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Manifesto Ciência Portugal 2018

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Foi divulgado o Manifesto Ciência Portugal 2018 (ver aqui), e que surgiu nas noticias pelo aspecto mais mediático de Manuel Heitor, do IST, o ter subscrito no dia 22 de maio às 8:38:38 (segundo os registos do manifesto), dando-se a circunstância de o mesmo Manuel Heitor desempenhar atualmente o cargo de Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.

Enquanto investigador, é-me fácil concordar com os principais pontos levantados pelo Manifesto: (i) financiamento consistente e transparente; (ii) um “simplex” para a ciência; (iii) política de contratação regular e coordenada, baseada no mérito e respeitando investigadores e instituições.

A parte do “simplex” toca-me especialmente porque devido a um erro burocrático (meu, de leitura apressada do “infernal” formulário) soube passado um ano que o projeto nem  sequer era submetido a avaliação por uma alínea regulamentar qualquer (esta é a minha declaração de interesse na posição de concordância com as posições do manifesto).

Dividindo o mundo entre apoiantes do manifesto e detratores do mesmo, os primeiros verão neste manifesto um pedido para que existam condições estáveis para os investigadores desenvolverem o seu trabalho; os detratores invocarão certamente que é uma posição corporativista de quem quer sempre mais. Mas essa é uma visão pouco útil. Há mais a pensar sobre o assunto.

Dos três pontos do Manifesto, o referente à burocracia pede apenas que seja simples fazer o processo de candidatura e que a avaliação seja credível (e segundo os padrões internacionalmente aceites). De outro modo, o que se irá criar é empresas especializadas em fazer essas candidaturas, que cobrarão por esse serviço, sem qualquer ganho para o sistema cientifico nacional. O seguir as práticas internacionais tem um problema, o de custar euros, e de não ser fácil atrair investigadores de renome a fazer avaliações em Portugal, pois atualmente todos os países tendem a seguir esse modelo, e as mesmas pessoas são provavelmente convidadas para avaliar projetos em vários países europeus. Aqui, concordando com o princípio, vejo como sendo complexo assegurar essas colaborações nas avaliações numa base anual (como é pedido no primeiro ponto do manifesto). Em jargão económico, os investigadores querem uma “procura” anual de avaliadores internacionais especialistas que provavelmente não encontra “oferta” (quem esteja disponível) disponível. Ao apresentar propostas, deverá pensar-se na sua exequibilidade. Não tenho uma solução para o problema, apenas pensar que será fácil, é enganador.

No terceiro ponto central do manifesto, a dúvida que tenho é sobre quem deverá ter uma política de contratação regular e coordenada – a FCT a “coordenar” as contratações? o Ministério? qual o espaço para a independência das instituições, dado que também se diz que “respeitando investigadores e instituições”?. O fundamental é que o enquadramento seja claro e previsível, mas as instituições deverão traçar as suas estratégias e ser avaliadas por elas. E pensar que a mobilidade, nacional e internacional, deverá ser aspecto central dessas contratações.

O que senti falta no Manifesto? Se o Manifesto tem um tom geral de “criem condições para a ciência e investigação serem interessantes em Portugal, com aspectos que até nem precisam de gastar dinheiro”, então deveria haver uma contrapartida de compromisso dos investigadores. Se os investigadores tiverem estas condições então haverá condições para exigir [escrever aqui o que se achar que deve ser o resultado da investigação cientifica em Portugal]. O exercício de pensar no que é a contrapartida de ter condições melhores para pensar, propor, e depois desenvolver os projetos que forem aprovados, é também ilustrativo do que se perde com um sistema errático (no tempo, no financiamento e nas regras).

Fiquei a pensar se a FCT aprovaria para financiamento um projeto que tivesse como objeto de investigação a melhoria do processo de promoção, avaliação e execução de projetos de investigação, definindo objetivos, restrições e métodos de decisão.

Autor: Pedro Pita Barros, professor na Nova SBE

Professor de Economia da Universidade Nova de Lisboa.

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