

About economics in general, health economics most of the time

Lançamento do Nova SBE Institute of Public Policy e duas perguntas

Deixe um comentário

DoI: trabalho na Nova SBE. Este post não é publicidade institucional.

Decorreu na passada sexta-feira, 20 de setembro, o lançamento do Nova SBE Public Policy Institute. Quem quiser saber mais detalhes pode consultar o link.

Na sessão de lançamento, houve duas perguntas que me foram dirigidas e às quais não houve tempo de dar resposta. Conforme prometido, venho dar aqui as respostas curtas (qualquer das perguntas merece uma resposta mais longa e detalhada):

  1. Is there any major incentive misalignment in the Portuguese healthcare system?
  2. Can Public Policy foster economic growth via exports of Healthcare, CRO, Biopharma and Med Tech?

Para a primeira pergunta, Is there any major incentive misalignment in the Portuguese healthcare system?, a resposta é sim, existem vários problemas de desalinhamento de incentivos. E é possível dar exemplos desde elementos micro até elementos macro. Para dar dois destaques, um de natureza mais micro e outro de natureza mais macro, escolho, na parte micro, os incentivos internos às Unidades Locais de Saúde, na ligação entre cuidados de saúde primários e hospitais. Na parte macro, o desalinhamento de incentivos mais relevante está em as Unidades Locais de Saúde (tal como os hospitais antes delas) terem em geral mais preocupação com o que a “tutela” do que com a satisfação dos utentes (ainda que a retórica oficial diga o contrário, a prática é suficientemente clara). Há muitos outros exemplos, seja no sector público, seja no privado (com ou sem fins lucrativos), seja na ligação entre os dois.

para a segunda pergunta, “Can Public Policy foster economic growth via exports of Healthcare, CRO, Biopharma and Med Tech?”. Também aqui a resposta é sim, mas não as políticas públicas na área da saúde. São as políticas públicas da área da economia, o que dantes se chamava política industrial, que deverão ter essa missão. Não faz, a meu ver, muito sentido distorcer o funcionamento do sistema de saúde, em particular o SNS, para promover o desenvolvimento de empresas. Adicionalmente, a dimensão do sistema de saúde português dificilmente será suficiente para o desenvolvimento sustentado de empresas. A dimensão nacional é demasiado pequena para garantir essa sustentabilidade de negócios. Dito isto, há possibilidades mutuamente vantajosas de usar o sistema de saúde português, SNS incluído, para encontrar oportunidades de inovação, e de testar soluções, envolvendo as unidades de saúde, as empresas, e as universidades e centros de investigação. Para dar uma resposta mais completa recorro a um post com mais de três anos (de 21.07.2021), onde detalho um pouco mais como penso que se poderia atuar neste sentido:

“A sugestão é pensar na relação das entidades do SNS com os seus fornecedores de um modo que ajude à identificação de oportunidades de inovação, que começando localmente possam, algumas pelo menos, alcançar escala internacional. Tal poderá suceder na prestação direta de serviços à população, mas será muito mais provável que ocorra na criação ou aperfeiçoamento de bens e serviços utilizados por prestadores de cuidados de saúde (públicos ou privados). Por exemplo, um hospital ao identificar uma necessidade específica tem de ter disponíveis os mecanismos formais e de apoio que lhe permitam estabelecer uma relação com um ecossistema de inovação de base local ou próxima (universidades/centros de investigação) para encontrar uma solução para o problema encontrado. O desenvolvimento, inicialmente na esfera local, dessa solução poderá depois, através de instrumentos de política industrial, receber as condições necessárias para ganhar escala e operar no mercado internacional (vender a outros prestadores, públicos ou privados, de outros países essa mesma solução).  

O principal contributo do Serviço Nacional de Saúde está na identificação e eventual exploração de oportunidades de inovação e não no fornecimento de escala de longo prazo (que é limitada pela dimensão do país) ou na criação de “mercado protegido” (que seria prejudicial ser for uma estratégia seguida por todos os países). 

Partindo deste princípio genérico, o passo seguinte é a definição de medidas concretas que permitam às entidades do SNS ter este papel. Sem preocupação de exaustividade, sugerem-se para discussão as seguintes propostas: 

Usar os processos de contratação pública (e privada) para desenvolver inovação. A natureza particular dos bens e serviços de saúde criam barreiras específicas, entre elas a informação sobre as necessidades que possam ser inspiradoras de inovação e a estabilidade de decisões de aquisição (para permitir o tempo de realizar a inovação). Os processos de contratação e aquisição de bens e serviços deverão ser conhecidos, regulares (estabilidade no tempo) e serem claros nas dimensões de inovação que permitem (não serem apenas determinados pelo preço mais baixo). A existência de plataformas de diálogo local sobre a evolução das necessidades sentidas pelos prestadores de cuidados de saúde e sobre as capacidades existentes nas empresas e nos centros de inovação será um elemento facilitador importante. A definição dos termos de contratação ou de aquisição de bens e serviços deverá ter em conta estes diálogos, sem criarem mercados protegidos. As parcerias para a inovação entre prestadores de cuidados de saúde do SNS, empresas e universidades/centros de investigação poderá ser facilitada pela disponibilização de minutas de contratos tipo de parceria que reduzam os custos da sua elaboração (estes contratos tipo devem ser facilmente monitorizáveis e procederem a uma divisão dos ganhos de inovação que ocorram, não sendo obrigatória a sua utilização). Mais ainda, a utilização das compras públicas poderá ser utilizada para fomentar inovação sustentável do ponto de vista ambiental, alinhando assim com mais do que um dos objetivos definidos no Regulamento do Mecanismo de Recuperação e Resiliência.

Criação de apoio à formação de profissionais de saúde em investigação e desenvolvimento, tecnologia, evolução digital e empreendedorismo, na ótica de fornecer os conhecimentos necessários para a identificação de oportunidades, por um lado, e para uma adequada gestão das relações de parceria, por outro lado. Idealmente, deverá utilizar-se uma entidade existente para organizar esta iniciativa, sendo avaliada pelos resultados produzidos em termos de parcerias de inovação realizadas a três anos envolvendo profissionais que tenham participado nestas ações. 

Promoção de exercício anual de “horizon scanning” e elaboração de cenários a médio e longo prazo (prospetiva) para a prestação de cuidados de saúde a nível global, divulgados dentro do sistema de saúde português, como serviço público de informação sobre a qual ideias possam ser desenvolvidas. Por exemplo, um primeiro exercício poderá ser sobre o papel da inteligência artificial na prestação futura de cuidados de saúde (promessas, becos-sem-saída, áreas desconhecidas, etc.). 

Definir mecanismos que facilitem a inovação para aplicações na área da saúde por parte de sectores tradicionais da economia portuguesa (por exemplo, mobiliário). 

Criar formas de divulgação e programas de apoio que vençam barreiras iniciais para levar a que inovações desenvolvidas no âmbito da saúde possam ter aplicações noutras áreas.  

Colocando a inovação no centro da relação do SNS com a atividade empresarial torna-se relevante conhecer como atualmente se caracterizam os vários potenciais intervenientes. Em particular, saber como as diferentes entidades do SNS pensam, se é que pensam, nas suas necessidades que requeiram elementos de inovação; saber como as universidades, centros de investigação, centros de incubação de novas empresas e empresas encaram estas relações; saber como as entidades públicas de apoio à inovação olham para a adequação dos instrumentos que disponibilizam, etc.

No que respeita à capacidade das unidades do SNS terem este papel adicional à sua atividade assistencial, é necessário ter em mente que não há nem investigação nem inovação sem um corpo clínico altamente diferenciado e motivado. É necessário um programa de retenção e atração destes profissionais, pela possibilidade de meios e tempo para investigar e inovar. Como instrumento complementar aos investimentos que sejam realizados, é essencial criar os enquadramentos (legais e funcionais) para esta investigação tenha lugar. Sugere-se a criação de mecanismos que permitam sequências de carreiras profissionais com períodos passados em universidades e em unidades de saúde, sem que haja necessidade do profissional de saúde ter que permanentemente negociar com cada um dos lados (universidade e/ou unidade de saúde) a sua situação.”

Desconhecida's avatar

Autor: Pedro Pita Barros, professor na Nova SBE

Professor de Economia da Universidade Nova de Lisboa.

Deixe um momento económico para discussão...