Momentos económicos… e não só

About economics in general, health economics most of the time


Deixe um comentário

Observatório mensal da dívida dos hospitais EPE, segundo a execução orçamental (nº 75 – Outubro 2022)

Regressando ao tema dos pagamentos em atraso, os dados referentes a Agosto e Setembro trazem a novidade de “mais do mesmo”, Com a aprovação do Orçamento do Estado para 2022, o mês de Agosto teve uma quebra nos pagamentos em atraso, mas passado esse momento, logo no mês seguinte, Setembro, retomou-se a tradição de crescimento dos pagamentos em atraso. Ou seja, não foi ainda neste orçamento que houve alteração do dinâmica dos pagamentos em atraso. O gráfico 1 abaixo ilustra essa evolução.

A esperança que ainda existe está agora no próximo orçamento para 2023. Não é apenas uma questão dos valores colocados no orçamento do estado (para uma análise do orçamento do estado para 2023, veja-se aqui), que não garantem total confiança na inversão do processo. A esperança resulta sobretudo no acompanhamento próximo que se antevê se o despacho recentemente publicado for levado a sério. Os pontos fulcrais do despacho são: a) a nova Direção Executiva (representando os hospitais do SNS) negoceia com a Administração Central do Sistema de Saúde até final de março de 2023 o que serão as referências para as atividades (e pagamentos?) a terem lugar em 2024; b) depois de feita essa negociação, os hospitais EPE fazem as suas propostas de Orçamento e de Plano de Atividades e Orçamento (até quando? diz-se apenas que têm de estar aprovados até final do ano de 2023, seria melhor estabelecer uma data, como final de novembro de 2023, para ter em conta a aprovação orçamento do estado?); c) “O acompanhamento e a avaliação dos compromissos assumidos pelos estabelecimentos de saúde EPE são assegurados pela DE -SNS, I. P., em articulação com a ACSS, I. P.”, espero que desde já e não apenas no início de 2023 (e anos seguintes, claro).

Para 2023, o despacho prevê como primeiro passo, “A ACSS, I. P., define e publica os Termos de Referência para Contratualização de Cuidados de Saúde no SNS para 2023, até 28 de outubro de 2022”. Como já passou a data (o despacho tem data de publicação de 03 de novembro, data de assinatura 27 de outubro de 2022), nada como verificar se foi cumprida esta primeira meta. E sim, está cumprida, o documento dos termos de referência para os pagamentos aos hospitais do SNS em 2023 está aqui, como data de 28 de outubro na assinatura do Secretário de Estado. O próximo passo tem como data limite 14 de novembro, mas não é claro se haverá alguma forma de verificação pública de se cumprir (“O processo de negociação e contratualização dos Acordos Modificativos ao Contrato–Programa para 2023 é conduzido pela ACSS, I. P., e pelas Administrações Regionais de Saúde, I. P. (ARS, I. P.), com acompanhamento do diretor executivo do SNS, e deve estar concluído até 14 de novembro de 2022”).

Veremos nos próximos meses como evolui esta situação, e se os mecanismos de acompanhamento da gestão se traduzem numa mudança real da situação. Um primeiro teste à nova equipa no Ministério da Saúde e à Direção Executiva que foi criada será esta evolução, a ser julgada no primeiro semestre de 2023.

Gráfico 1: pagamentos em atraso


Deixe um comentário

orçamento do estado 2023 – saúde

O orçamento para 2023 coloca o peso da despesa em saúde, no conjunto das despesas públicas, no valor mais elevado da última década. Porém, grande parte deste reforço está associado a efeitos preço – não se antecipando um aumento significativo da capacidade de prestação de cuidados de saúde. O histórico de execução faz antecipar crescentes dificuldades no controlo da despesa com pessoal e com bens e serviços. Na eventualidade de existirem derrapagens nestas rúbricas, estas podem vir a ser acomodadas pela baixa execução da despesa de capital. Para ler em detalhe, ver aqui.


Deixe um comentário

ADSE, desafios e eleições internas

Num artigo no jornal Expresso de 28 de Outubro de 2022, Eugénio Rosa, atualmente “membro do conselho diretivo da ADSE, em representação dos beneficiários” (como se apresenta) vem enunciar os desafios que no seu entender a ADSE defronta neste momento.

O primeiro desafio é a ADSE ter um elevado saldo acumulado que deveria ser usado para pagar melhor aos médicos (sobretudo). Um saldo positivo elevado da ADSE significa que os beneficiários contribuíram mais, descontaram mais do seu ordenado, do que as despesas realizadas. O “lamento” associado a esse saldo não é no sentido de reduzir as contribuições dos beneficiários (uma opção possível) e sim a premência de usar esse saldo para inverter a tendência de prestadores vários (incluindo médicos diferenciados) se desligarem da ADSE por o valor que dela recebem ser demasiado baixo. Eugénio Rosa defende então a necessidade de aumentar os preços para que estes prestadores possam ter lucro, de modo a quererem livremente ter convenções com a ADSE. O problema fundamental de estabelecer preços para convenções é um questão de mercado, neste caso de contratação de serviços de saúde. Com a proposta da ADSE se tornar mais ativa e atraente para os prestadores, é provável que se estabeleça ou reforce uma espiral ascendente de honorários / pagamentos de serviços de médicos diferenciados (e outros prestadores). Se os médicos (tomemos estes como exemplo, como faz Eugénio Rosa) optam por se desligarem da ADSE é porque têm uma opção mais vantajosa em termos de pagamento (a alternativa de se desligarem da ADSE para ficarem sem trabalhar não me parece credível). E a atividade que estão a prestar junto de outros financiadores – pagadores de cuidados de saúde (companhias de seguros? outros subsistemas de saúde? Serviço Nacional de SAúde? os doentes diretamente?) deixará de ser feita, pelo menos em parte. Será os os outros pagadores institucionais irão reagir a uma oferta mais atraente da ADSE, com a subida das suas próprias ofertas de honorários aos médicos? como é que o “mercado de trabalho de médicos diferenciados” ser irá ajustar a uma procura mais agressiva (isto é, pagando melhor) por parte da ADSE pelos serviços desses médicos?

Estou alinhado com a preocupação de Eugénio Rosa em ter uma ADSE que pague o suficiente para que consiga dar aos seus beneficiários o acesso a médicos diferenciados que é suposto, embora me pareça que será um problema de mercado (o que convence os médicos a assinar convenções, dadas as alternativas que possuem) e não um problema de regulação (qual o valor do “K” mais justo, “K” é uma referência para honorários da Tabela da Ordem dos Médicos). Tal como terá de ser definido se a ADSE pretende pagar o mesmo a todos os médicos diferenciados, ou se pretende pagar honorários diferentes consoante o médico (especialidade, reputação, experiência, etc), se precisar de o fazer por “K” não ser suficiente para atrair os médicos diferenciados desejados.

O segundo desafio apresentado por Eugénio Rosa é garantir a sustentabilidade da ADSE mas sem copagamentos elevados, sem familiares fazerem descontos e sem limites máximos de despesa (evitar o que Eugénio Rosa define como evoluir para um seguro de saúde, privado e comercializado por companhias de seguros). O terceiro desafio é ter uma gestão eficiente e eficaz (queixando-se, por experiência própria, da dupla tutela do Ministério da Saúde e do Ministério das Finanças).

No segundo desafio, como Eugénio Rosa reconhece, há a necessidade de encontrar um equilíbrio entre o acesso mais fácil e sem custos (ou reduzidos custos) para o beneficiário a prestadores de cuidados de saúde e ao mesmo tempo evitar a utilização desnecessária e de baixo valor terapêutico, na qual se inclui as consequências do acesso direto a médicos de diferentes especialidades por livre iniciativa do beneficiário. É um problema difícil de resolver, e ao contrário de Eugénio Rosa, não creio que sejam “ações de literacia de saúde” a solucionar. O beneficiário quando sente necessidade de recorrer a apoio do sistema de saúde não sabe, muitas vezes, o que é o problema exacto e a solução adequada. A literacia em saúde não resolve essa situação. Se a ADSE não possui uma rede de especialistas em medicina geral ou familiar, que seja o primeiro ponto de contacto, e depois oriente, referencie o doente, para um médico especialista de uma área específica, se houver necessidade, então haverá sempre alguma atividade desnecessária (quando o beneficiário selecione o médico especialista que não é adequado ao seu problema clínico, ou quando a gravidade da situação não justifique esse recurso). Pela sua natureza de grande liberdade de escolha por parte do beneficiário, o sistema de funcionamento da ADSE implica sempre um certo nível de utilização desnecessária. A forma de mitigar é a utilização de pagamentos dos utentes, que podem ser estruturados de diferentes modos (pagar um valor por consulta ou por ato de cuidados de saúde, percentagem do custo da consulta, pagar integralmente os primeiros 200 ou 300 euros anuais de uso de consultas, com cobertura integral depois, etc.). Não sei qual o melhor modo de usar a estrutura dos pagamentos diretos dos beneficiários para influenciar indiretamente os usos desnecessários e de baixo valor, Mas é um assunto que a ADSE deverá estudar e analisar em detalhe, e em complemento (ou mesmo em alternativa) às ações de literacia de saúde. O equilíbrio entre procura de cuidados de saúde pelos beneficiários e a oferta disponível construída pelas convenções existe atenção permanente às condições de mercado (dos vários mercados envolvidos, das respetivas procura e oferta).

Também merece um comentário a defesa de um sistema de redistribuição entre beneficiários baseado na inclusão de familiares sem pagamento adicional por parte do beneficiário titular. Dois beneficiários iguais em salário, e em tudo menos o número de filhos (por exemplo), descontam a mesma percentagem do seu vencimento, mas o uso esperado de um deles (o que tem mais filhos) será maior, pelo que o “preço” por benefício será mais baixo nesses casos. Pode haver bons motivos para redistribuir rendimento, dentro da ADSE, de uns beneficiários para outros, mas essa deverá ser uma opção clara dos beneficiários. É fácil pensar em situações em que essa redistribuição tem também elementos de injustiça (basta pensar numa familia que opte por ter menos filhos por condições de vida mais adversas, e que estará implicitamente a redistribuir para outras). É uma característica da ADSE que deve resultar da escolha dos beneficiários e não ser assumido que é uma consequência da história da ADSE (sendo que nessa história, já antiga, a redistribuição implícita decorria das verbas do Orçamento do Estado que eram colocadas na ADSE).

Quanto à gestão eficiente num contexto de instituto público de gestão partilhada, esta solução institucional foi defendida pelo próprio Eugénio Rosa, na discussão pública tida quando a ADSE deixou de ser um departamento da Administração Pública no Ministério da Saúde. Havia, na altura, pelo menos uma outra solução proposta (entidade mutualista, com controlo reforçado do Estado), que evitava o “estrangulamento de gestão” que Eugénio Rosa agora refere. Antevia-se que estas dificuldades de gestão iriam estar presentes, pois fazem parte do modelo adoptado. Tal como faz parte a possibilidade legal, mesmo que não usada pelo Governo, de se ir buscar o saldo da ADSE para consolidar nas contas públicas (o saldo da ADSE financiar o défice do Estado). Um estatuto legal semelhante aos das EPE não será suficiente como solução, basta olhar para as queixas que os hospitais EPE têm quanto às limitações de contratação de profissionais de saúde e outras ações de gestão. Alguns anos depois, Eugénio Rosa vem reabra a discussão do quadro institucional da ADSE, depois de ter a experiência direta e real do modelo então defendido. Não deixa de ser uma discussão pertinente, e que a ser tida não se deverá eternizar.

É de saudar o artigo de Eugénio Rosa, com a discussão que pretende iniciar, permitindo que se conheça os desafios e se fale das soluções, com o contributo de todos os interessados. E num contexto de eleições para os representantes dos beneficiários no Conselho Geral e de Supervisão da ADSE, será bom e útil que todas as listas candidatas explicitem como respondem a estes desafios.